Hoje vou fazer uma sopa.
Uma forma de me mimar, de ser mãe de mim.
Há no afecto um primeiro destino, sem o qual todos os outros falham.
Provavelmente farei mais qualquer coisa por mim hoje.
Ainda vou pensar o quê...
Ontem foi o dia da apresentação aos pais e professores do resultado do Projecto de Escrita Colaborativa (que se cumpriu com a cumplicidade amiga do poeta João Pedro Mésseder). Tudo registado em vídeo. Até as mais fortes emoções.
Umas horas antes, os últimos ensaios. O riso nervoso. As aflições de última hora. A importância de um carinho, de um estímulo, de abraços nas palavras de conforto. De repente três alunas abordam-me disfarçadamente com um CD... oh professora, é uma surpresa para a Sofia, soubemos que para o ano vai-se embora e sai da turma, é um powerpoint, mas tem de colocar aí sem ela ver para passar na festa e, oh professora, tem de pôr mais tempo nos slides, pode ser?
Como não? e depois! Ai meninas! O meu pc não tem leitor de CDs... Atrapalhação. Perguntei quem pode telefonar aos pais para eles virem buscar o CD e colocar o documento numa pen? Atropelaram-se discretamente e lá encontraram solução. Um pai veio de propósito à escola duas vezes para resolver o problema e serenar a ansiedade. Afecto. Sim.
À tarde tudo pronto na Biblioteca. Pais e avós a chegar. Irmãos, amigos. Já prontos para começar a Sara chora. Sara, o que foi? Oh professora a Mãe ainda não chegou, nem a Avó. Tem calma... espera-se mais um bocadinho. Olha! Já ali vêm! Sorriso lindo e consolado.
Depois a apresentação. Melhor que nunca. A assistência rindo-se, comovendo-se. Orgulho nos olhares. Câmaras de filmar, máquinas fotográficas. Uma professora emocionada com a intervenção de uma das alunas com mais dificuldades: uma das que melhor diz e se apresenta. Como cresceu, como foi vencendo os medos de abraço em abraço e brilha agora feliz entre os seus pares!
Palmas, muitas. Imensas. Intensas. Beijos. Porque foi realmente muito bom. Muito inesperado. Habituaram-se à qualidade, à exigência e os sorrisos provam que são felizes nelas. Provam que o afecto se faz de luta e dificuldade, de empenho e disciplina. Têm dez anos e aprenderam muito este ano. Muito mais do que só conteúdos, apenas porque ainda não desistimos da luz, numa escola que querem ver mecânica e apagada.
Pais contentes reconhecendo o trabalho dos professores. Elogiando. Afecto que estimula, em tempo de economia dele apontado aos professores. Bebemos com sede o que nos é dado. Já repararam que não trago fotos? Pois. Aguardarei quem as tirou. De volta deles não pensei sequer nisso. A presença era mais necessária, o encorajamento discreto, leves gestos de maestro aqui e ali para acentuar momentos que se queriam altos.
E depois a surpresa. A emoção à flor da pele enquanto abraçados assistiam ao slideshow para a Sofia. Tão bonitas as palavras e as fotos nele. Preparadas apenas pelos alunos sem a ajuda de ninguém. As competências desenvolvidas, aplicadas noutro contexto. A Escola a tentar cumprir-se (confesso que à custa de um conteúdo ou outro que terei de confessar não dado, nas próximas reuniões de Conselho de Turma).
E gritaram: Sofia, Sofia... lágrimas correndo. Aprendendo a dor das partidas, a felicidade dos encontros. Tudo tal e qual como a vida é. Sem disfarces. Sem recusar as tristezas, apreciando cada alegria.
Já nem sei se é a Vida, se é a Escola.
Porque para mim são uma.
E essa será a derradeira luta. Manter a unidade.
Deixar que o afecto continue a entranhar-se sem distinção, sem fronteiras.
Porque assim se cresce.
E com muitos materiais, muita tecnologia, muitos objectos, não garanto que os meus alunos aprendam matemática, mas com afecto e com tempo sei que é muito certo consegui-lo.
(Turmas a aumentar, tempo a desaparecer... não sei que futuro querem desenhar...).
Depois de comer a sopa logo à noite, prometo criar-me um tempo para a leitura. Para a contemplação. Para o nada que é tudo. O virtual mais antigo do mundo, escondido nas páginas que sempre nos fizeram viajar muito antes da internet...
É isso. Será isso que vou fazer por mim.
Oferecer-me um silêncio colorido.
"Um Amor Feliz" em mãos...
(Não posso fazê-lo esperar. Não quero fazê-lo esperar.
Provavelmente preciso dele. Desse alimento de palavras e gestos imaginados.)
Afecto(s). Sim.
O motor do mundo.
A rosa que se partilha.
Raíz dos sorrisos.
Recordação
Há 5 anos
12 comentários:
Mais uma vez me encantei com as suas palavras, Teresa.... :) e não teriamos escolas melhores se todos partilhassem o melhor que se tem cá dentro... este tipo de partilha entre todos, pais, avós, professores e alunos vai torná-los com toda a certeza melhores adultos e não é por ter ficado um conteúdo por dar que eles vão ficar prejudicados... Beijinho grande e nunca deixe de ser quem é e lutar por aquilo em que acredita :D***
linda!!! tu!
O vosso afecto é a melhor sopinha! :) Beijinhos!
Parabéns... Apetecia-me ser mosca e ter estado lá!
Beijinho
João
Sempre a deixar um rasto de luz...:)
Bom, depois do meu post, vim fazer-te uma visita e descobri que hoje tivemos dois temas comuns: o medo e os afectos.
Contudo, o que quero propor-te, embora no caso da tua teia nem seja preciso fazê-lo, é que dediquemos a semana de 25 a 31 ao "dizer bem":
Semana do dizer bem
Este foi mais um ano difícil para os professores. Não vale a pena sequer descrever toda a natureza das nossas frustrações, preocupações, desânimos, revoltas.
Contudo, muitos de nós, na blogosfera manifestam a resiliência, o optimismo, o bom humor essenciais a uma profissão que lida com a juventude.
Sem perdermos o nosso olhar crítico sobre o que se vai passando, e os primeiros exames aí estão para anunciar novos temas de debate, proponho a semana de
25 a 31 de Julho
para a semana do dizer bem: de um aluno, de um colega, de uma iniciativa...
Sempre há-de ter havido razões que nos fizeram sentir que, apesar de tudo, vale a pena.
OK. Se concordares, "passa" a ideia. Beijinhos. 'Tou aqui, 'tou cá outra vez...
Ciistina... que doce! :)
Idalina: já tinha respondido no terrear... e já tinha preparadinha a entrada para amanhã logo que vos descobri...
Adorei a ideia, claro!
Beijinhos
João, não me esqueci de ti! Pensei cá pra comigo, que bem terias estado a fazer a reportagem... ;)
bj
Hoje foi o último dia de aulas na escola onde tive oportunidade de exercer a minha actividade docente pela primeira vez... Em muito estas palavras me tocaram... Muitas lágrimas derramei hoje! Pensar que mais do que uma simples transmissora, pude participar na vida dos meus alunos como humana que sou!... Sinto-me nostalgica e feliz porque mais do que numa foto, num bilhetinho, numa canção...as boas e grandes aprendizagens e vivências desta profissão (de professores para alunos e de alunos para professores), se guardam sobretudo no campo das emoções... É bom sentir que apesar de tantas contrariedades que temos de enfrentar nesta ementa tão vasta que é a Educação, existem pessoas que pensam como vós... arriscar-me-ía a dizer como nós! Obrigada!...
PAZ
POdes dizer como nós Diana! Percebe-se pelas tuas palavras que foste tocada pela magia....portanto, nada afazer... é doença para a vida... olha eu aqui com mais de 20 anos disto e sempre deslumbrada! Muitos beijinhos e felicidades para esse teu/nosso caminho que nunca será fácil mas que vale cada segundo investido a sério nele. Obrigada pela visita, pelas palavras e muitos beijinhos
És Grande, Grande!
És Coração e alma e Corpo do tamanho do universo!
És Terra, Água, Fogo, Ar num inesgotável turbilhão de amor-paixão e energia!
És A Professora e O Ser Humano em tudo o que pensas e dizes e escreves a que te entregas e fazes!
És reveladora de uma inteligência, de uma atenção a tudo e todos que te rodeiam, de uma sensibilidade, doçura, encanto, de uns braços maiores que o mundo, que conseguem esticar mais e mais e abraçá-lo e ir sempre mais além!
És aquilo de que a escola e a vida devem ser feitas!
És A Vida, A Escola e Os Afectos, feitos bola imensa, maravilhosamente colorida, que rola, rola sem parar, em todas as direcções, ensina A Vida, com a Vida, espalha Afectos, Ganha Vidas!
Queria poder espalhar-te pelo Mundo, qual poção mágica, para que ele te conhecesse e se deixasse enfeitiçar para sempre. Sei que ele seria tão melhor.
Oh minha Querida Elis, obrigada! Tão bom escutar-te...
Imensidão de beijinhos
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