terça-feira, dezembro 16, 2008

Fases...

Quando iniciamos o trabalho com uma turma pela primeira vez há essencialmente duas fases que importa vencer até chegar ao ponto óptimo onde ocorre maior quantidade e qualidade de aprendizagens:

1 - Tenho dúvidas mas nem sei bem quais são... o melhor é ficar calado para não pensarem que sou burro ou gozarem comigo.

(Se o professor não criar um ambiente de confiança nesta fase e não conseguir eliminar a natural tendência de crueldade jocosa por parte de todos contra todos, com poucas excepções, quando revelam em voz alta as suas fragilidades, pouco poderá esperar... Costumo dizer-lhes que são poucas as coisas que me fazem zangar, mas uma delas, a pior, é... eu pergunto a um aluno qual o resultado da conta dois mais dois e ele responde três... e... alguém se ri. Não aconselho nem o sorriso! As consequências são muito sérias. Aos poucos acabam-se esses hábitos e as dúvidas começam a surgir... e o trabalho a atrasar-se um bocadinho, para logo a seguir se adiantar muito mais...)

2 - Exteriorizo a frustação olhando para um quadro cheio de coisas, depois da explicação do professor e, em ligeiro tom de birra e auto-comiseração, já que o professor gosta que a gente coloque dúvidas, lanço um: Não percebo nada disto!

(O professor deve treinar o aluno a capacidade de concentração que lhe permite acompanhar a explicação e identificar de forma precisa exactamente aquilo que não percebeu. Se um aluno diz que não percebe nada... o professor pode cair na tentação de explicar tudo outra vez... e ouvir exactamente o mesmo a seguir. Já não o faço. Paro a aula e tento levar o aluno a dizer exactamente o que não entende. A explicar a sua dúvida, A pedir a ajuda para o ponto específico que parou a engrenagem... Se é fácil? Não. Gasta-se tempo. Cresce em nós a ansiedade do não tenho tempo para isto tudo se quero cumprir o programa a correr em sufoco até chegar ao fim e suspirar: dei tudo. A verdade é que podemos dar tudo e poucos alunos terem recebido...)

3- interrompo o professor de forma organizada e peço explicação para pontos precisos onde sinto dúvida.

(A batalha está ganha... dali para a frente esse aluno toma conta de si e sabemos que vai ser fácil ajudá-lo porque cresce na consciência do que se passa à sua volta e na consciência de si e do seu pensamento em relação ao conhecimento.)

Isto a propósito de muitas coisas mas, na semana que passou e nesta, a propósito das operações com racionais, fase delicada do sexto ano. Demoro mais do que a média dos professores na abordagem ao conceito de fracção... olhamos de muitas maneiras até interiorizarem aspectos fundamentais. Depois nas operações sei que será mais fácil. Na turma que conhecia do ano que passou, estão quase todos na fase três (apenas três alunos novos caminham a passos largos para lá, pois os hábitos eram outros). Noutra turma que herdei, com 26 alunos, alguns com dificuldade e outros que ainda não dominam o português... estamos a chegar... e alguns já lá estão. Já é possível ver um dedo apontado a um pormenor, uma dúvida colocada com clareza e uma ajuda que assim pode ser certeira e ajustada à medida da necessidade.

Do não percebo nada disto ao não percebo isto aqui vai um caminho que não é fácil. Mas ao professor cabe ajudar o aluno a fazê-lo com rigor e exigência, ou de nada lhe servirá servir aos alunos lautas refeições matemáticas para sossego da consciência do conteúdo cumprido.
Esta semana disse a uma aluna que não conseguiria explicar nada se ela insistisse em dizer-me que não percebia nada. Corremos o quadro até ela perceber aquilo que não percebia. Mudou da noite para o dia. Acabou-se o ar aflito e zangado e a suavidade desceu às feições.

Parece tão simples tudo a quem não mora aqui dentro onde nós moramos.
Mas não é. É bonito, mas não é mesmo nada simples.
Com quase 30 dentro de uma aula... é tudo menos simples.

4 comentários:

Luis Neves disse...

De Rerum Natura: OS PROFESSORES EM BADAJOZ

Para ver como a Espanha trata os seus Professores. Saiu este Post hoje no De Rerum Natura, e achei que tinha que te enviar. Ficamos a saber que mesmo aqui ao nosso lado na Estremadura começa a Civilização. Ainda há fronteiras sim.

Teresa Martinho Marques disse...

Pois... por acaso tinha estado lá hoje... mas para ver a crónica do Desidério no Público... Obrigada!

emn disse...

Acrescentava ainda a necessidade de o professor ter de SABER muito bem o que está a ensinar.... assim sabe explicar «aquela» dúvida.
Não é com «generalistas» que isto se consegue.

Teresa Martinho Marques disse...

Tens toda a razão!
Fundamental...