Tenho seguido atentamente o desenvolvimento (em comentário) do desafio lançado pelo Miguel no seu canto. Já nem falo da capacidade do Paulo e do umbigo dele (leitura indispensável) para nos manter acordados a nós e para tirar o sono a quem achava que podia dormir descansado com esta classe(?). Obrigada Paulo. Obrigada Miguel. (Já agora, obrigada ao Antero, que nem precisa de muitas palavras :).Obrigada a quem serve a causa inteligente - serviço público - de desmontar os desvarios e os absurdos desta administração.
Não me parece que o desafio deva ficar por lá perdido pelo passado, misturado com outras entradas, sem que a reflexão a que ele convida se prolongue. Porque é necessária e urgente. Opto por responder aqui, apenas para que mais alguns lá possam chegar e pensar no assunto.
Penso na escola como um todo. As naturais divisões hierárquicas não são impeditivo para a projecção de uma voz comum, desde que haja em cada escola sentimentos comuns (não distingo aqui órgãos - somos professores antes de sermos outras coisas). Se não existirem sentimentos comuns capazes de se expressar de forma organizada, então a impressão que a classe (?) dá é que alguns estão satisfeitos e outros não... daí às generalizações propagandistas vai só um passinho. E o facto da ME dizer que recolhe essas suas sensações no Conselho de Escolas vale o que vale. Parece-me até ser uma boa estratégia para acentuar uma divisão que não é desejável entre os professores e os seus órgãos de gestão e assim desviar as tensões para outras arenas. Neste momento já desconfio de tudo e peso as palavras pronunciadas procurando nelas as intenções escondidas, posto que a sua verdade é impossível de provar.
O que o Miguel propõe, tentei fazê-lo em vários contextos e apelar a que fosse feito em conjunto por todos. E neste todos incluo os vários órgãos. Recordo uma discussão/desabafo em Conselho Pedagógico que se prolongava para além dos limites do tolerável, sobre as visitas de estudo e a falta de condições para as realizar. O habitual queixume, as habituais explicações da presidente sobre novas regras, o problema das faltas, do plano de ocupação, de os professores terem de dar as aulas do fim do dia se chegassem a horas, mesmo que com a visita tivessem gasto bem mais tempo do que o das actividades lectivas... Pedi a palavra e perguntei por que continuávamos a fazer visitas de estudo e depois a queixar-nos. Sugeri que se deixasse escrito que nestas condições a escola teria de optar entre concentrar os seus esforços e pouco tempo nas actividades das aulas e sua preparação, ou dispersar-se, com sacrifícios que faziam com que os professores trabalhassem para além do tempo obrigatório, como parecia ser o caso com as visitas de estudo. Levei ao limite a proposta afirmando que seria importante as escolas deixarem claro que não tinham condições para realizar essas actividades de complemento/enriquecimento. Ainda acrescentei que se fosse ME, no ano seguinte acrescentaria mais umas horas à componente de trabalho dos professores nas escolas, pois, por mais que essa componente fosse sendo aumentada e os professores se queixassem pelos cantos, a verdade é que tentavam sempre manter o "estilo de vida" sacrificando tudo (tempo, fins-de-semana, família) para poder continuar a fazer as mesmas coisas de sempre, dando uma imagem para o exterior de que tudo era maravilhoso, que tudo estava óptimo. Confesso que para além desta intervenção, fiz e tenho feito outras (Conselho Pedagógico, Departamento, Conselho Curricular) que vão nesse sentido: de dar a conhecer as dificuldades que se acumulam e de tentar assumir as impossibilidades reais de continuar a cumprir o que nos é exigido e assumir que os extras, as flores deviam ser encerrados formalmente, enviando as escolas ao ME as razões desses gestos.
Disse-o de cada vez que chegava uma legislação que obrigava a mais relatórios ou preenchimento de papéis (cada legislação esquece as anteriores e funciona como se esse fosse o único relatório... quando, na verdade, lá para trás já ficou acumulada a obrigatoriedade de vários que se vão acrescentando), disse-o no ano passado quando vi o estatuto do aluno em proposta e perguntei, relativamente à construção das provas para os alunos que faltavam, quem as fazia, com que e em que tempos...
E não tenho sentido que consiga mobilizar ninguém a ponto de se construir essa voz comum. Paira algum receio do "deixar escrito em acta certas coisas". Não entendo. Apenas um destes dias, quando tentei, em desespero, acordar uns quantos dizendo que adoraria ser ME desta classe(?) de professores disposta a entregar-se ao sacrifício como cordeiros, num silêncio aterrador, fazendo tudo sem aprofundar nada, aceitando tudo sem reclamar para que não pensem que somos uns preguiçosos, consegui, já depois de sair da reunião (onde as palavras que mais ouço são coisas como: nem vale a pena tentar porque isto agora tem de ser assim e pronto e um dia pode ser que mude...) que uma colega que raramente fala me dissesse no corredor, depois de mais não sei o quê que nos tinha sido pedido e de se constatar a desumanidade de certos horários para levar a cabo com seriedade a nossa função, algo como: começo a concordar contigo...
E os porquês deste silêncio? Desta incapacidade de produzir uma voz comum?
Complexos de inferioridade? Medo de continuarmos a ser tomados por uma classe que nada faz, só reclama? Vergonha de sermos professores? Heterogeneidade de funções, distribuições de serviço, papéis, cargos, sei lá mais o quê?
Talvez... muita coisa junta. Sopa estranha. Nos corredores fala-se tanto... depois é apenas o silêncio. Escrever, assumir, fundamentar, argumentar... não fomos treinados para isso. Acabámos acreditando na imagem que projectaram sobre nós e estamos desejosos de apagá-la... até começamos a ficar satisfeitos com o novo papel de coitaditos e vítimas que estamos a ganhar na sociedade, por conta dos comentadores que foram acordando...
Pois eu não quero ser nem missionária, nem vítima (não confundam o meu carinho e respeito pelos miúdos, tudo o que vos conto, com questões de missão divina e tal... eles foram a razão para me tornar professora, são o meu destino principal na escola, por isso cada vez mais me desconcentro do resto para tentar não os prejudicar no essencial, embora saiba que podia estar a fazer melhor, se tivesse mais tempo para ler e estudar, como já tivemos, e para preparar melhores ambientes de aprendizagem... em suma evoluir, como sempre consegui fazer, antes de me obrigarem ao absurdo da permanência na escola para coisa alguma).
Temos uma profissão sensível, única nas suas implicações para o futuro, que tem de ser tratada com cuidado.
A exigência devia focar-se noutros sentidos, que não aqueles que as funções desconexas e em excesso agora atribuídas e as grelhas e demais absurdos indicam. É esse o erro. O que nos exigem não é nada que possa melhorar a qualidade do sucesso educativo em Portugal. Dispersa-nos, retira tempo ao estudo, a uma prática reflexiva, à melhoria das situações de aprendizagem dos alunos, ao apoio que deveríamos poder dar aos que são nossos. A vida passa a correr, de tarefa em tarefa, colegas com 8 turmas, colegas que leccionam todos os níveis de matemática no 3º ciclo, quem, como eu, tenha 4 níveis, sem contar com as demais tarefas e projectos.
Só que, e não vale a pena negá-lo, nem escondê-lo, também há realmente os que leccionam apenas, por exemplo, 5ºs de uma certa disciplina, com horário arrumadito e "dia livre" estratégico. Voz comum? Não é fácil, realmente, mas sem isso podemos estar certos de que as coisas só piorarão.
Ou isso, ou um milagre de Fátima... ora... talvez, afinal de contas, a nossa classe(?) seja optimistica e descontroladamente devota e essa seja a principal razão da disposição para o silencioso sacrifício.
Em síntese. Como sei que trabalho muito, sempre trabalhei e o que digo não é sinal de preguiça (esses complexos não tenho) continuarei a lutar para que se consiga o que o Miguel sugere. Porque vale a pena. Esse seria o caminho. Provar, por A+B que assim como está é impossível, não faz sentido, e terá graves implicações no futuro...
Eu cá assumo. Já sou capaz de ir para uma reunião e levar fichas ou trabalhos para corrigir. Se ela durar 3 horas e tal (das 17 às 20:30) para discutir o regimento de um laboratório (como já aconteceu) eu cá já não me inibo de fingir que presto atenção e ir adiantando trabalho. Nunca o fiz na vida, agora já nem vergonha de o confessar tenho...
(É que os meus meninos gostam de receber o feed-back do trabalho rapidamente e como educadora sei bem a importância disso: as minhas fichas não servem para carimbar, servem para reflectir, identificar dificuldades lado a lado com os alunos e reformular caminhos... avaliação formativa, estão a ver? E isso é bem mais importante que todas as reuniões do mundo... sobretudo quando as reuniões, para as quais temos dois tempos semanais da componente não lectiva, já ultrapassaram, só no ano passado, os tempos para pelo menos mais 4 ou 5 anos lectivos... Parece anedota, mas não é. É a crua realidade.)
Não seria bom acordar?
Alôôôô!!!!????
Votos de Boas Festas
Há 5 anos
4 comentários:
Beemm... o que eu vou fazer, já a seguir, é imprimir o teu texto. Preciso de apanhar ar... o comentário fica para mais tarde :)
PS: Começo a não acreditar nas coincidências... é que acabei agora mesmo um "textinho" para o CE que apanha uma ponta desta teia (depois perceberás ;)
... :)
Ar é uma coisa que me está a fazer falta... mas por razões várias, não poderei respirar muito agora.
Aguardarei...
Agora que me sinto mais oxigenado, se tivesse o teu engenho escreveria exactamente assim :) Partilho tudo o que disseste e apanho uma ponta focalizada na acção: seleccionar o que importa verdadeiramente no conjunto de tarefas que nos são distribuídas durante a semana e procurar aproveitar esse tempo para preparar outras actividades,…, corrigindo trabalhos, etc. Seria um dois em um. É profiláctico, sem dúvida… ;)
Aqui entre nós que ninguém nos ouve... tento desesperadamente fazê-lo sempre que é possível. MAs nem sempre é possível... infelizmente...
O nosso bem mais precioso é o tempo e andam a obrigar-nos a queimá-lo sem sentido. É das coisas que mais me indignam. Fingir que se faz muito quando, afinal, espremido é coisa alguma.
Enfim...
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