A Isabela autorizou...
Há suspiros que devem ser levados longe...
Porque são as interrogações que habitam insistentemente quem ainda se preocupa...
(Inundam-nos com leis que são supostamente respostas, mas que não respondem às nossas perguntas. Nem sei sequer a que perguntas respondem... apenas às que não nascem no centro da escola e de quem a conhece bem.)
Haverá quem escute o bater do coração de quem realmente ama e sabe quais são as perguntas importantes a fazer?
Os alunos não aprendem e a culpa é dos professores que não sabem ensinar??!!!
Esse foi o lema durante o meu estágio feito há mais de 20 anos!
Durante uma aula assistida, um aluno perguntou-me que horas eram, e aqui d’el-rei que o menino estava enfastiado! Para bem dos meus pecados ainda tinha 27 alunos interessados na aula, que me valeram para “abafar o incidente”!
Como “o professor é um actor”, fazia-se o pino, entoavam-se as palavras, passeava-se pela sala organizada em grupos de mesas, gesticulava-se, levavam-se resmas de imagens, bonecos, retroprojector, diapositivos… cada aluno era um mundo e o professor tinha que se desdobrar por 28 / 30 pequenos mundos por hora…
Não interessava muito o produto final, mas sim os processos, os percursos que cada aluno percorria durante o ano lectivo.
Trabalho de Projecto; trabalho em grupo; pedagogia Freinet; nada de autoridades; muita motivação; as aquisições não são obtidas pelo estudo de regras e leis, mas sim pela experiência; o fracasso inibe, destrói o ânimo e o entusiasmo… enfim tudo era motivador.
Cada Unidade de Trabalho começava sempre por “sensibilização dos alunos ao problema de…”
E os alunos ficavam sensibilizados.
Resultou? Sim resultou. Durante muitos anos este tipo de pedagogia resultou nas minhas aulas e nas dos meus colegas. Os alunos respondiam aos desafios, experimentavam, eram curiosos, interessados e aprendiam.
E agora? Como é agora?
Se na pedagogia Freinet tudo era centrado nos interesses das crianças, porque é que agora não resulta? Quais são afinal os interesses das crianças e dos adolescentes de hoje?
Passou quase um século, desde Freinet…
Agora os interesses mudam todos os dias. Mudam muito mais depressa do que antigamente. Mudam dois dias antes de se pôr em prática a melhor pedagogia, a melhor metodologia, as melhores estratégias…
Ah! O zapping! Agora está na moda o zapping!
Hoje gosta-se disto, amanhã gosta-se daquilo. Não presta, deita-se fora, troca-se, compra-se novo, desfaz-se, muda-se de emprego, de casa, de canal de TV, de marido, de mulher, de amigos… tudo ao alcance de um click!
Estamos na era do zapping, do imediatismo, do facilitismo, “do quero ter já e depois logo se vê”!
As novas tecnologias, os novos sistemas de comunicação, entram-nos pelos olhos, pelos ouvidos, pela nossa casa dentro, todos os dias e a toda a hora. E não é mau. Usamo-las. Já não dispensamos o nosso ipod, a Tv, o PC, o telemóvel, o pocket PC, o iphone, a PSP, a pendrive… e tantos outros gadgets que nos inundam o dia a dia.
E de repente, toca para a aula e entram-nos 20/30 alunos por uma porta que se sentam em frente de um quadro negro (ou verde), virados para uma criatura que os proíbe de utilizar os Mp3 e os telemóveis, e lhes pede que estejam sentados a conjugar os verbos, a fazer equações, a ouvir contar os descobrimentos…
E eles que já nascem com a cabeça levantada, que com menos de um ano de idade percorrem os corredores dos hipermercados em alcofas e cadeirinhas penduradas nos carrinhos de compras, a levar com outdoors, cartazes, luzes, sons …
Eles que desconhecem o que quer dizer “concentração”, porque já nascem com “concentração dispersa”, eles que conseguem estar atentos a 4 ou 5 coisas ao mesmo tempo, eles que já nascem hiperactivos, têm que permanecer sentados numa sala de aula a aprender matérias que não percebem bem “para quê?”
Para quê ler, se viajam mais e melhor através da Net?
Para quê memorizar aquela quantidade de nomes ou a tabuada, se pode estar ao alcance de um click? Para quê?
Hoje já não “disfarço” os conteúdos como antigamente fazia. Eles não gostam. Acham que é tratá-los como atrasados mentais. E têm razão. Para quê projectar “a caixinha” na aula de Matemática, que é construída em Ed. Tecnológica, é pintada na aula de Ed. Visual, é cantada em Ed. Musical, é escrita no Português, traduzida em Inglês e reciclada em Ciências Naturais?
Dar “a seco” os conteúdos, porque afinal assim eles “sabem” o que estão a aprender.
Também já há salas repletas de computadores, onde os alunos se atiram vorazmente a cada PC, surfando indiscriminadamente na Net ou utilizando o MSN e outros programas do género, onde costumam passar horas a conversar com os próprios vizinhos do lado…
Já não conversam muito entre eles. Falam teclês na Internet, por SMS…
Afinal o que é que querem?
Quais são os seus interesses?
Porque é que as famílias os depositam nas escolas onde sabem estarem seguros?
Porque é que ao mesmo tempo certos pais desvalorizam a escola?
Porque é que os alunos não aprendem?
O que é que afinal quereriam aprender? Ou deveriam aprender?
Porque estão cada vez mais agressivos, mais violentos?
Porque é que os pais não os educam?
Porque é que os profs têm que “tomar conta deles” mesmo depois das aulas?
Porque é que muitos têm famílias desestruturadas e por isso mesmo gostam cada vez mais da escola, do recreio da escola?
Porque é que os profs têm que competir com a televisão, os MP3, os computadores…. etc?
Porque é que já não conseguimos sensibilizá-los para nada?
Porque é que já não se encantam com um bom livro que a professora lhes mostrou? Uma imagem? Uma exposição? Um filme? Uma aula que levou horas a preparar?
Afinal temos que competir com os gadgets que eles trazem no bolso?!!
Afinal para que é que todos temos o telemóvel no bolso, se temos que o ter desligado?
E se o meu filho precisa de mim e telefona? E a minha mãe, que está doente e sozinha?
E porque é que não posso ouvir música ao mesmo tempo que o prof. fala, se lá em casa todos trabalham no PC, com a TV ligada, o CD a tocar, os miúdos a gritarem….?
A comunicação mudou.
A comunicação mudou?
As matérias são uma seca. A professora é uma seca. Diz o meu filho em casa.
Temos que pensar o que é que queremos. Não para amanhã, mas o que queremos para daqui a 10, 20 anos.
Temos que reflectir sobre muita coisa.
Temos que reformar muitas coisas.
Temos que nos actualizar.
Temos que aprender outras coisas.
Temos que ouvir os adolescentes de hoje.
Temos que ser ajudados.
Temos que nos entre ajudar.
Temos que nos equipar.
Temos que experimentar outras coisas.
Temos que “inventar” novas aulas, novas salas de aula.
Temos que nos adaptar aos novos alunos, às novas famílias, às novas profissões, aos audiovisuais, às novas formas de comunicação, até ao zapping!
Temos que aprender novas maneiras de ensinar.
Temos que aprender novas maneiras de aprender.
Mas, de repente, cai-nos um país em cima que diz que está tudo mal e que a culpa é nossa e por isso temos que ser castigados!
Também somos pais, que diabo!
Acabo de ver na Internet o tal vídeo da aluna aos gritos e puxões à professora, só porque esta lhe retirou o telemóvel enquanto decorria a aula. Uma turma inteira a faltar ao respeito a uma professora, que tenta desesperadamente desempenhar o seu papel, que com certeza já trabalha há muitos anos. Reparo agora que não é só este, mas centenas deste género de vídeos que mostram cenas em salas de aula onde se passa tudo, menos ouvir o professor! São escolas em Portugal, em Inglaterra, no Brasil e pelos 4 cantos do mundo. Mas afinal o que é que se está a passar?! De repente todos os professores perderam a autoridade na sala de aula?! E os valores? Ainda são os mesmos valores que perduram? Respeito é sempre respeito. Falta de respeito há 20 anos é a mesma falta de respeito hoje?
Aqui em Portugal, de há 3 anos para cá tem sido uma alegria com alguns políticos a denegrirem a imagem dos professores. Nos outros países não sei. Será que a culpa é dos telemóveis?
São verdadeiros génios os professores que conseguem manter a disciplina e o interesse dos alunos (uma turma inteira – 28 alunos) numa sala de aula durante um dia!
Perguntemos aos pais de hoje se conseguem manter os vossos filhos quietos sentados à mesma mesa a conversar? Quanto tempo dura o vosso jantar lá em casa? No meu tempo era a hora sagrada em que estávamos com os nossos pais a conversar à mesa.
São os vossos próprios filhos – devem conhecer-lhes os interesses, caramba! Quanto tempo conseguem estar à conversa com eles, ou a ensinar-lhes qualquer coisa? Nem que seja só as boas maneiras? Quanto tempo conseguem prender a atenção dos vossos filhos adolescentes?
É que eu já tenho dificuldade em fazer isso mesmo com os meus próprios filhos!
Então, percebam o que é que se pode conseguir sem equipamento nenhum. Só com uma sala cheia de mesas e cadeiras, um quadro negro de giz… e 28 pessoas diferentes.
Entretanto proliferam livros e documentários sobre pequenas crianças ditadoras e pais que pedem ajuda… O que é que se passa afinal?! Os pais estão a demitir-se e pede-se à escola que os substituam também?
São tantas as questões que gostava de ver debatidas, analisadas, reflectidas em conjunto com pais, professores, alunos, governantes…
Claro que queremos ser avaliados. Claro que temos sido avaliados. Há listas de graduação a nível nacional. Estágios, formação anual, antiguidade… más condições e péssimos salários, agora congelados…
Para quando as Reformas a sério?
Uma coisa eu tenho a certeza, não se conseguirá nada sem o envolvimento de todos.
Sou mãe de 3 filhos e professora há 28 anos. Nunca tive problemas de indisciplina nas minhas aulas, mas tem-me saído do pêlo e do tempo que tiro à minha própria família, dedicando-me à escola a tempo inteiro, mas até quando?
Os alunos que me aparecem nas aulas são cada vez mais problemáticos. O seu desinteresse, a falta de empenho e de trabalho crescem avassaladoramente. As forças vão-me faltando e os resultados são cada vez menos positivos. E não, não estou a falar dos resultados do aproveitamento, mas dos resultados das estratégias que utilizamos para ganhar o interesse dos alunos. Esses são para mim os mais importantes, porque os outros decorrem naturalmente dos primeiros.
São os programas, as matérias, os fracos recursos de que dispomos, a própria estrutura em que se sucedem as aulas, as vidas familiares turbulentas e desequilibradas, a grande disparidade entre a vida lá fora e o comportamento que se pretende numa sala de aula, que provocam este desinteresse nos alunos de hoje.
Mudar? Sim. Mas como? Para onde? De que maneira?
Pensar uma escola a longo prazo e no que queremos destes cidadãos daqui a 20 anos, parece-me ser o caminho mais certo. Não interessam reformas para hoje, nem para eleições. Não é só encher as escolas de computadores, se não se souber para que os queremos ou como usá-los.
A tecnologia avançou largamente estes últimos 20 anos. E a educação? A escola? É por decreto que se faz a escola do século XXI? São os professores os culpados por todo este estado de sítio?!
Isabela
Recordação
Há 5 anos
2 comentários:
Aqui está uma reflexão séria para variar do histerismo que anda por aí.
Muitas excelentes perguntas e uma excelente análise sobre o problema da concentração e da demissão dos pais. Eu que me considero um pai relativamente atento tive um trabalhão danado para explicar ao meu filho que era impossível estudar e ouvir música ao mesmo tempo. Levei uns meses até lho demonstrar, mas consegui, com autoridade quanto baste ... mas claro que admitir que os problemas são bem mais complexos do que parecem é mesmo impossível nesta nossa sociedade. Curiosamente os que querem resolver os problemas reais com receitas simples padecem exactamente do mal que pretende resolver ...
Pois... "se não fazemos parte da solução, fazemos parte do problema". Obrigada pelas palavras e pela partilha. Como dizia Goodlad, "eu permaneço optimista, talvez porque seja para mim uma contradição ser simultaneamente pessimista e educador". Não podemos abdicar, nem desistir da missão de formar e educar... embora seja necessário recriar as formas de o fazer nestes novos contextos...
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