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Ahhhs? Só os que vêm do fundo da alma!
E ali estava eu, sentada com um grupinho de quatro, na última aula de Matemática antes do Natal, tentando explicar as regras e objectivos de um jogo difícil sobre fracções. A actividade em causa foi retirada da página do NCTM-Illuminations (Nacional Council of Teachers of Mathematics - http://www.nctm.org/) e pode ser realizada com o auxílio de um computador através da Internet, ou através de um applet que se transporta para um PC (neste caso, só com prévia aquisição do Standards, que vem munido de um CD onde se podem encontrar, entre várias coisas, as actividades disponibilizadas na página da Internet).
Consultar http://illuminations.nctm.org/ActivityDetail.aspx?ID=18 e
http://standards.nctm.org/document/eexamples/chap5/5.1/ .
A actividade pode, também, ser recriada através de reprodução do tabuleiro em papel (impressão e ampliação a partir da imagem no computador) e construção das cartas com fracções, para uso em pequeno grupo ou para exploração na turma.
Ali estava eu, desdobrando-me em esforços de ilustração e exemplos, porque sei que o jogo não é acessível, sobretudo a alunos que começaram há pouco a trabalhar neste universo e que ainda não abordaram a adição e subtracção de números representados sob a forma de fracção. Mas porque também sei o valor do desafio nas aulas (a que os venho habituando), o valor de colocar obstáculos adequados que, à medida que vão sendo ultrapassados, levem os alunos a interiorizar melhor o conhecimento novo, não hesito em o utilizar antes de terem todos os requisitos (aparentemente) necessários para tal. Surpreendo-me sempre quando espero mais, quando exijo mais. É um jogo que vai crescendo com eles. A apropriação não é imediata e nem todos os alunos chegam ao mesmo lugar ao mesmo tempo... mas a diferenciação não pode ser apenas para a superação das dificuldades, tem de ser igualmente orientada para o desenvolvimento, portanto, continuarei nesta via.
Ali estava eu, dizia, com o tal grupinho (perco-me no labirinto das palavras... nem pareço uma professora de Matemática) na abordagem inicial desta actividade. Terminada a primeira fase de explicação entusiasta, com mais uns exemplos que me pareceram óbvios (o óbvio devia ser uma palavra interdita), a Margarida soltou um Ahhh de quem diz contente: Já percebi!
Olhei-a nos olhos. Escutei o silêncio dos outros e, numa fracção de segundo, entre o final da expiração do Ahhh e o meu olhar, a Margarida corrigiu: Oh professora, nem sei por que é que disse Ahhh... eu ainda não percebi o jogo! (Pensei, mas não disse: eu sei porquê, Margarida, às vezes o meu entusiasmo é também muito grande. Acho que, mesmo conhecendo-me bem, receaste desapontar-me com a verdade que passo a vida a exigir-vos.) Rimos todos com gosto, não pude deixar de dizer que gostava muito deles, que aqueles momentos eram preciosos. Questionei os outros três, sabendo de antemão qual era a resposta e lá continuei a explicação por outro caminho, manipulando um tabuleiro auxiliar de fracções equivalentes em madeira, ouvindo as perguntas, respondendo às dúvidas.
O Ahhh!!! da Margarida que se seguiu a esta segunda tentativa vinha cheio dos pontos de exclamação que faltavam no primeiro. Eu já não precisava de mais nada mas, mesmo assim, ela sentiu necessidade de confirmar que aquele sim, era um Ahhh!!! como os Ahhhs devem ser. (Oh professora, agora é mesmo verdade! É um Ahhh!!! a sério. Já percebi!). Os outros estavam quase lá, mas basta um aluno entender para os deixar e passar a outro grupo... Entre eles a linguagem simplifica-se e, quando regresso, todos estão a jogar correctamente compreendendo as escolhas, tomando decisões em conjunto.
Moral da história?
Acredito que os meus alunos já aprenderam a importante lição que abre a primeira porta do compreender:
Ahhhs? Só mesmo os que vêm do fundo da alma, cheios de pontos de exclamação!!! (É fundamental perceber que ainda não se percebeu... e dar som e forma à dúvida.)TMMTexto publicado no Correio da Educação, CRIAP ASA, nº246, 23 de Janeiro 2006.
5 comentários:
Sim... esses AHs cheios de vida e entusiasmo...
Mutas vezes, o mais difícil é levá-los a querer chegar a esses AHs... a investir e a dar TUDO para lá chegar.
Muitas vezes talvez seja o medo da derrota que os leve a não querer dar o melhor de si mesmos. Tenho pensado muito nisso de há alguns tempos para cá. Na verdade, se não dermos o nosso máximo, podemos pensar que não conseguimos porque não tentámos tudo... mas se o dermos e não conseguirmos, aí a desilusão é maior... Será por isto que tantos alunos não conseguem entregar-se por completo à escola? Por medo de não conseguirem?...
Só prova a pessoa sensível e inteligente que és... John Holt fala precisamente disso no seu livro. É curioso! Ele está de acordo contigo e eu também. As crianças lidam mal (como qualquer ser humano) com a frustração. Preferem que um professor acredite que eles têm muita capacidade mas que não têm bons resultados por não se esforçarem e não se empenharem. Ficará a eterna dúvida... e a criança pode ir acreditando que tem essas capacidades. MAs muitos não passam disso, pois têm medo de se pôr à prova. De descobrir que afinal não têm capacidade e que não conseguem. É uma das chamadas estratégias de evitamento que têm sido estudadas. Desde que comecei a ler Holt, tenho bastante cuidado com o meu discurso e com a forma como encaminho os alunos para que eles consigam deixar-se ir combatendo o medo. Não é fácil e não se consegue com todos, mas é possível. A chave está muitas vezes na valorização dos progressos e na criação de um ambiente de trabalho que não põe o aluno em evidência nas suas falhas, antes lhe permite (trabalho de pares e grupo)trabalhá-las de forma mais discreta até se sentir seguro. A sala de aula configurada com o prof ao centro e a criança a ser permanentemente questionada à frente de todos gera estratégias de evitamento que podem ter consequências desastrosas. Não sei se sempre foi asssim, se estas crianças de hoje são mais frágeis. Uma coisa sei: a maioria reage bem ao carinho genuíno, ao apoio directo e cúmplice, a uma mão no ombro. Não será assim com qualquer pessoa? Enfim... dá que pensar...
Não podia estar mais de acordo convosco. E, já agora, gostava de pegar no tema do "contacto físico". Utilizo muito essa "técnica" natural do toque no ombro, da festinha na cabeça. Nos primeiros anos, enquanto novata, fazia-o inconscientemente; depois passei a fezê-lo em consciência. O toque é a ligação, é o dizermos "está tudo bem", é a tal relação cúmplice e amiga.
Tive um aluno autista que, volta e meia, chamava "professora, anda cá" e a única coisa que ele queria era envolver-me a cabeça com os braços e tocar-me num sinal que tenho no queixo...
A minha filha mais nova, quando bebé, adormecia com o dedito no mesmo sinal. O meu aluno tinha 12 anos...
Hum... Obrigada pela tua resposta 3za!
Entretanto estou rendida.
Vou comprar o John Holt :)
Bjnhs
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