Sempre fui uma antecipadora.
Gosto de me preparar com cuidado, deitar mãos à obra com tempo, cumprir os deveres, adiar os prazeres (que depois sabem melhor, com o dever cumprido), deixar tudo pronto muito antes dos prazos. Vejo testes de uma aula para a outra, evito acumular trabalho, faço listas que cumpro com rigor, preparo materiais com muita antecedência. Com sacrifício pessoal, admito, mas sempre vivi assim e nunca me dei mal. Trabalho muito, ultimamente durmo pouco, mas durmo tranquila.
De há uns tempos para cá, em algumas matérias nas quais não consigo identificar seriedade, coerência e rigor, tornei-me uma procrastinadora convicta (ainda convivo mal com o facto, mas o instinto de defesa e sobrevivência falaram mais alto). Para salvaguarda do trabalho com os alunos, sempre prioritário, e o necessário estudo que me permite desenvolver os projectos com eles (relacionados com o mestrado - optei por algo relacionado com a prática pedagógica, que os tornasse meus parceiros de aventura), adio tudo o que posso adiar e se relacione com os absurdos que insistem em nos desviar as atenções e o tempo do que é verdadeiramente importante.
Começo a acreditar, até, que a procrastinação é uma boa ferramenta de combate, se devidamente combinada com uma voz activa e fundamentada de denúncia. Ferramenta a usar em conjunto por todos, claro, de forma assumida. E a ideia não é procrastinar escondendo a cabeça na areia. É não dar a imagem de que os treinos decorrem com tranquilidade e conforto, sem prejuízo das aulas, como se isso fosse verdade e o empenho silencioso no cumprimento dessas mil tarefas estranhas e paralelas não se relacionasse com o receio das consequências do incumprimento...
Seria bom assumir a procrastinação de forma consciente e continuar a desocultar os absurdos.
Porque quem está a gastar infinito tempo em reuniões regulares e tardias por conta de grelhas, fichas e indicadores está, de certeza, a descurar a sua função maior na escola. E, desculpem, a minha primeira lealdade é com os alunos, o meu mais importante compromisso é com os alunos, não é com devaneios políticos sem suporte na realidade, envoltos em pretensos critérios de excelência e rigor que colocam muitos avaliadores a procurar esclarecer-se e a aprender com os seus... avaliados.
Há que proteger os mais indefesos em todo este perverso sistema. Pelo menos os meus alunos e os pais deles reconhecem o meu esforço nesse sentido.
Procrastinemos, então, em tudo o que não lhes traga vantagem e até os prejudica. Eu cá procrastino, e vocês?
procrastinar
v. tr. v. int.
procrastinar
do Lat. procrastinare
v. tr.,
deixar para o dia de amanhã;
adiar;
protelar;
demorar;
espaçar;
deferir;
v. int.,
usar de delongas
Priberam
Texto Ed. Dicionário online
Recordação
Há 5 anos
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