A Maria foi encontrada pelo Cara-Metade (que partilha este gosto/destino comigo) quando, num voo de parapente, se lhe acabou o vento bem longe do local onde eu estava. No caminho de regresso deu com ela meio morta (meio viva?) e sem forças. Podia tê-la deixado por lá e eu nunca teria sabido de nada. Mais uma gaivota, pensariam muitos... há tantas! Mas o Cara-Metade não é "esses muitos". É como eu. Apanhou-a e chegou-me de asa de parapente às costas e Maria no colo, depois de percorridos alguns quilómetros de praia.
Nas praias meio desertas da costa Alentejana passeávamos com ela à beira-bar. Tomava bons banhos para lavar as penas. Cuidava-se com esmero. Dormia aninhada junto a nós. Comprei peixe, ensinei-a a comer, depois a voar, obrigando-a a bater as asas para as fortalecer... alguns estrangeiros pediam para fotografar ou filmar as cenas... Para nós já é natural, para os outros nem por isso.
Um Verão mágico esse de 98. Como são todos os dias, por uma razão ou por outra...
O dia da despedida foi comovente. Ela não queria ir, mas conseguimos que voasse e fosse pousar no meio do bando de gaivotas da praia do Meco, onde havia sido encontrada. Nunca mais soube dela. Mas sempre que estamos na praia e uma gaivota passa perto, dizemos: Olá Maria!
De todas as tarefas de professora, esta foi a mais difícil: ensinar algo que não sei fazer.
(Ou saberei e não sei que sei?)
.
Era uma gaivota, ou assim dizia
numa voz cantada, ou assim parecia
Era uma gaivota, que queria um céu
mas mais pequenino, como tu e eu.
Era uma gaivota, dei-lhe de comer
acho que cresceu, mesmo sem saber.
Era uma gaivota, eu acreditei
mas agora ao longe, acho que não sei.
Era uma gaivota, não queria voar
dei-lhe uma ajuda, trepou pelo ar.
Era uma gaivota, onde estará?
No meu coração. (Não saíu de cá.)
.
Ensinei-os a voar
como sei.
Porque as asas que tinham
eram de pintassilgo
e as minhas, bem as procurei...
Ficámos a meio de ave
a meio caminho do céu
voando só dentro do ninho
e cantando palavras simples
eles e eu.
.
Esta Coruja das Torres foi recolhida na berma de uma auto-estrada, tratámos dela até se recuperar e foi depois entregue à Quercus
Recordo, ainda (e quantos me escapam da memória) um ninho com quatro verdilhões (na altura sabia lá eu que aves eram, de tão pequenas e sem penas...) que caiu no chão depois de cortada a árvore onde estavam. Criei-os, ensinei-os a alimentarem-se sozinhos, evitei contactos excessivos e soltei-os depois... foi lindo vê-los voar para longe... Missão cumprida. Mais uma.
(Tudo isto é sempre acompanhado por muita leitura e aprendizagem pessoal, a maioria através da internet, embora me vá rodeando de livros sobre os mais variados temas que me aguçam a curiosidade enquanto vou "crescendo". Não é fácil, ao contrário dos pardais, fazer sobreviver certas espécies de fringilídeos - pintassilgos, verdilhões... - que caem dos ninhos muito cedo. A taxa de insucesso para o leigo que não se informa é enorme... é preciso aprender a fazê-lo e fazê-lo correctamente! Uma dica para os interessados. Embora granívoros em adultos, algumas destas espécies são alimentadas pelos progenitores com uma dieta muito rica em proteína que inclui também insectos... logo, para os criar é preciso reproduzir artificialmente ou naturalmente esse tipo de dieta mais próxima das aves insectívoras. Cheguei a aproveitar aquelas minhocas brancas das laranjas! E fazia papas misturando alimento para pássaros insectívoros. Taxa de sucesso de criação? 100%. Basta estar disposto a estudar e a aprender. Coisa que gosto muito de fazer. Talvez por isso...)
Fosse a educação dos Homens tão simples como o exemplo da Natureza é...
6 comentários:
Pois... Esta é a história da nossa vida. Lembro-me bem dele e das aventuras dos nossos canarinhos, e da "zebra" (cabra)da vizinha Júlia em casa da Avó, e das galinhas e dos coelhos... Começou a desenhar-se na infância esta influência que desaguou no Amor pelos animais. Ainda bem que assim foi!
Lembrei-me da "História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar"...
Adorei esta entrada... Deve ter sido/ser um desafio e pêras conviver com tantos animais aí por perto... desde aranhas a corujas ;) A aposto que sempre com a mente aberta para aprender qualquer coisa com cada um deles!
É exactamente esse o espírito: aprender com eles. E tenho aprendido com todos, tal como dizes. Quanto ao livro... um dos meus preferidos. Será que tive inveja do gatinho? Não. Curiosamente, vim a ler essa história pela primeira vez já depois de ter vivido a minha história com a Maria... Provavelmente é tudo verdade no livro do Spúlveda (o gatinho eu sei que existia e era o dele e dos filhos. Num outro livro dele é contada a sua morte numa crónica muito comovente). Quem acreditaria na minha história sem as fotos?
Que delícia de história :)
Desde a Ilha de Santa Catarina, Brasil, li e me encantei. Agradeço pela oportunidade. Um abraço
Justina... muito obrigada pelo carinho das palavras! Estamos do mesmo lado procurando construir um mundo melhor... só aparentemente longe uma da outra... :)
Abraço grande
Enviar um comentário