É minha amiga há muitos anos...
Muitos.
Conhecemo-nos professoras-meninas numa escola difícil. Lá crescemos.
Tirámos a carta juntas. Aulas de código. Condução. Uma aventura.
Ela é uma despachada. Vai a todo o lado. Eu ainda estou a aprender.
Muitas turmas em conjunto. Muitos projectos em muitos anos.
Quando precisava de me ausentar para cantarolar por aí, era ela quem fazia companhia e dava mimo aos meus animais de estimação. Tricotámos juntas lãs e dias. A cumplicidade faz-se destas coisas simples. A amizade também.
Depois a vida levou-a para outros lados.
Eu por lá fiquei. E depois vim para Azeitão. Neste meu terceiro ano aqui voltámos a encontrar-nos. Pensamos, agora, por muito mais tempo. Talvez mesmo até ao fim... seja lá o que for o fim.
A Nena fundou e dirigiu na escola, durante muitos anos (toda uma vida) um grupo de dança de corte renascentista com alunos de idades variadas, dos mais pequeninos aos mais crescidos (numa escola básica integrada). Grupo que ficou conhecido e que percorreu muitas vezes o país em eventos variados. Ao deixar a escola onde passou grande parte dos últimos anos e continuou sempre a fazer crescer esse projecto, poderia dizer-se que, no actual contexto das coisas, já teria ganho juízo suficiente e arrumaria agora as linhas, as horas extra, a alucinante viagem que tem sido a sua vida. Mas não.
Olhamos muitas vezes uma para a outra, os quarenta feitos (longe vão os nossos vintes) e dizemos a rir uma para a outra: não mudaste nada. Continua essa energia maluca, esse desvario, esse sonho de chegar ao céu.
Pois a Nena não mudou.
Sete turmas de Educação Musical, Direcção de turma. Filha, sim. Casa para cuidar.
E, mais uma vez, começar do zero o seu grupo de dança numa escola nova.
Conseguir alunos. Ensaiar a desoras e em aulas de AP, no projecto de enriquecimento curricular que se estende muito para além das horas que não tem, convencer pais a alinhar na magia, ir comprar tecidos (os pais a pagar). Os alunos pesquisam, estudam a história do vestuário, desenham os fatos que querem para si. As jóias que os acompanharão. Ai Teresa, há uma aluna que insiste no verde com dourado, tipo mana má da Cinderela, e eu a querer o verde com branco cru e ela a dar-lhe com o dourado, mas são eles que têm de decidir e lá comprarei exactamente o que ela quer...
A Nena começa a costurá-los com um amor de fada que transforma qualquer gata borralheira em princesa. Qualquer patinho feio em príncipe.
Na Biblioteca está exposto o primeiro vestido. Vão seguir-se mais. Partilharei.
Porque já nem sei se estou a falar da Nena, ou da São com um horário cheio de turmas que recupera ainda de um cancro, faz tratamentos, tem dores e trabalha até às três da manhã no projecto dos portáteis, depois de termos tido uma sessão em que me pediu ajuda para trabalhar com o googlepages. Confessa-me rindo: é um desafio... eu só queria ver aquilo feito e depois não conseguia resolver lá uma coisa que tu me ensinaste. Tens de me mostrar outra vez... mas não conseguia parar e fui ficando. Filhos sim. Marido à espera. Uma coragem de leoa, um sorriso maternal, uma ternura que lhe sai de todo o corpo. Já não sei realmente se falo da Nena, da São ou desta entrega que continuo a ver à minha volta e me comove, me estimula, me dá força para enfrentar cada dificuldade de cabeça erguida. Não sei. Mas sei, já o disse muitas vezes. Hoje repito. Sinto um orgulho imenso em pertencer a uma classe de gente desta que não deixa morrer o sonho, por mais que seja pisada, destratada, ignorada. Nunca o direi com vergonha. Sou professora, sim. Sou p r o f e s s o r a!
Hoje, com a Nena, olhando para o vestido de princesa comentámos a rir: e se fizessemos uns vestidos lindos para nós e fossemos para a rua com eles?? Gargalhada, claro. E lá fomos oferecer a nossa alegria aos miúdos que nos apareceram pela frente nas aulas...
Ninguém nos mata nem um sonhozinho que seja!
(Estou a ler o livro "O Poder dos Sonhos" de Sepúlveda... um dia partilho... Tem tudo a ver... )
3 comentários:
Envio-vos um sorriso com lágrimas.
(desculpem ser anónimo!)
Não faz mal... a ternura, a cumplicidade não precisam de nomes... Quando falei ontem falei de muitos professores anónimos que não conheço ou, melhor, conheço bem... És, certamente, uma dessas pessoas...
A minha Sara anda a ler o mesmo livro. Também ela mo aconselhou. Valeu a pena ser mãe coruja a semear livros pela casa toda... E depois dizer: voa, filha, voa!
E ela voou e continua a saber escolher os seus livros e continua a querer partilhá-los com a mãe. Ainda bem. Está em lista de espera, O Poder dos Sonhos.
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