segunda-feira, setembro 10, 2007

Carta, quase...


Carta, quase


Costumo iniciar o ano lectivo com olhos de cor mais clara do que aquela que os genes me concederam. Descortina-se um verde. Por vezes até um azul. Subtis nuances de tela de nuvem. Costumo (re)começar pensando nos gestos novos que continuarão a dar forma ao sonho que embalo no colo. Acreditaria se lhe dissesse que onde há sonhos há gente?

Sempre tomei como certo que mais frutos saboreia aquele que mais semeia. Mas regresso a uma Escola onde a vida se mediu com (des)contas que provaram ser 7 muito mais que vida inteira, 60 maior que 94, caminho dedicado bem menos que estrada curta titulada. E sublinho a ironia que provou poder ser 109, não utilizado com consciente vontade, menor que o 60 de sorte, porque assim coincidiram o número de cadeiras vazias e o número de participantes no jogo do sente-se quem conseguir. E em tantas escolas tantos 100 pontos, ou mais de 100... de pé. A justiça pode ser um jogo de azar... Que matemática ensinarei a partir de agora aos meus alunos? De que diversidade democrática se construirá a escola? (Vejo o desapontamento de órgãos de gestão e professores, sem opção de escolha, tendo na massa anónima atitular tanta competência desaproveitada...)

Costumo regressar de alma fresca. Limpa. Janelas abertas a outras aragens e aves que nem imagino. Gosto de não imaginar tudo, de deixar que viajem até mim palavras em que não pensei. Devo-lhes a eles, que são razão de tudo, esse meu espaço em branco onde podem escrever. Todos temos folhas vazias que precisam de ser pintadas com calma. Com sentido. Com tempo para cozinhar novos agasalhos de Inverno, tecer andaimes fortes. Fazê-lo com os alunos, com os pares na arte, com os pares agrupados por cada turma. Não viver rente ao chão repetindo gestos, sem minutos para os reinventar cooperando. Onde está ele, esse tempo (aridamente gasto), que deixou de ser luz amadurecendo asas?

Costumo repetir baixinho, como mantra, a palavra esperança. Para reforçar a crença num futuro com cara humana. Que eu sei da escola algo que parece ter esquecido: as gentes que lhe enformam a alma não se medem aos números. Costumo escrever um poema. Celebrar. E vou fazer tudo o que costumo fazer. E entrar pela porta de cabeça erguida. E usar quase todos os sorrisos que tenho no corpo.

(Saberei eu, apenas, o certo sorriso que falta e que aqui lhe tento dizer.)

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5 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

é isso mesmo 3za "...as gentes que lhe enformam a alma não se medem aos números" mas poucos sabem :) Força!

Teresa Martinho Marques disse...

:)

Anónimo disse...

Querida amiga:
Soubera eu dizer o que nos vai na alma da forma que o dizes....
Transpor para palavras sentimentos tão verdadeiros e "tão sentidos" é uma arte que alguns, poucos, dominam. Tu és um desses poucos Seres. Obrigada por teres partilhado comigo, e com muitos outros, esta tão bonita "homenagem" a nós PROFESSORES!
Emília.

Anónimo disse...

Querida Emília, saiu das entranhas... é que as injustiças gritam-me(-nos) aos ouvidos e não se calam...
Beijinhos às duas

Teresa Lobato disse...

Muito belo, este teu texto...e muito verdadeiro!
BJ