Vota-se cedo porque o dia é longo.
Aproveita-se a saída para deitar fora parte do lixo e reciclar o possível (metáforas antecipadas?)
Batem à porta. A doce Helena conseguiu-me as almejadas ginjas para tentar reproduzir o doce especial da minha Avó com receita de um livro que herdei dela (editado há cerca de 50 anos): Mestre Cozinheiro. Só que era suposto receber as ditas daqui a mais algum tempo, que o tempo agora mal dá para comer, quanto mais para fazer compota. Mas alguém não foi buscar as ginjas encomendadas à loja e assim lá vieram elas ter a minha casa para não morrerem sem dono.
Ai telefonar ao Pai e à Mãe cheia de secreta esperança: digam-me lá, que eu era pequenina e não me lembro, o doce da Avó Mila era com as ginjas inteiras, ou não havia sinal de caroço? A resposta que eu temia.
Ai descaroçá-las! (2 kg já sem o peso sólido da madeira redondinha dentro delas...)... Ai panela ao lume a tarde toda enquanto tentava (e consegui) escrever o Resumo da tese. Compota demorada como convém a um dia de eleições: espera longa e sofrida pelos resultados...
Pelo meio, arejar no jardim alguns minutos. Tesoura em riste, vontade imensa de podar e arrancar coisas sem nexo, desadequadas, feias, invasoras, tortuosas, más, daninhas. Secreta esperança de ver os desejos realizados noutros planos. Já nem sei. Andei por ali a cortar e a arrancar o quê? Soube bem divagar com a lâmina bem afiada.
Novamente a tese. O Pai do outro lado verifica a numeração dos anexos. Coisas para corrigir. Agarro-me a elas. Há sempre coisas para corrigir. Os votos ajudam à vontade de consertar a vida e o País. Corrige-se o que se pode com o possível... que o que se tem não é muito.
Depois dá a fome e doce de ginja já parece pouco. Uma sopa. Boa ideia. Assim muito cheia de cores variadas e massinhas em fundo espesso de grão, cenoura e cebola. As televisões normalmente já são espelho da minha sopa, hoje então ninguém as segura. Ferem a vista. Prevê-se ceia. Será que a sopa ainda arrefece antes de eu adormecer?
Aqui na família toda (e somos muitos) votava-se sempre da mesma maneira. Mas, sem confessarmos uns aos outros o que fizemos, sabemos exactamente que não colocámos a cruz onde sempre a desenhámos.
Todos gostávamos imenso das sopas da Mãe e somos peritos em reinventá-las. Há sempre novos sabores para experimentar se por acaso alguma coisa não for certa.
Sinais?
Não sei.
Muitos ausentes. Demasiados. Nada de novo.
Daqui a uns meses se verá o que foi isto.
Salva-se do dia uma sopa que vale por uma refeição que nunca há tempo para preparar e um doce de ginja divino (Vó Mila, aí nas estrelas deves estar orgulhosa de mim! Colher de pau numa mão e teclado de computador na outra! Tudo em síncrono e bom andamento!).
Coisas bem mais simples, saborosas e importantes do que muitos dos discursos que ouviremos esta noite. Desperdício de palavras.
Antes viessem declamar poesia e (co)mover-nos...
.
Votos de Boas Festas
Há 5 anos
11 comentários:
Divinal! A sopa, o doce, a poda, a escrita.
Milhões de felicidades para a tese, agora já em fase de correcção. Não duvido que estará repleta da magia que te caracteriza. Quem dera que tudo e pudesse limpar como um jardim.
Adenda: também eu não desenhei a cruz no sítio do costume. Nestas coisas não pode haver tradição como nos doces de ginja.
Sem dúvida um post belíssimo, Teresa. Parabéns. Deliciei-me a ler a estas horas tardias.
E voltarei cá para o reler. :)
Beijinhos e votos de boa semana
:) Obrigada a ambas pela ternura e paciência... Ainda falta escrever umas coisinhas na tese, mas sem dúvida que o final está bem mais perto... E os feriadinhos que se avizinham vão ser uma boa ajuda para adiantar trabalho.
Beijinhos e uma semana suave... :)
Texto delicioso.
Quanto à cruzinha... nunca a pus em certo sítio, claro que não era agora que ia pôr ;)
Felicidades para a tese.
Beijinhos
Isso é que foi um dia em cheio, Teresa! Eu cá, soube-me bem ler esta tua publicação, pois esta segunda-feira correu mal, na escola! Serviu para me devolver o sorriso!Imaginei-te com o teclado numa mão e a colher de pau, noutra!
Beijinhos doces como a compota, de que a tua avó se orgulha...assim como de ver a neta, em redor de uma tese, que só pode sair bem.
:) :) :)
Beijinhos doces...
Espreitei hoje pela primeira vez esta teia, conduzida ppor alguns lírios da campos.
O que li fascinou-me, o seu texto impressiona pela ternura que nos desperta.
Texto maravilhoso, não perca tempo com ginjas, escreva! É destes professores que a nossa Escola precisa. Parabens!
Vou continuar a espreitar.
M. Lourdes
Oh Lourdes, obrigada pelas palavras que transportam alento... Posso tratar-te por tu? Regressa sempre! Esta teia é uma casa e não cola nos fios que se vão tecendo: só fica quem quer. :) :)
Beijinho
Eu disse que regressava. Regressei.
E é verdade... só fica quem quer!
:)
Beijinhos
... e eu acreditei que regressavas :)
Beijinhos
As boas coisas e as boas pessoas são parar partilhar. Ainda bem que veio, Lourdes. Vai ver que terá muitas razões para voltar, como se a escrita não fosse já razão suficiente.
Enviar um comentário