terça-feira, novembro 18, 2008

O(ás)is?


... acordei de manhã para uma aplicação informática de ois.
DGRHE Avaliação de Desempenho do Pessoal Docente - Aplicação Informática
Definição de Objectivos Individuais

Encontrarão pela internet os comentários devidos e as análises adequadas sobre mais este magnífico e estupendo contributo tecnológico para a resolução do problema da avaliação dos professores. Eu já nem consigo comentar.
É Plano Tecnológico a mais para a minha cabeça e a menos para os meus alunos (numa das minhas turmas, nunca tenho computadores vagos à hora em que tenho aula de Matemática, ou Ciências... aquela em que mais precisava, para continuar o projecto do ano passado).

Por isso criei um Clube "marginal"... procurando os tempos vagos na sala com equipamento...
Assim uma espécie de oásis para respirarmos juntos outro ar mais verde e fresco.
Sei que o Hgf acabou sozinho, em casa no fim-de-semana, o projecto de fracções que iniciou em Área de Projecto na semana passada. Sei que tem erros matemáticos e erros ortográficos. Sei que nem gosta lá muito da escola, mas me concede felizmente este interesse pela aplicação (Scratch) que temos usado (pela primeira vez este ano para ele). Sei que tenho 45 minutos de Clube à terça com esta turma (não mais, que o tempo para projectos e acompanhamento de alunos é cada vez menos e só chega para ser colocado em intenções de objectivos individuais, em aplicações informáticas, ser avaliado nos seus resultados, mas depois não tem tempo para se cumprir como devia, com tempo...), sei que tenho lá sempre cerca de 20 alunos na sala (voluntariamente inscritos) e que não me posso sentar ao lado de todos todas as semanas, (mesmo desejando, mesmo eles precisando, mesmo sabendo que isso faz sempre toda a diferença).

Hoje consegui sentar-me com ele. Corrigimos e republicámos as suas fracções. Fez as contas necessárias para tornar mais rico o seu projecto.
Consegui sentar-me com o JP e com o Doogoo... publicámos o seu primeiro projecto (muito) simples (e tão importante sobretudo para o JP) sobre a alimentação.
Consegui sentar-me com a Ang e com o Mathardy... publicámos (o primeiro projecto com interactividade da Ang - moldava - e sobre a matéria em estudo nas Ciências - Sistema digestivo... escrever em português é sempre um desafio, aprender palavras novas também, mas sorri sempre a cada conquista e cativa-nos com a sua doçura). Já deixei tudo aqui.

Percorri outros grupos... projectos sobre a SIDA, sobre o Círculo, corrigir erros ortográficos, corrigir aspectos da programação, corrigir erros matemáticos, cadernos abertos, contas para verificar, livros de Ciências para consultar, que não pedi para trazerem, respira-se vontade de estar ali. Não é uma aula. São muitas. Às vezes parece que consigo ver ali o embrião de qualquer outra Escola que desejo tanto se venha a cumprir um dia, outras vezes apenas a utopia de um sonho sem tempo para se construir. Eles querem-me tantas vezes ao lado deles e tantas vezes não consigo lá estar.

Há dias assim, em que o oásis onde bebo e respiro é também a fonte de uma suave mas profunda melancolia. Por cada conquista feita, só consigo pensar nas que não consigo fazer. No que deixo para trás. Naquilo a que não consigo chegar, nas oportunidades que perco pelo caminho com cada um deles. Sei que nem todos os dias são assim de pensar mais nas perdas do que nos ganhos. Mas é como me sinto hoje. E com as hormonas da tristeza não se discute. Nem tentem consolar-me. Passa. Amanhã já passou.
Tenho mil objectivos individuais para cada uma das crianças a meu cuidado. Ao ouvido delas sussurro quais são em cada mão estendida, em cada mimo de tempo e atenção que consigo dar-lhes, em cada exigência, em cada chamada de atenção, em cada parágrafo das nossas conversas, em cada ponto de interrogação dos desafios que proponho...

Não vou entregar nenhum desses objectivos a ninguém neste formato de avaliação que nada avalia do que sou e do que faço. Muito menos preenchê-los em aplicações informáticas. Até ver, os meus objectivos pertencem aos meus miúdos. Se alguém me quiser escutar, saber quais são, venha ter comigo quando quiser e contemple. Pergunte que eu respondo, mostro, partilho tudo como sempre fiz. Veja o que faço com a minha vida na escola ao serviço deles. Sempre às claras de janela e portas abertas.
Caminho nem sei bem para onde desde que decidi não ser cúmplice de um sistema que prejudica quem devia proteger. Depois de optar por não ser titular, segue-se a recusa de compactuar com um modelo de avaliação em que os avaliadores foram escolhidos pouco mais do que por um acaso fortuito na maioria das escolas. A minha vida e o meu currículo não eram só sete anos de cargos. Nem o currículo ou vida dos outros professores (não entendo sequer a razão pela qual esse direito de análise justa do currículo - não a aplicada - foi negado a professores abaixo do 8º escalão). Recusei esse jogo e agora recuso mais este sem regras de rigor que o sustentem, sem exigência real e que me exclui mesmo antes sequer de me escutar.

Repito: caminho nem sei bem para onde.
Mas como caminho com eles e por eles, estou em boas mãos e não receio pelo futuro.

(É que o futuro - esse oásis sonhado - fazêmo-lo nós com os nossos gestos em cada dia.)

6 comentários:

matilde disse...

E que vivam os bons professores.
Beijinhos Teresa.
;)

Teresa Martinho Marques disse...

Beijinhos Matilde!
Saudade...

JMA disse...

Ensaio sobre a maravilha de ser professora. Vai ser esta a entrada.

Teresa Martinho Marques disse...

:) Já vi... Obrigada sempre pela atenção e destaque...

Vocas disse...

Adorei o "...tenho mil objectivos para cada um deles..."! Brilhante!
Tou contigo Teresinha! Sem tirar nem pôr. Beijinhos

P.S. - Sabes que já recebi essa treta e nem sei como conseguiram o meu mail se só o dou aos amigos?!

Teresa Martinho Marques disse...

:) Pois eu não recebi ainda... (nunca partilhei o meu mail com eles... realmente... como o conseguirão?)
Muitos colegas já receberam... não sei que fenómeno é este... mas passa-se realmente algo de muito estranho no reino da educação...