sexta-feira, novembro 21, 2008

Da raiz, dos erros (e dos novelos)...


O que penso ficou aqui muitas vezes enunciado e não me apetece a repetição. A minha questão é de fundo, relaciona-se muito mais com o ECD e as suas arbitrariedades e injustiças do que com a avaliação (a única coisa de que ontem se falou, com tristeza minha). Ela, avaliação, de acordo com este modelo, decorre de pressupostos incorrectos e injustos estabelecidos no ECD (e demais regulamentação), e não há, na minha opinião, simplificação que corrija um erro. Se se cair nessa armadilha, validamos mais uma vez o dito erro e validamos os remendos do erro. A primeira validação aconteceu quando concorremos a professores titulares aceitando a divisão da carreira e os critérios regulamentados para a promoção, que destacou uns quantos para um suposto topo em que passavam a poder avaliar os outros sem que se garantisse rigor, valorização de carreira por inteiro, a justiça e igualdade de oportunidades entre todos (tudo dependeu da sorte ou do azar de estar numa ou noutra escola durante o processo, o que fez com que pessoas em igualdade de circunstâncias pudessem aceder ou não ao título e que pessoas em desigualdade de circunstâncias fossem promovidas exactamente ao contrário: ficando como titulares professores com menos pontos do que outros que também se candidataram e não foram promovidos noutras escolas). Rigor? Exigência? Avaliação? Que avaliação foi esta que assim definiu levianamente o corpo de avaliadores?
Não posso calar os erros graves do ECD em que assenta o processo de avaliação, não posso aceitar que se continue a laborar sobre ele, a raiz de muitos dos problemas que temos agora em mãos. Tal caminho vai acabar por transformar esse erro numa coisa correcta e boa (esquecidos os males) e depois ouviremos um dia alguém dizer: afinal até era uma coisa bem feita e valeu a pena insistir porque as pessoas agora aceitaram e já não falam do assunto, nem reclamam...

Para além desta questão fundamental que infelizmente ontem não foi abordada, no todo emaranhado também identifiquei umas linhas de raciocínio que me deixaram preocupada, mas acabaram por clarificar algumas das decisões e opções do ME.

Já nem falo da justificação apresentada para necessitarmos de um modelo de avaliação mais complexo do que os da Europa: estamos na cauda da literacia Matemática (!). A Matemática tem a culpa toda. E os problemas da Matemática vão resolver-se todos com um modelo complexo de avaliação. Fiquei esclarecida. E logo agora que eu até estava quase a acreditar que os problemas da Matemática tinham ficado praticamente resolvidos e que com mais um ano (mesmo sem modelo de avaliação a funcionar ainda) se resolveriam por completo. Este pormenor é apenas a caricatura da incoerência e dos vários pesos e perspectivas que se usam de acordo com as situações. Estamos habituados a esta técnica recorrentemente usada. Um jornalista atento e bem informado não teria deixado escapar a oportunidade.

Mas, ontem, ao serem afloradas as desigualdades de natureza académica e profissional entre professores, penso que finalmente percebi a lógica do sistema. Isso de mestrados e especializações e doutoramentos não tem nada a ver com a coisa. A coisa é processual (!) e parece existir apenas uma entidade fiável e credível na definição dos filtros (que até agora nunca existiram (!)): o ME. Esse filtro, finalmente criado no país, tomará forma através das leis e critérios sucessivos que o ME vai definindo e que, por sua vez, permitem ir encontrando/promovendo a frota de pessoas-filtro - uns titulares e outros nem por isso (comissão de serviço) - que garantem apreciações justas e objectivas sobre os seus pares (sem que fiquem claros os critérios para o recrutamento e delegação, tão pouco para as apreciações). A verdade é que os critérios são sempre uma zona muito obscura em todos estes discursos, mas percebemos finalmente que, neste caso da avaliação dos professores, nada têm a ver com os critérios de análise curricular utilizados habitualmente na sociedade... Todos errados, claro. Como tudo o que não emanou de uma tutela salvadora da nação.

Prepara-se assim o quê? A extinção das universidades e espaços afins e a criação de um qualquer instituto ministerial que substitua todas as instituições de formação e que seja filtro à prova de tudo, capaz de certificar sem subjectividade qualquer tipo de competência sem recurso a qualificações académicas, estágios profissionais, pós-graduações e outras coisas perfeitamente desnecessárias?

Assim se tecem novelos e se enterram e esquecem as pontas onde esses novelos começaram...
Só que eu tenho boa memória. Para o melhor e para o pior, decido não me esquecer.

3 comentários:

henrique santos disse...

3za
trago-te aqui uma prosa que li hoje do Fernando Dacosta no JN.
"Sem memória não há ideias, sem ideias não há pensamento, sem pensamento não há criatividade e sem criatividade não há futuro..."
"Agora as pessoas, sobretudo as que nos governam, estão perversamente a apagar a memória e a vender o seu peixe. É por esta razão que os grandes criadores portugueses estão a dar grande importância à memória".
"Há medo, nunca vi tanto medo no meu país".
Ao ver aquela senhora de muita habilidade política (no sentido da "porca" da política como salvo erro se lhe chamava em Portugal no século XIX) e escassa cultura a anunciar "aquelas coisinhas", só me lembrei de duas coisas. Ir ler o Leopardo do Lampedusa que para vergonha minha ainda não li, mas sei que tem uma frase do género "É preciso que algo mude para que tudo fique na mesma".

henrique santos disse...

...E a seguir reler Maquiavel que aconselhava o Príncipe a ser mau mas com bom gosto.

Teresa Martinho Marques disse...

Sou pela memória... aborrece-me o esquecimento.
Tens toda a razão...
Vamos ler... :)