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Estes meus finais de semana são tão alucinantes, que o tempo é pouco para pôr trabalho, papéis, cabeça em ordem... (Não estranhem o que se segue.)
E no "despachar" dos dias, por entre a alegria recolhida no trabalho com os alunos, vêm-me à mente pequenas tristezas que se insinuam sem mágoa, apenas por causa do conflito interior entre o devaneio da urgência de redesenhar a escola que temos e a cinzenta realidade de ter de interromper algo de bom, útil e rico que está a acontecer numa aula para me despedir com um sumário a correr, um até à próxima aula... perdendo-se algo dessa magia no caminho entre as duas únicas aulas de que disponho semanalmente para a matemática, em cada turma.
Se tenho solução? Ainda não. Ainda não. Mas tenho um sonho que não consigo ainda saber qual é. Tento desesperadamente aproveitar o pouco tempo que me dão para pôr em prática apenas pedacinhos do que não sei que ele possa ter. Eu sei que são aulas a mais, tempos a mais para as crianças na escola (embora muitos pais gostem, ou a sociedade os obrigue a gostar)... não estou aqui a dizer que deveria haver mais disto igual, mais disto que entristece o devaneio... mas queria mais tempo de magia com menos minutos de tempo de relógio. Coisa que não há mas devia haver?
Ai que nem sei o que sonhar, se nem sei ainda bem como é o sonho que não é.
Saudade do que não sei que pode ser que seja um dia.
Só o Manuel António Pina me entende. Ah como ele me entende!
(Bem me podem chamar louca, a ver se eu me importo! Ele sabe que eu não estou louca. Não estou.)
Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia...
Livro: O pássaro da cabeça
Poema: Coisas que não há que há
Poeta: Manuel António Pina
Fã: eu
Aranhas a querer tecer futuros: nós aqui?
17 comentários:
Esta tua entrada foi um duplo prazer: a beleza do poema e a evocação do António Variações.
“Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
A vontade de partir
P’ra outro lugar
Vou continuar a procurar
O meu mundo o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir aonde eu não vou
Porque eu só estou bem aonde eu não estou
Porque eu só quero ir aonde eu não vou
Porque eu só estou bem aonde eu não estou”
Obrigada pelas palavras e por juntares o António ao Manuel.
Saudades do António... Outro que também não era louco.
Ou talvez o sejamos todos e isso seja a melhor condição para ver melhor... ver mais além... ver o que não há que pode haver, querer ir onde não se vai e só se estar bem onde não se estiver (assim se fazem os melhores caminho para os lugares que importam?).
Há aulas que vale uma vida... de professor... Há aulas que fazem esquecer o que aconteceu entre essa e outras aulas... Há aulas que são o ópio do professor... Há aulas... Ele há vidas que são aulas...
Na verdade... ele há aulas que são doces...
E o que seria de mim se não gostasse de doces?... Provavelmente so queria ir onde não vou... só estaria bem onde não estou...
Porque será que não gosto de doces?
Talvez por isso existam os momentos entre as aulas....
Boa!...
Calma!... Eu gosto das aulas!... E dos momentos entre as aulas...
Gosto do António! Na verdade, ela falava do que lhe apetecia!... Que é como quem diz,... dos lugares que importam...
"Saudade do que não sei que pode ser que seja um dia"...
Já agora, que lembraram António Variações, virá a despropósito (?)
"....
amanhã
espero sempre um amanhã
..."
Também eu, querida TT, também eu, queria poder reinventar a escola e criar uma sem tempo contado, uma escola de vida, para a vida, com vida, com a magia que só a vida pode ter, uma escola com alma, sem papéis e reuniões e mais papéis e reuniões, que acaba por não ter tempo para o tempo que devia haver, que nós devíamos ter sem limites: o de dar e receber sem hora marcada. Assusta-me sentir que, com os diversos e sucessivos "tratamentos" que temos vindo a levar, cada vez mais de nós estejam a perder o que os devia mover, o prazer de ensinar. Estão a transformar-nos em quase só autómatos e nós, já máquinas quase perfeitas, estamos a deixar. Assusta-me, preocupa-me, faz-me sofrer, mais ainda, sentir, saber que os miúdos é que ficam a perder, cada vez mais. Teremos um dia, não muito longínquo, a verdadeira "escola do futuro", anunciada por tantos? Uma educação que se faz decreto só, em que os professores são susbtituídos por legisladores, por "programadores de currículos escolares" e por monitores de computador por analistas de resultados, ... E está feita a educação??!!!???!!!
Não fossem sonhos como o teu e o do Manuel António Pina e eu já teria pensado que os us já nem tinham razão de existir.
Obg, amiga!
Obrigada eu Elis... porque tu (e tantos) engrossam as fileiras da esperança. Haja energia para ir sonhando... mesmo depois de anúncios de que o pior talvez ainda esteja por vir...
Ler o teu blog é como ir a uma fonte de rejuvenescimento. Aliás fico tão de cara à banda que emudeço. Confesso que na exaustão em que me tenho vindo a afundar, na necessidade premente de sobreviver sem feridas mortais a cada dia que passa, eu até esqueço que existe essa coisa que se chama sonho. Obrigado por mo (re)lembrares!
Obrigada eu pelas tuas palavras Rui, pela presença constante (os silêncios fazem-nos falta para sobreviver aos dias, compreendo-te bem)... eu sei que vocês andam por aqui...não precisam de falar (aliás é bom ser porto de abrigo, convite ao repouso silencioso)andam vocês por aqui e os sonhos, tudo misturado!
Agarra o sonho que te souber melhor e deixa-te ir, em silêncio, até ao local onde nada nos fere. Às vezes isso traz-nos a energia que baste para mais um dia... mais uma batalha...
Podem tirar-nos tudo por fora... a capacidade de sonhar fica sempre dentro de nós... Força!
O poema é lindo... Há mesmo dias em que sentimos essa falta - a de não existir o que não há. Hoje foi um deles. Foi um dia em que senti que o facto de não existir o que acho que nnca pode vir a existir me desanimou um pouco... Mas o facto de ver isso transposto de uma forma tão simples e bonita para este poema do Manuel, imerso nas tuas palavras, parece que torna as coisas mais fáceis... Também podemos amar o impossível, não é? É como dizias agora neste último comentário... nunca nos podem tirar a capacidade de sonhar... mas lá que tantas vezes tornam esse sonho difícil "só para chatear", isso também é verdade...!
Tá um bocado confuso este comentário... mais ou menos como a minha cabeça... vou ler o poema outra vez, e depois tenho a certeza que fico mais feliz.
Um bjnho, 3za.
Não achei nada confuso... Percebo perfeitamente o que dizes. E se ficares só um bocadinho mais feliz com um poema... é um sinal de que a poesia, como os sonhos, embora dotados daquela qualidade de coisa sem existência real, são essenciais à vida e à felicidade. Um grande beijinho.
Levei-te emprestado este poema lá para o meu vendaval... hoje tá mesmo um bocadinho de ventaval, lá... ;)
Bjnho grande e Obrigada.
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