sexta-feira, maio 05, 2006

O sonho do Paulo...

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Às voltas com Projecto Educativo e Projecto Curricular de Escola (irei partilhando), o Currículo Nacional volta a estar no centro da minha atenção. E, com ele, o sonho do Paulo.

À distância recordo que "conversámos" sobre a reformulação de programas (preconizada no próprio documento ), a avaliação ao fim de 3 anos e revisão também prevista (reconhecíamos as potencialidades, mas desde cedo se falou da necessidade de corrigir erros) e quase me esqueço que acreditei que seria um processo com princípio, com meio e com...
Recordo um tempo em que havia um Director do Ensino Básico que respondia em directo, num fórum inovador, aos professores que colocavam as suas dúvidas, as suas reservas. Uma disponibilidade para ouvir, um sonho para cumprir com custos grandes, sacrifícios pessoais vários... tempo, saúde.
Tive esse privilégio, aqui sentada anonimamente, trocando ideias, palavras, com o Paulo e a sua equipa. (Bem mais tarde o privilégio de finalmente o conhecer).
O professor anónimo conseguiu, por efémero tempo, estar no centro do fazer acontecer. Foi-lhe permitido dizer. Falar.
Confesso que me entusiasmei, produzi ideias, defini convicções. Li muito, aprendi imenso. Caminhei com a certeza quase certa de que o caminho agora não seria interrompido sem, pelo menos, ter sido testado, avaliado... Também refilei, contestei, quis mudar o que achava que devia ser mudado, sugeri correcções.
Parecia que...

E depois o Paulo, numa daquelas voltas tristes e injustas da vida, teve, por força das cores em alternância, que se despedir do sonho (porque os sonhos não são bons ou maus, são às cores e alternam-se). E logo em seguida despedir-se de nós.
E eu achei que o sonho não podia morrer com ele. Porque um homem como o Paulo não morre nunca, nem a obra que deixa a quem fica e tem de continuar o seu trabalho.

Realmente o Currículo Nacional ficou (E o sonho?). Cada vez mais esquecido, mais perdido entre os mil papéis de que esta educação se tece. Eu sei que não era assim que devia ter sido. Que não era assim que ele queria que fosse. Fala-se do Currículo Nacional quando dá jeito, quando é preciso (vi uma referência com erro num dos documentos para orientação da elaboração de exames, proveniente do ME). Mas poucos já percebem o que ele podia representar se tudo se tivesse cumprido, sobretudo a correcção dos erros, a reformulação dos programas que nunca chegaram a acontecer (nem uma nem outra). Será que o sonho não esteve nem perto de ser concretizado na prática?

Não acabamos caminhos. Fazemos caminhos e caminhos dentro de outros caminhos e acabamos perdidos em labirintos por onde andamos às voltas para qualquer lado, porque quem não sabe exactamente para onde quer ir também não precisa de saber por onde ir (lembrei-me do gato e da Alice). Já falei disto antes. Repito-me porque não consigo compreender a razão.

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Não é saudosismo o que me move. Não pertenço aos que presos no passado (sempre melhor que o presente) acham que antes sim, é que era bom. Move-me apenas a apreensão de ver como a história se repete. Reformas nunca avaliadas que morrem sem se cumprir.

Reúno forças em nome da coragem e do exemplo do Paulo para mais esta tarefa que terei de cumprir nos próximos tempos. Hoje comovi-me ao reler as palavras que nos deixou na nota de apresentação. Depois de tanto tempo, já nem sabia se tinha sido memória sonhada, ou se realmente estava escrito tudo aquilo de que me lembrava...

Era real. O Paulo é real e o sonho que nos deixou também.
Acho que é preciso dar uma oportunidade ao que esse sonho tem de bom.

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Organização Curricular do Ensino Básico
Currículo Nacional do Ensino Básico -
Competências Essenciais
Índice

Nota de Apresentação


(...)
Trata-se de um instrumento essencial no processo de inovação que se iniciou em 1996 com a "reflexão participada sobre os currículos", passou pelo projecto da "gestão flexível do currículo" e tem na reorganização curricular consagrada no Decreto-Lei 6/2001 um elemento legislativo central. Com efeito, o processo pressupõe uma transformação gradual do tipo de orientações curriculares formuladas a nível nacional: de programas por disciplina e por ano de escolaridade, baseados em tópicos a ensinar e indicações metodológicas correspondentes, para competências a desenvolver e tipos de experiências a proporcionar por área disciplinar e por ciclo e considerando o ensino básico como um todo.
Por esta razão, o presente documento, enquadrando os programas escolares em vigor,
constitui também um guia à luz do qual se procederá a uma reformulação geral desses programas. Uma tal reformulação basear-se-á na reconsideração do papel que os programas desempenham no conjunto das orientações curriculares e implicara a consequente revisão tanto do seu conteúdo como do seu estilo e organização.
(...)
Por estas razões, o presente documento - sem prejuízo de constituir, a partir do ano lectivo de 2001/2002, uma referência central para o desenvolvimento do currículo a todos os níveis, no âmbito da entrada em vigor do Decreto-Lei 6/2001 - será revisto depois de um período inicial de vigência de três anos. Neste sentido, e sem prejuízo da discussão que o Departamento da Educação Básica procurará promover, todas as críticas e sugestões de melhoramento - da parte de professores, escolas, formadores, investigadores, instituições do ensino superior, associações profissionais, etc. - serão úteis como elementos a considerar no processo de revisão a concluir até ao fim do ano lectivo de 2003/2004.
No momento em que, pela primeira vez no nosso país, se publica um documento desta natureza, quero deixar aqui expresso o meu mais profundo agradecimento a todos aqueles que, de alguma forma, colaboraram na sua construção.

(sublinhados meus)

Paulo Abrantes
Director do Departamento da Educação Básica
2001/2002
http://www.abrantes.com/Paulo.htm
http://www.apm.pt/emce_pa/port/paulonova_p.html



...revisão a concluir até ao fim do ano lectivo de 2003/2004...

Pois.

5 comentários:

Teresa Pombo Pereira disse...

Ai Teresinha...tens tanta razão...tanta...vivemos num país com medo da Avaliação... que não percebe que ela é absolutamente necessária para tornar melhores as coisas que precisam de o ser... E mudam-se os tempos, fingem-se vontades... fazem-se coisas que não respeitam em nada o que estava em curso. Estou contigo! beijinho e bom fim de semana!

IC disse...

Teresa, sabes que estou de fim de semana em Marte (;)) ), mas vejo no mail comentários no meu cantinho e não resisti a vir aqui ver quem era esse "alguém" de cujo sonho dizias que falavas hoje, e ainda bem que vim, soube-me tão bem (eu tenho um post de homenagem algures em Julho, quando se completaram 2 anos de nos ter deixado).
Eu também o conheci, antes de ser director geral do Básico, foi meu professor numa cadeira de opção na FCL (formação de professores) quando por la´voltei a andar, e eu recordei agora o riso dele (um colega e amigo meu, então presidente da APH, e eu fizemos um trabalho, apresentámos durante 3 horas e introduzimos uma brincadeira - trocámos os papeis na defesa da linha da APH e da APM e vi neste momento como se fosse hoje as suas gargalhadas (e do João Pedro Ponte, embora, com este, eu tenha umas "embirraçõezinhas" ) - desculpem, só referi o caso porque vi mesmo neste momento o riso dele e fiquei comovida. (Humanamente, ele também era um encanto, como pudeste constatar)

Deixa-me comentar duas coisas.
1 - Penso que a educação matemática (expressão que ele usava e lhe era tão querida) tem, na sua essência, algo bem mais lato que a aprendizagem de conhecimentos/conteúdos matemáticos, as competências ditas matemáticas são, no aspecto mais importante, competências de pensamento lógico, competências portanto do saber pensar e com rigor, esse cerne não diz respeito apenas aos professores de Matemática - é um aspecto que acho que já uma vez referi e é pouco pensado, cada um está na capelinha da sua disciplina.

2- Há pouco tempo perdi do meu pc um documento extenso do Paulo Abrantes, não oficial, excelente ("A Matemática na Educação Básica) e fiquei escandalizada porque já não o encontrei na net onde estava (algures no site do ME) nem consegui encontrá-lo - agora é o único documento que guardo em papel em casa pois tinha-o imprimido para o dossier da escola. Paulo Abrantes já não serviu para o cargo quando mudou a cor política, como lembras, mas agora estão a querer apagar, eclipsar o que escreveu (claro que a APM por ex. guarda o seu trabalho, preserva-o portanto, mas há mentes mesquinhas e medíocres que nem distinguem, independentemente de revisões curriculares a fazer, os homens de reconhecido valor cujos legados não são para deitar para o lixo.

Teresa, mais uma vez... isto foi um abuso do teu espaço, eu tenho este defeito de escrever logo, por impulso... Obrigada por me fazeres ir deitar comovida.

Teresa Martinho Marques disse...

Pois é Teresita... sintonias... sintonias! Tudo interrompido, nada a fazer para melhorar. Estagnação. Como nos habituámos a isto! Obrigada pela visita. Bjs e Bom fim de semana.

Isabel, nunca será abuso. Eu enriqueço-me sempre com as tuas palavras e gostei muito das que deixaste aqui. É a teia que ganha vida e corpo com a tua presença. Eu li na altura as várias homenagens ao Paulo... tudo será pouco para lembrar o seu trabalho, a sua vida de dedicação à causa educativa. Sobretudo quando alguns pretendem escurecer este claro e forte contributo. Não hão-de conseguir.
E, tal como dizes, a sua mensagem é bem mas abrangente. Uso-a cruzando disciplinas, áreas, retendo dela o essencial: procuro desenvolver "competências de pensamento lógico, competências portanto do saber pensar e com rigor". É a essência do aprender a Viver com letra maiúscula. Principal missão da escola? (Deveria ser.)

Teresa Lobato disse...

Sou testemunha, embora longe no tempo, dessas tuas conversas. Descobri na net diálogos vossos, as tuas dúvidas, os teus anseios, que partilho contigo. Quando, há quatro anos, fui para a escola onde hoje estou, tínhamos grupos de trabalho organizados por ano, por disciplina, em interdisciplinaridade, e debatíamos questões, funcionalidades, sonhos, como tão bem dizes. Hoje, não temos nada! Temos papéis, temos reuniões chatas e burocráticas, e o único consolo são os nossos meninos, quando são. Sei que não partilhas totalmente da minha opinião, mas continua a achar que, por trás de qualquer reforma, seja da educação seja do que for, tem de haver uma força política - não partidária, forçosamente - que mobilize pessoas, meios e sonhos.
Que fizeram da Educação os governantes destes últimos quatro anos? Onde está a continuidade do trabalho iniciado por Paulo Abrantes? Temos de nos mobilizar, Teresa, como um todo, e fazer alguma coisa mais do que debater estas questões nestes nossos cantinhos. Sugestões? Um dia destes falamos.
Abraço

Teresa Martinho Marques disse...

"Sou testemunha, embora longe no tempo, dessas tuas conversas. Descobri na net diálogos vossos"
Não sabia! Afinal antes de nos conhecermos já me conhecias esta mania de questionar, de me inquietar, de aprender e avançar. TAmbém nós na escola vivemos momentos de trabalho intenso e participado. Foi um sonho que ele teve e nos agarrou.

"Sei que não partilhas totalmente da minha opinião, mas continua a achar que, por trás de qualquer reforma, seja da educação seja do que for, tem de haver uma força política - não partidária, forçosamente - que mobilize pessoas, meios e sonhos."
Teresa, o meu descrédito é mais com o partidário... o político está intrinsecamnete colado ao viver em sociedade e não me aflige haver um desígnio político que una cores em torno de uma meta comum, consensualmente aceite e abraçada com avidez.
"Temos de nos mobilizar, Teresa, como um todo, e fazer alguma coisa mais do que debater estas questões nestes nossos cantinhos. Sugestões? Um dia destes falamos."
Ai falamos, falamos. Estou à tua espera... Quando sabes se ficas por Azeitão? Gostaria que para o ano encontrássemos essas tais formas de activamente lutar para mudar. Concordo que só reflectir não é o bastante. Não chega. Ajuda, mas quero mais.