Retrato de Fernando Pessoa
feito por João Luiz Roth (Wikipédia)
(Alguns dos meus livros... comprados na adolescência... Feira do Livro em Lisboa..)
Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam-se de vidro as paredes da sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas acções - ridiculamente humanas às vezes - que ele quereria invisíveis, coa-as a lente da celebridade para espectaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se poder ser célebre à vontade.
Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de génio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu génio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.
E é por isso que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê-lo. Deixar-se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo-instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos. (...) 1915
Fernando Pessoa
O Rosto e as Máscaras
Ática
Textos escolhidos em verso e prosa
Antologia cronológica organizada e preparada por
David Mourão Ferreira
3 comentários:
Não fosse o laivo final de misoginia...
Mas perdoemos-lhe o deslize, que Pessoa era pessoa e há matéria que pensar quanto baste no resto do texto.
Tive o privilégio de ser aluna de David Mourão Ferreira. Tive, em tempos, uma primeira edição de «O Rosto e as Máscaras», que se perdeu numa espécie de antecipação do book-crossing.
Quanto não perde a escola portuguesa pela falta de aprofundamento cultural dos profissionais que têm nas mãos a educação. Quero eu dizer, como me apetecem tertúlias, leituras, descobertas.
Tanto mar para navegar…
Bfs
8-)
Como podia uma alma assim caber naquele corpo franzino? Só sendo múltiplo e uno ao mesmo tempo. Ajuda-me, pelo menos a mim, a perceber melhor a possibilidade de haver mais do que um num.
Coisas que estou a pensar. Estou a gostar de te reencontrar, Elsa. Um beijo. Carmo
Deixei de propósito a provocação... sabia que lhe perdoariam o "laivo"... (tem outros... espalhados por vários textos... mas pronto... :)
Tanto mar sim... e a falta que faz navegá-lo... ter tempo para o fazer... era tão urgente...
Beijo e bom fim-de-semana!
Enviar um comentário