Considero-me responsável pelos resultados dos meus alunos. Sim.
Responsável por encontrar o melhor caminho que os leve a sentir vontade e prazer em partilhar comigo essa responsabilidade. São pequeninos ainda... nove, dez, onze anos... , para além da Matemática há mais coisas para aprender quando estamos juntos, e não é possível fazer aprender Matemática (ou outra coisa qualquer) se eles decidirem que não querem, se não confiarem em mim e não acreditarem na importância do que quero partilhar com eles.
Muitas vezes lhes digo que sozinha não consigo. Que eles têm de me ajudar. Que têm de querer. Converso muito com eles. Com cada um. Muitas vezes. Não desperdiço tempo nessa doce troca. Esse gesto é um abraço que os prende sem saberem, que os traz até ao desejo de serem melhores e trabalharem para isso. Não por causa da nota, repito até à exaustão, mas porque é importante aprender, compreender, ser exigente consigo próprio, ser autónomo, aproveitar os dias para crescer e para construir com afinco sobre o melhor que existe dentro de nós, dar o melhor de nós ao mundo. Acho que eles percebem o respeito imenso que nutro por cada um deles. Devolvem, mesmo sem que eu peça, esse carinho depositado nas suas mãos. E o meu entusiasmo acaba muitas vezes por contagiá-los.
Os obstáculos são muitos e não são sempre os mesmos em cada criança ao longo do dia, ao longo dos dias. E há crianças que cativamos pelo coração, mas não conquistamos para a batalha do conhecimento. Vidas demasiado complexas, marcas profundas de abandono ou desleixo. Podem entregar-se aos nossos cuidados. Deixar-se ficar no nosso colo, mas não é imediata nem simples a entrega ao gesto ávido de aprender. Carregam uma imensa dor, uma imensa indiferença pelo mundo e pelo que lhes possa acontecer. Não os culpo, nem às vidas deles, nem a mim. Tento tudo até já não ser mais possível porque o ano acabou e me disseram que só tinha direito a 45 minutos extra, com ele e outros, em cada semana. Não exijo menos, ajusto apenas a estratégia. Faço o balanço. Entristeço-me. Aprendo a gestão da derrota. Não somos perfeitos. Fazemos muitos, mas não fazemos todos os milagres. E não mascaro resultados, mas queria ter o tempo que me foi retirado (com esta ideia de que temos de estar na escola muitas horas ao serviço de tudo menos dos nossos alunos) e me impede de poder ser mais e melhor para estas crianças que tanto precisam de nós (evitando que mais tarde sejam incluídos em soluções simplistas e jogados com poucas competências no mundo).
Há tempos uma aluna (que não foi minha no ano que passou), depois de lhes pedir como TPC que tentassem resolver um conjunto de exercícios, reforçando que não havia problema se não compreendessem alguns, devendo nesses anotar as dúvidas sentidas para na aula podermos esclarecer tudo (mas não usando essa desculpa para deixar tudo em branco, pois eu sabia que havia ali exercícios que todos conseguiriam fazer), fez este comentário espontâneo que me tocou: a professora está sempre mais preocupada que a gente compreenda do que com a nota e quem fez ou não fez as coisas...
Ela traduziu exactamente o espírito de toda a avaliação que decorre nas aulas. Até ao lavar dos cestos, é vindima. Só quando me obrigam a fazer juízos sumativos, uma vez por período, é que faço a síntese do caminho e dos progressos (não a média) e ajuízo do melhor "rótulo" para a evidência demonstrada, com as ferramentas e indicadores que usei (nem sempre os melhores), de acordo com os critérios estabelecidos na escola. Até lá concentro-me apenas em ajudar a corrigir os caminhos, encontrar as estratégias que melhor os convençam de que é preciso trabalhar. Concentro-me no diálogo formativo, global ou individual. No diálogo de aproximação a quem são, o que sentem sobre as coisas, o que gostam, o que precisam.
Eu sou como as crianças. Acho que somos todos. Não aprecio a indiferença, nem me quero esconder do mundo. Sou professora. Profissão pública, seguida e avaliada informalmente sempre por centenas de olhares em cada ano (alunos, pais, pais-colegas, colegas do Conselho de Turma...).
Gosto de aprender. Gosto de saber a minha posição no mundo. Gosto, preciso de crescer. Sempre. E preciso de acreditar que faço a diferença e que reconhecem e avaliam de forma justa a minha entrega e o meu trabalho.
Eu até deixo muitas pistas...
Que bom seria instituir o valor das pistas, do necessário tempo para a reflexão pessoal e para o apoio aos nossos alunos, o valor da partilha... não, não de portefólios estéreis e pesados, cheios de matrizes e fichas e planificações e grelhas e muros e paredes e prisões, que pouco dizem sobre quem somos, mas de documentos vivos, de experiências, de testemunhos na primeira voz, na segunda, na terceira.
Multimédia, sim. Pode ser divertido aprender como. Pode ser interessante construir esse nosso caminho de várias cores e com som e movimento.
Assim, nesse processo, não só seria mais fácil desocultar quem é o professor, como pelo caminho ele aprendia cada vez mais sobre a arte de viver neste século e usar as TIC, e outros recursos, criativamente, numa parceria construtiva com os pares e com os alunos, que são a parte mais importante do caminho que traçamos nesta profissão.
Recordação
Há 5 anos
2 comentários:
Mais um texto magnífico e invulgar, bem por "dentro-fora" do tempo que passa.
:)... são os meus devaneios... as minhas utopias... e depois... ontem acabei por ler algo que corrobora esta necessidade de tempo para o professor... a importância da reflexão partilhada... Hei-de deixar aqui um destes dias... :)
Obrigada pela tua presença... :)
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