quinta-feira, setembro 21, 2006

Oh professora, e se a gente não conseguir ...?

Depois da aula de apresentação, costumo iniciar o ano nas Ciências da Natureza, com um inquérito aos alunos, ao qual devem responder por escrito numa folha à parte, que lhes forneço, ficando claro no enunciado que o objectivo é conhecê-los melhor para melhor poder ajustar o trabalho às suas necessidades e características. (Podem consultar em baixo as questões que o integram.)
Uma espécie de diagnóstico que me situa, a forma como organizam a folha, o grau de desenvolvimento das respostas, os seus interesses e gostos...
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Há uma pergunta que invariavelmente é feita nesse dia e me perturba:
Oh professora, isto conta para a avaliação? (Traduzido: isto conta para a a nota? )
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Afinal eles só estão no 5º ano e é apenas a segunda aula... já tão entranhada esta ideia de que a avaliação/ a nota é o fim único/último de todas as coisas da escola.
Segue-se o discurso habitual, mais tarde aprofundado, sobre as regras do jogo da avaliação, os critérios, os instrumentos, o objecto da dita... que contempla tantas vertentes... e a repetição de que não, não, não... quero apenas conhecê-los melhor.
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Acho que no início nenhum aluno acredita no professor. Partirá sempre do princípio que se lhe pedem algo, deve ser para avaliar, dar uma nota qualquer de uma maneira ou de outra mais ou menos camuflada, mas nota, assim mesmo.

Este ano não foi excepção. E depois das imensas e naturais dúvidas e de ter repetido várias vezes qual era o objectivo do inquérito, surgiu uma pergunta que nunca me foi feita antes e que conseguiu perturbar-me muito mais do que a que já referi. Uma das meninas mais pequeninas, 9 anos, coloca o dedo no ar e interroga:
Oh professora, e se a gente não conseguir dar as respostas que a professora quer?
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Só consegui responder: mas eu não quero nenhuma resposta! Eu não faço essas perguntas sabendo a resposta ou esperando uma resposta. Cada um dará a sua resposta, porque as perguntas dizem respeito a cada um, ao que sente, espera, sabe, conhece, já fez, gosta, não gosta... coisas pessoais. Como seria possível eu querer uma certa resposta com perguntas destas?
Os 28 olham para mim e sinto que, finalmente, ao fim de uma hora consegui conquistar o benefício da dúvida.

Serenam enfim e dedicam-se ao trabalho.

Serenam.

Mas eu continuo perturbada.
Não sei onde nasceu esta pergunta que todos guardam em si mas que só teve som na voz de uma menina. Mas agradeço a quem lhe deu voz. Porque me fez pensar profundamente sobre o significado da escola e da educação. Sobre esta ideia que se entranha de que quando há uma pergunta no ar, só existe uma resposta: aquela que o professor quer.

Perverso. Mas muito real.
Não deixarei fugir de mim esta perturbação.

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Estas eram as perguntas...


1. O que esperas da disciplina de Ciências da Natureza? E o que esperas do teu professor nesta disciplina?
2. És curioso? Gostas de fazer perguntas sobre o mundo que te rodeia? Gostas de investigar em busca de respostas para as tuas perguntas? Onde procuras a informação de que precisas?
3. Faz algumas perguntas relacionadas com temas de Ciências (ou outros) para as quais gostasses de encontrar respostas.
4. Explica o que é para ti um cientista.
5. Gostas de animais? Justifica a tua resposta.
6. Gostas de plantas? Justifica a tua resposta.
7. Tens animais e/ou plantas em casa? (Se respondeste sim, diz que tipo de plantas e/ou animais tens)
8. Que animal gostarias de ter em casa? Explica porquê.
9. Qual é o teu animal preferido? Porquê?
10. Já foste ao Jardim Zoológico ou a outro parque zoológico? Se sim, diz a que lugares foste, quantas vezes e se foi há muito tempo.
11. Já foste a algum jardim botânico ou à Estufa Fria?
12. Achas que os seres vivos, como as plantas e os animais, sempre tiveram o mesmo aspecto que têm hoje e são os mesmos que havia quando apareceu a vida na Terra? Fala um pouco do que sabes sobre este assunto.

13. Fala um bocadinho sobre ti... como és, do que gostas, do que não gostas... enfim, o que te parecer que é útil para te ficar a conhecer um bocadinho melhor!

2 comentários:

IC disse...

Pois... Teresa!
Se pusermos os alunos a falar de algum tema semelhante a um das aulas ou outro em que tenham que funcionar com a sua própria cabeça, mas fora do ambiente de aula ou do contexto curricular, fora, portanto, da ideia de avaliação, vemos que eles se revelam bem mais "crescidos" do que nas aulas. Aliás, confesso que, com certos alunos, sempre detestei ter que pensar em avaliação em termos de ter que atribuir uma classificação logo no final do 1º Período, quando eram meus alunos pela 1ª vez e, sobretudo, em anos iniciais de ciclo - 5º ano ou mesmo 7º.
Resta ver se o modo como irá decorrer a avaliação dos professores os não condicionará, a eles também, nomeadamente na criatividade pessoal, de forma semelhante ao que disse essa menina de nove anos: 'Estou a fazer o que e como os avaliadores (e o "sistema") querem que eu faça?'
Beijinhos ;)

Teresa Martinho Marques disse...

Ai IC... pois... a perturbação advém exactamente dos riscos que se correm com processos absurdos como este...
A coisa começa cedo e não se desentranha nem no adulto... há risco sim. Se há!
Beijinhos