segunda-feira, julho 03, 2006

O ciclo da vida

Diz-se que uma das grandes diferenças entre nós e os animais é o facto de nos interrogarmos... sobre a vida... sobre a morte. Os animais vivem o presente sem imaginar futuros, não receiam morrer, saboreiam cada dia sem a preocupação metafísica do fim.
Tenho aprendido com os meus animais algumas lições.
A primeira: aceitar com menos dor o ciclo da vida e da morte.

Uma vez li, não sei quem disse, que os animais que connosco partilham a casa nos revelam a uma escala de tempo mais reduzida (para que possamos ser disso testemunhas) o mistério da nossa própria vida. Sem drama eles envelhecem, desaparecem e o sofrimento vai sendo substituído pela melhor memória de vida que com eles partilhámos. E continuamos a viver. Porque é dever de quem está vivo.
O segredo? Reduzir o remorso, a culpa ao ínfimo possível. Se no tempo que duram fizermos quase tudo o que há para fazer, dissermos muitas palavras carinhosas, afagarmos os seus corpos todas as vezes possíveis, trocarmos brincadeiras, a perda não é tão dolorosa. Não sobra o terrível sentimento de "podia ter feito isto, dito aquilo... agora é tarde".

Já nem sei se estou a falar deles ou de nós... Tudo se mistura. Essa é a verdade. A lição aprendida.

Tudo a propósito de uma despedida.

A minha chinchila macho (João - à esquerda na foto desta entrada http://tempodeteia.blogspot.com/2006/04/pscoa-vii-maria-e-joo.html )

teve de ser eutanasiada hoje. Padecia de uma mal formação congénita nas raízes dos molares que lhe permitiu, com tratamento adequado (complemento de alimentação com seringa, anti-inflamatório e pesagem diariamente - o que fiz com carinho e paciência neste seu último ano de vida) viver com qualidade normal. Sabia que haveria um dia em que não recuperaria de uma crise mais forte. Em que deixaria de ser capaz de se alimentar sozinho... que o peso desceria gradualmente abaixo de limites aceitáveis. A semana que passou foi decisiva... percebi que não conseguia ajudá-lo a recuperar o peso, que desistia dia após dia cedendo ao desconforto. Estabeleci um limite que ontem foi atingido. Restava-me apenas ajudá-lo a partir antes que o sofrimento maior o encaminhasse lentamente para o fim. Pedi ajuda à veterinária. E sem dor partiu. Não são decisões fáceis. Mas o respeito e o carinho que tenho pela vida a isso obrigam. Repousa agora no jardim, o meu bichinho, e, sobretudo, na minha memória.

Partilho-o com a simplicidade possível. Com tristeza, compreenderão. Mas viveu feliz enquanto viveu. E partiu sem saber o que era a morte. Nós sim, é que sabemos.

E temos de aprender a viver com a sua presença entranhada na vida. Se isso nos ajudar a ser melhores, então a ideia de morte pode ser estranhamente útil. Estranhamente útil e necessária.



6 comentários:

Teresa Lobato disse...

Há coincidências, 3za. Sexta-feira passada o meu marido deu com uma gata, aparentemente atropelada, numa rua com pouco movimento pedonal. Não se mexia e estava em estado de choque, não deixando ninguém aproximar-se dela. Ele estava sem carro. Liga-me e eu vou buscá-lo para trazermos a bichinha. Nesses entretantos tinha descoberto um filhote, cerca de um mês, no meio de uma folhagem.
Conseguimos levar mãe e filha ao veterinário. A gata aparentava traumatismo cerebral e não estava nada bem. Também nós, o meu marido e eu, decidimos pela eutanásia. O filhote, ou melhor, a gatinha bebé está de quarentena cá em casa. Come sozinha e já usa o caixotinho de areia.
Agora tenho de arranjar alguém que a recolha, pois não posso ter mais gatos cá em casa.
Consigo imaginar o que sentes. Também já perdi uma cadelinha. Mas é mesmo como tu dizes: eles ensinam-nos coisas da vida e da morte. E são-nos fiéis como mais ninguém.

matilde disse...

A aprendizagem da vida faz-se pela própria vida, sabendo que dela faz parte um fim, como fez também parte um início. Não é para nós fácil aceitar isso, nomeadamente no que respertia aio fim, mas é sem dúvida por estes pequenos/grandes fins que vamos presenciando na vida que vamos aprendendo a lidar com essa inevitabilidade.
Sim, estou certa de quanto MAIS (não em quantidade mas em qualidade) vivermos, com serenidade e consciência desse fim, mais encaramos a morte com tranquilidade... com a traquilidade possível.
Um abraço Teresa

Anónimo disse...

Tens toda a razão...
Com a minha primeira cadelinha passei pelo mesmo... a segunda perdi-a no final de uma intervenção cirúrgica... assim se vai aprendendo.
Envia foto da tua menina adoptada. Vamos divulgar e encontraremos amigos para a recolher...
beijinhos

Anónimo disse...

Sim Matilde... a experiência da vida faz-nos aceitar com tranqulidade o que possa vir... Mas é preciso um longo caminho... que só se torna possível na interacção com os outros... pessoas claro, mas animais também... Beijinhos

Anónimo disse...

Filipinha, aprender a lidar com a morte não é fácil. Tu ainda és muito jovem. Não te culpes nunca! À medida que fores crescendo, verás que, não se tornando mais fácil, vais percebendo melhor e aprendendo a viver aproveitando tudo o que tens. Vais conseguir tomar decisões, aprender a lidar com as perdas e, sobretudo, perceber que temos mesmo de olhar a vida olhos nos olhos para depois ser mais fácil conviver com a morte, que faz sempre parte do caminho. Muitos beijinhos para ti e até dia 10!

Anónimo disse...

P.S: Li num livro que as chinchilas são muito fieis aos seus companheiros e que podem ter problemas quando tem de se separar...a Maria vai ficar bem sem a presença do João ? Fique um pouco preocupada.
Isso também me preocupa... por enquanto ela tem a cria... mas depois... nunca tive de lidar com essa situação e não sei como vai ser. Ela terá mesmo de ficar sozinha e veremos o que acontece... não se pode fazer nada.