quarta-feira, novembro 19, 2008

Portugal Futuro - Ruy Belo

Depois de uns quantos testes povilhadinhos mais de números que de palavras, e a saudade com que eu também fico das palavras, umas quantas alegrias neles, umas tantas preocupações para tratar depois e por causa deles, que este vestir de professor nunca é feito de indiferenças adormecidas e todo ele se desliza sempre em torno das crianças que quer (re)criar o melhor que possa e saiba, parto para mais uma reunião nocturna, que os professores são assim corujas sem família, seres de luar e sombras, acordando depois cedo porque todavia também criaturas de sol e de luz branca que nasce e renasce sempre com uma espécie de optimismo doença sem cura, dei comigo à procura de um poema para dizer uma coisa que me apetecia dizer, mas para a qual não encontrava as letras moldadas com a certa forma de encaixe no puzzle desse desejo súbito.

Tentei N Júdice... demorei-me, tentei R Rosa, ia-me perdendo, aterrei em Ruy e fiquei assim sem mais palavras para procurar, de tanta claridade que me nasceu aqui no écran subitamente viagem.

Era assim do futuro talvez de Portugal que eu queria falar hoje e agora posso.


Portugal Futuro, Homem de Palavra[s]

O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e lhe chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro


"Portugal Futuro", Palavra[s] de Lugar, in Homem de Palavra[s]

5 comentários:

Amélia disse...

Belo texto a introduzir um belíssimo poema! Gosto de vir aqui,Teresa!

henrique santos disse...

Bem, 3za. Logo aqui deparo com o meu Poeta preferido, para além dos "monstros" da poesia. Em quem só distingo, poemas curtos ou poemas longos, mas de beleza igual, na forma e no conteúdo.

Teresa Martinho Marques disse...

:) Fiquei presa a este poema... sabe-me a canção. Acho que estava precisar de uma canção. Estamos todos... Obrigada por aportarem aqui um bocadinho...

Luis Neves disse...

A Arte de ser feliz
Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para
as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Achei que ias gostar muito de ler este Poema. E por isso partilho com a Teia, Luis

Teresa Martinho Marques disse...

Lindo.... Obrigada :)