quarta-feira, abril 19, 2006

O que mudou realmente?

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A reorganização curricular propôs uma nova forma de olhar para as aprendizagens... Às vezes pergunto-me se alguma coisa terá mudado. Se é lícito acharmos que o que hoje corre mal decorre mesmo das reformas, reorganizações, experiências educativas sucessivas, (do famoso eduquês), sem avaliação das formas de implementação. Talvez não. Perdoem-me não poder juntar dados precisos que justifiquem ou fundamentem o que sinto, mas, realmente, parece-me que o que corre mal decorre do facto de serem tantas as propostas de mudança por cada cor que nos governa que já deixámos sequer de lhes prestar atenção e, pelo seguro, vamos perpetuando as formas de trabalhar de sempre, sem mudar uma linha. Falo, naturalmente, de um modo geral. Mas é o geral que produz estatísticas e não a excepção do particular.
E não apontem já o dedo ao professor, como se, mais uma vez, ele fosse culpado de não conseguir mudar. Não ter sequer vontade de o fazer. Contam-se as infinitas vezes em que mudei instrumentos, fichas, materiais, os adaptei a novos objectivos, novos conteúdos, competências... Que comprei o livro "da moda", reuni documentos, fui ouvir este ou aquele falar, fiz fotocópias, fiz formação a ver se me entendia com a mudança. Que li despachos, interpretei leis, mudei regras. Depois veio a net. Lá dei comigo a "visitar" os países da frente, a tentar perceber e aprender o que se fazia, como se fazia. O que podia eu acrescentar para melhorar a minha função. (Confesso que por páginas de alguns Ministérios de Educação de outros recantos do planeta, tenho encontrado mais ajuda que no meu). Imprimo materiais, ideias, actividades. Tenho dossiers e dossiers espalhados pela casa, que não deito fora, porque nunca se sabe a reforma seguinte, prateleiras cheias de livros, a cabeça sempre em mal contida ansiedade... Estarei a fazer bem? Estarei a fazer mal? Ai que não consigo cumprir o programa! Ai que tenho é que desenvolver neles competências para resolver problemas!...
O quê? - dizem-me vocês - Que tem mesmo de ser assim? Que tudo muda assim mesmo, todos os dias? Que essa instabilidade é boa para a educação e para os alunos? Que é o sinal dos tempos?

Os projectos educativos com mais sucesso têm-se apoiado em reformas seguras que se foram prolongando com ajustes mas sem convulsões, a partir de uma ideia muito precisa do que se desejava lá ao fundo do túnel do futuro. Não se construiram sem desígnio, remendo ali, retalho acolá, esclarecimento por um lado, por outro correcção, agora sim, agora já não... Congela agora, agora descongela. Ficas nesta escola. Oh não, no terceiro período vais para outra. Pára aqui. Avança. Não, pára outra vez...

Talvez seja isso que nos falte. Uma visão estratégica. Um alvo/futuro ambicionado. Alguma formação sobre prospectiva estratégica. Um sonho comum com sentido, que nos una em torno de uma missão possível. Condições criadas para lhe dar corpo.

Enquanto isso, vamos fingindo que mudamos, mas realmente vamos conseguindo resistir e deixar tudo na mesma. Não por falta de desejo de mudar, ou por falta de vontade de sermos algo mais. Acredito que queremos e podemos ser melhores. Mas como não sabemos, quando estamos a caminhar para norte, se não nos vão fazer recuar para sul muito antes da viagem chegar a meio, pelo sim pelo não, mantemo-nos no centro que é para estarmos mais perto de caminhar para qualquer lado e, frequentemente, ficamos parados a marchar sem sair do mesmo lugar, quantas vezes com um número excessivo de turmas e alunos a nosso cargo, rodeados por papéis, muitos papéis. Esses sim, mudam e crescem exponencialmente por cada ano que passa. (Estamos precisados de um SIMPLEX - salvo seja - na educação. Muito urgentemente.)

Mas, por favor, chamem-lhe outra coisa qualquer...
(E pensem todos bem nesse alvo, com a nossa ajuda, antes de fazerem sair mais um despacho ou uma reforma... que é tudo encarado como se do mesmo se tratasse.)

Por favor não leiam uma única gota de desalento em nenhuma das palavras anteriores. É apenas um espanto infantil. Uma espécie de acordar da dormência. Um ver de dentro para fora cheio de que nos olhem sempre de fora para dentro sem saber o que realmente acontece dentro da cada um de nós, dentro das salas de aula. E, ainda por cima, passei a minha hora de direcção de turma a fotocopiar papéis, arrumar justificações, pôr em ordem o dossier onde já não cabe quase nada (onde vou guardar ali o período inteiro que falta para terminar o ano?) . Ao ver-me, uma colega disse: estás com um ar muito sério para quem começou agora... Ri-me e respondi que me apetecia de tudo, estar com os alunos, escrever um poema, criar algo novo para as aulas, ler um livro onde pudesse encontrar um bocadinho de resposta às minhas dúvidas... tudo menos estar ali a arrumar papéis...

Será possível ser professor sem "papéis"? É cá um sonhozito que eu tenho... uma escola onde apetecesse estar a todas as horas em gestos de criação verdadeiramente úteis... Uma escola que conseguisse realmente mudar alguma coisa "que se visse" depois.

(Hei-de persegui-la sem desistir... contem com isso. Baixar as armas não está na minha vocação de tecedeira.)

15 comentários:

Miguel Pinto disse...

Deixa-me provocar-te, Teresa. :)
As resmas de papelada distraem o professor ocupando-o com tarefas administrativas longe dos alunos, das conversas e dos “gestos de criação verdadeiramente úteis”. É preciso tempo para estar com os alunos e o espaço encontrado apareceu rotulado de “actividades de substituição”… Não sei se me fiz entender ;)

Teresa Martinho Marques disse...

Grande provocação Miguel :)!!! Mas eu falo dos meus alunos, dos projectos em curso com eles, bem mais sedutores do que arrumar justificações e fotocopiar planos de recuperação e acumular papelada num dossier... Mas entendo o teu ponto de "provocavista". Não quero dizer com as minhas palavras que deva passar mais horas com os alunos (meus ou outros), ou ter mais alunos (refiro a questão do excesso de alunos e turmas e do tempo cada vez menor que o professor tem para se actualizar ou produzir um trabalho mais qualificado). O que me aborrece é ter de fazer tarefas que qualquer um poderia fazer, e acabar sem paciência e sem tempo para os tais actos de formação pessoal, leitura, pesquisa, de criação de situações e materiais educativos inovadores, produção de recursos para os alunos, para a escola... sei lá! O que não é admissível é ocupar o tempo com alunos que não são os meus (sem querer... é claro que as actividades de enriquecimento curricular bem enquadradas e desejadas não fazem parte do "lote substituição" a que me estou a referir)ou com tarefas administrativas, que por terem aumentado de número, se estão a tornar um obstáculo ao verdadeiro trabalho do professor...
Eu percebi-te e tu percebeste-me (eu sei!)... mas foi muito bom criares a oportunidade para completar o raciocínio pondo cada macaquito no seu galho! Não vá estar aí alguém a ouvir e chegar à conclusão que temos de passar o dia inteiro na escola com alunos à volta. (Ah, é verdade, eu também disse que preferiria estar a escrever um poema... e mantenho-o. Até isso seria mais útil ao meu espírito, e consequentemente ao meu trabalho com alunos, do que trabalho administrativo para o qual não sinto a menor inclinação, confesso. Claro que enquanto estivesse a escrever poesia, não poderia dar aulas de substituição... mas num país de poetas, acho que ninguém me levaria a mal... ou levaria?)

IC disse...

Teresa, sabes que venho de corrida, por isso "pego" só nisto: "Tenho dossiers e dossiers espalhados pela casa". Eu, um dia, a tentar em desespero alguma arrumação, enchi-me de coragem e ...zás... tudo fora! Não me lembro bem da frase nem do autor, mas reformulo-a à minha maneira: o saber é o que fica depois de esquecermos tudo o que lemos. Pelo que conhecemos de ti, já tens tudo o que precisas na cabeça: o que queres para os teus alunos, o que é importante desenvolver neles. A papelada = burocracia imposta superiormente, essa não podes deitar fora, mas fica na escola; a legislação está na net. Que papelada precisas de guardar em casa além do que tens escrito na tua mente? Claro, não me refiro aos materiais para os alunos, a isso não chamo papelada, isso faz parte da nossa criação contínua. Que quem faz as sucessivas reformas se amanhe com elas, que nós ficamos com os alunos que nenhuma culpa têm delas.
(Isto de escrever a correr deve dar ideia de disparate, mas olha que não é, só está pouco explicado)

Teresa Martinho Marques disse...

Sabes que mais Isabel? Não é disparate nenhum, bem pelo contrário. Ultimamente tenho-me sentido um bocado (muito) sufocada pela falta de espaço e acumulação infernal de "papelada"... Já tenho o mote para o fim de semana: vou mesmo começar a deitar coisas fora... (Já viste o bem que nos fazes com essa experiência de vida?). Realmente tenho coisas guardadas para as quais nunca mais olhei... (não tenho casa com tamanho para esse delírio). Depois hei-de dar conta da missão e contar até onde consegui ir... Beijinhos

Herr Macintosh disse...

Tinha pensado não escrever nada sobre a entrada, não porque não concorde, mas devido a algum cansaço. Mas depois encontrei duas coisas do T.S. Elliot que penso que se aplicam à discussão sobre a papelada e aos nossos génios do eduquês.
A primeira é uma citação: "Where is all the knowledge we lost with information?" e cai muito bem no pano da papelada completamente inútil que inunda as nossas escolas.
A segunda é um poema, The Hollow Men (1925), o mesmo que é dito por Marlon Brando no fim do Apocalypse Now, e aplica-se que nem uma luva a algumas pessoas que ficarão por nomear:
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats' feet over broken glass
In our dry cellar

O poema pode ser encontrado aqui. Algumas citações do autor podem ser encontradas aqui, incluindo uma das minhas favoritas: "Nunca deixaremos de explorar, e a finalidade de todas as nossas explorações será regressar ao ponto de partida e conhecer o lugar pela primeira vez".

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada Mac... Precioso!

Miguel Pinto disse...

O Mac não tem blog? Conto com a Teresa para o convencer a associar-se… num pequeno espaço... e deixar-se levar pela brisa que corre num cantinho da blogosfera... ;)

Teresa Martinho Marques disse...

O Mac é outro filme... preparem-se para o que aí vem! (já devem ter percebido...) Ele está a preparar um servidor e uma comunidade educativa online... a partir da sua própria casa! Será a eDigital... terá site, espaço para blogs... enfim... Nessa altura iremos entrar um pouco mais no seu mundo (não me atrevo a levantar mais o pano... o que vêem aqui é uma ínfima parte). Digo apenas que apresentámos os projectos dos portáteis das nossas escolas com uma filosofia comum e referindo-nos mutuamente... é o tal sonho da teia alargada de recursos (e a minha saudade da escola e dos parceiros com quem trabalhei muitos anos em projectos loucos como os do Minerva e depois o Nónio, já com o Mac). Portanto... acho que o Herr Macintosh "é mais site" que blog (não julguem que não o tentei desafiar antes, mas ele manteve-se firme!) Aguardemos então pelo que há-de chegar... Avisarei com uma entrada na teia!

Herr Macintosh disse...

Miguel, para além do que a 3za já disse, devo acrescentar uma coisa: está em preparação um blog sobre a utilização das TIC no ensino (a Teresa é muito persistente...) e tenho uns alunos a trabalhar num outro especial sobre História (tenho de puxar a brasa à minha sardinha, salvo seja porque até não gosto do referido bicho).
O servidor já está on-line e está quase pronto a ser revelado mas vamos com calma.

Teresa Martinho Marques disse...

Humm... Desta vez consegui ser apanhada de surpresa!!! Para aranha, estou a sair-me muito bem como "melga" insistente (carraça... lapa... sei lá!).
Fico muito satisfeita com as notícias em primeira mão (já sabia do blog dos alunos... mas o outro é um exclusivo concedido aqui à teia!). Aguardarei com expectativa, porque sei bem "o que a casa gasta"! Valeu a pena a "melguice"...

Miguel Pinto disse...

Estou varado [barado como dizemos por aqui ;)] com a notícia das sardinhas, opssss, com a revelação do Mac, que trás consigo uma montanha de novidades. Agora num tom mais sério, acompanharei com muito interesse o vosso/nosso projecto… :) Parabéns pela persistência , Teresa.

Miguel Pinto disse...

Oppps…. Traz e não atrás … As férias foram pequenas :))

Herr Macintosh disse...

Espero que a realidade corresponda às expectativas que a 3za (boa pessoa até ao miolo como já devem ter reparado e optimista em último grau) levantou.

Teresa Martinho Marques disse...

:)

E disse...

O que é feito da minha aranhita preferida? A blogosfera não é a mesma sem novas teias mágicas :D Eu já estava dependente...
Bjs*****