"É uma questão de pudor, não sei falar do que escrevo: o que tenho a dizer sobre o assunto da minha poesia é a minha própria poesia". Manuel António Pina, Público 21-3-06
No Meio da Floresta
havia uma adivinha.
Quem a adivinhava voltava para casa,
quem não a adivinhava nunca mais vinha.
A Sara gostava muito da casa
mas ainda gostava mais de adivinhas.
Meteu-se pela Floresta sem nenhum receio
e só parou mesmo no Meio.
Vê se és capaz de adivinhar esta
- disse o Homem Mau Dono da Floresta
adivinha se vais voltar para casa ou se não,
se vais ficar aqui para sempre presa ao chão.
A Sara também gostava muito das árvores
mas não queria ficar ali para sempre a arborizar!
Antes queria ser menina e falar e andar
e ter as pernas soltas para saltar.
Se dissesse que ia voltar para casa
o Homem Mau dizia-lhe que não,
que ia ficar ali presa na Floresta,
e ela ficava mesmo, porque não tinha adivinhado a adivinha.
Vais-me prender - disse então a Sara - E o Homem Mau
ficou muito atrapalhado com a resposta.
Porque, se a prendesse, ela adivinhava e tinha que ir para casa,
mas, se fosse para casa, não tinha adivinhado e devia ficar presa.
A adivinha ainda podia ter solução,
mas a resposta da Sara é que não.
E o Homem Mau pensava no assunto com toda a força que tinha
a ver se adivinhava a solução da resposta à adivinha.
E tantos pensamentos o Homem Mau pensou,
encheu a cabeça com tantos pensamentos que chegou
uma altura em que já Lá não cabia mais nenhum,
e quando ele pensou em mais outro, a cabeça, pum!
(Quem diz que se pode pensar muito
e que os pensamentos não ocupam lugar
de certeza que nunca pensou muito no assunto
se não também acabava por rebentar...)
A Sara libertou todas as árvores e nós ficamos a saber
que uma maneira de ganhar é forçar
os homens maus donos das coisas a perder.
(Se calhar não é nada disto, mas também pode ser...)
Manuel António Pina
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