terça-feira, abril 01, 2008

Dia das mentiras: confiar em mim não significa sempre deixar de confiar do outro...

Continuação da história de uma manhã cheia de histórias.

Um estudo inspirador de um conhecido investigador em torno dos efeitos dos contextos na compreensão e resolução de problemas, nomeadamente dos contextos "de autoridade" (não posso citar para não interferir mais tarde na recolha de dados, caso alguém a ser envolvido possa passar aqui) colocou uma semente na minha cabeça (será usado no mestrado mas, para já, ensaio apenas testes e verificações simples dos indicadores que podem ser recolhidos junto de alunos que não serão os visados).

Com o exemplo desse estudo, lá fiz uma pequena experiência matemática na aula de apoio: problema impossível e absurdo. Em cinco, dois dizem-me que é impossível, três fazem a conta. Ao entrevistá-los sobre as razões, vou chegando às mesmas conclusões do investigador. Eles confiam em mim, reconhecem uma autoridade, habituaram-se a que todos os problemas devem ter uma resposta não importa a falta de lógica do enunciado ou a falta dos dados relacionados com a questão. Recriam a sua própria lógica estruturada na falta de confiança em si, gerada pela confiança na autoridade representada pelo professor em quem confiam - se ele me pede para resolver este problema, tem de haver uma solução (mesmo alunos que começam por fazer um ar de quem acha a coisa estranha, ou comentam mas o que é que uma coisa tem a ver com a outra?, instigados a escrever algo (não lhes digo resolvam, digo escrevam o que entenderem) acabam a fazer contas com os dados passando da intuição inicial libertadora à sujeição À lógica do sistema. Um deles depois, explicando as razões, dizia: a professora pergunta porque sabe a idade da pessoa e deixou aqueles números para a gente fazer as contas com eles. Outro: a professora pôs lá aqueles números para nos ajudar a descobrir com eles a idade do Capitão mesmo que não tenha nada a ver com o assunto.Já os dois restantes foram firmes na convicção de que tinham razão e não era possível fazer o problema com queles dados. Menos confiança na autoridade, em mim? Não me parece... já desenvolveram, isso sim, maior confiança em si próprios, nos seus julgamentos e intuições lógicas no processo de resolução de problemas matemáticos. É aí que quero que cheguem todos.

Os cinco pediram para eu fazer o mesmo com a turma e lá combinámos ontem o segredo para o dia de hoje.

Assim foi.
Novamente o misterioso problema (não posso colocar aqui o enunciado para não comprometer a aplicação posterior). E os resultados foram estes: no total da turma-26 (incluídos os alunos do apoio) 14 fazem contas sem sentido e oferecem uma resposta (alguns fazem o esperado: ensaiam uma conta e como o resultado lhes parece absurdo face à questão, experimentam outras contas até dar algo plausível), 6 deixam a folha em branco, 6 explicam por que consideram impossível a resolução do problema:
não dá para saber a solução porque não temos dados para isso,
não dá para resolver o problema por falta de dados,
com o texto não se consegue descobrir a solução e acho que não é possível assim resolver o problema,
não se pode fazer,
o problema é impossível de fazer.

Depois de recolher as folhas, e já muitos começando a desconfiar das suas respostas revendo a sua primeira intuição, digo a rir: pronto, só alguns de vocês é que vão ser contratados para trabalhar na Microsoft! (Alguém me disse que faziam algo semelhante no recrutamento de pessoal.) Explodem de imediato da contenção e aflição por que passaram e exclamam quase em uníssono: oh professora! Era uma rasteira do primeiro de Abril! Não dava para fazer o problema, pois não?

Vamos a contas. Realmente nem se sairam mal. No estudo, a percentagem de quem faz contas é cerca de 78%... aqui os meus meninos conseguem um honroso 54%. Depois os restantes distribuem-se igualmente pela não resposta ou pela resposta assumida de que é impossível.

Sem interpretações apressadas (porque não comparadas com diferentes turmas, isto tudo de pouco vale) gostaria de acreditar que a actividade permanente de resolução de problemas, de avaliação da razoabilidade de resultados, de um trabalho continuado desde o 5º ano sobre enunciados - análise dos dados necessários/desnecessários, ainda as actividades de programação com o scratch - tão importantes para desenvolver a lógica no pensamento (ainda que nesta turma, que não é a de estudo, decorra de forma menos permanente e mais informal) podem ir contribuindo para o aumento da confiança e auto-estima do aluno, no processo de resolução de problemas, até ao ponto em que a autoridade reconhecida do professor já não interfere com o discernimento nem com a compreensão de enunciados/situações, sejam eles quais forem.

O mais bonito?
A conversa que se seguiu... e que intencionalmente faço no caminho para o final do 6º ano...
Eles explicaram as suas razões para resolver o problema eu falei de como agradecia o carinho deles e a confiança em mim e, com jeitinho, ao mesmo tempo, procurei ajudar a perceber que não precisavam de a perder, ao ganhar confiança em si próprios. Que a vida lhes ensinará que, aos poucos, é preciso acreditar em nós, sem deixar de acreditar nos outros. Que crescer é aprender também a usar a lógica para fazer os nossos próprios juízos e depois agir confiando neles, como já alguns faziam (sem deixarem de confiar em mim, pelo contrário).
Que era um problema de "mentirinha" sim, o dia era apropriado... mas feito com carinho para que pudessemos juntos retirar dele uma lição de vida:
confiar em mim não significa sempre deixar de confiar no outro...

Oh, professora, ainda dá tempo... vamos fazer outro?
E aí apresentei um problema que, ontem, uma aluna do 5º ano me colocou a mim, sua professora, mal se sentou na aula de Matemática, vinda das férias - professora, adivinhe lá este: se eu tenho de comer três bolos, mas tenho de esperar sempre uma hora entre cada um que como, quantas horas levo para os comer aos três?
Felizmente para mim a mente ainda está ágil e vi imediatamente a solução (confesso que pensei nuns pastéis de Belém, porque modelar é um bom caminho... e se for só com a mente nem engorda...) e não passei vergonha nenhuma. Respondi correctamente.
No sexto ano o problema ainda deu que pensar. A discussão foi rica e acabámos a desenhar bolos no quadro. Foi já depois do toque que saímos, que o entusiasmo tem destas coisas e puxar pela mente pode ser apetitoso.

Julgam que deixo aqui a solução?
Nem pensem! Toca lá a ginasticar os neurónios!

ADENDA: na aula do quinto ano, matemática, continuámos o trabalho de ontem do referencial cartesiano... foi especial. Pela primeira vez o meu menino diferente iniciou de imediato o trabalho pré-pronto no caderno e eu fui ter com ele e mimá-lo... recebendo em resposta: professora, dá-me o hiphop da bicharada (havia visto as fotocópias na minha mão). Claro que dou! Ficou enlevado olhando, mas pedi: depois, depois M. agora vais acabar o exercício, sim? Sim. Acabou. E depois ouvi-o cantar baixinho com a folha à frente.
Já o outro menino, depois de cinco minutos em recusa para retirar o estojo, para levantar a cabeça deitada ostensivamente na mesa, perante a minha insistência firme com timbre de zanga e impaciência, finalmente decidiu preparar o material e acabou no quadro comigo a fazer exercícios de marcação de pontos no referencial enquanto eu ia conversando com ele, aproveitando para, mais uma vez, tentar ganhá-lo com carinho para esta turma para onde veio transferido, no final do período anterior, por razões disciplinares e ameaça de abandono... Não tem sido fácil (que a sua história não é mesmo nada simples), mas durante 20 anos este foi o meu público na escola de Setúbal, antes desta, e a estratégia do pobrezito nunca surtiu bom efeito. Tenho o maior carinho e respeito por situações complicadas, mas a pena atropela a eficácia da acção, inferioriza aquele a quem a dirigimos, não o dignifica enquanto ser humano... sou rígida, exigente, carinhosa, zango-me agora, depois estendo a mão, faço de conta que nada sei e tento que se sinta igual entre iguais. A turma é carinhosa, acolhedora e tem ajudado muito no processo de integração.

Os restantes felizes: oh professora agora é que eu percebi bem. Posso ir ao quadro? Posso eu? E eu posso? Podem sim... ora vamos lá!
Na próxima aula serão eles a corrigir os erros do primeiro exercício de ontem... queriam hoje, mas o tempo acabou depressa.

Nas Ciências de 6º (ai a minha cabeça já perdida com esta misturada toda!) programámos em conjunto as actividades até ao final do ano. Trabalhos em grupo sobre temas importantes, micróbios, higiene e problemas sociais, poluição..., formas de trabalhar, possíveis produtos - pistas, como ligar tudo isto à Área de Projecto, cuidados a ter, critérios de avaliação e sei lá mais o quê. As ideias a brotar. São criativos estes meus meninos...Toca e nem damos por nada.
Tropas moralizadas neste arranque de 3º período, que me cheira já a flores, que me cheira a Sol e a Primavera...

Conseguem ver o meu sorriso?

2 comentários:

Jardins disse...

É sempre uma delícia ler estas descrições...

Teresa Martinho Marques disse...

:) Beijinho