domingo, março 25, 2007

Redacção sobre a Primavera

Eu gosto da Primavera.
Gosto do gosto a flores que tem por dentro. Sempre gostei.

Quando recebemos os alunos pela primeira vez é assim uma espécie de Inverno escuro, um desconhecido à espera de se iluminar. À medida que o ano avança, a transparência aumenta e é bom ir descobrindo as cores de que se faz a luz de cada um de nós. Quanto mais nos entrelaçamos, mais botões prometidos se abrem, mais aromas se distinguem, mais percebemos os cuidados a ter com cada um.

Eles depressa ficam a saber que fruto oferece cada professor, nós demoramos mais tempo a entender o sabor que tem cada aluno.

Nunca gostei muito de multidões. Gosto de conhecer rostos, nomes. Adivinhar olhos. Gosto de saber que borboleta sigo, que flor cheiro. Gosto de um ensino artesanal. A Primavera faz sentido tocada, percebida, sentida, conhecida. É na essência desse mútuo cativar que todas as flores desejam abrir-se ao novo e experimentar voar. Mas a escola é campo a querer dispersar-se. A querer deixar-se caminhar sem tempo para ver, escutar, cheirar a rosa.

Acrescentam-se muitos nomes temporários à lista habitual dos seres que nos são confiados (quantas vezes já longa) e espera-se o milagre. Um qualquer. Acredita-se que bom. Mas essa crença sem sentido só revela o desconhecimento profundo da essência deste fértil terreno. É crença de quem ignora o pulsar da escola. E crença assim nada planta. É semente morta.

Cuidar de muitas flores alheias rouba algo ao jardim que é o nosso. Há um limite para a água que sai de nós, para o alimento paciente que partilhamos e podemos receber em troca. A escola não é indústria, máquina acelerada, baixo custo, padrão repetido, cadeia de montagem, produção sem fim, números sem rosto. Ela é agricultura biológica, campo de sementes onde o tempo tem de ter o seu tempo, cada fruto seu tamanho e seu nome, onde a mão toca e sente, os olhos se cruzam, o risco se arrisca, a paciência é virtude e conhecer, plantar, saber, esperar, colher, amar, cuidar, está no centro, na margem, no fim de cada gesto preciso e lento, que acompanha o ritmo das estações sem estufas enganando a vida. Eu gosto da Primavera. Sempre gostei.

Porque lembra o Amor em gestação que me/nos colocou neste caminho. Amor que se renova em cada ano, que constrói, que acolhe, que floresce.

Não quero acreditar que a escola passe a viver de Inverno em Inverno, cheia de pressa, sem florescer a meio. Não quero.

Não quero ter saudades da Primavera e depois não a ver chegar.

9 comentários:

Teresa Lobato disse...

3za, já tive oportunidade de te dar os parabéns por este texto lindo. Linda esta metáfora sobre a escola que temos e sobre uma outra: aquela que fica "lá no alto da colina" e que agora nos querem tirar, abusadamente, deliberadamente, insanamente.
Beijo

Teresa Martinho Marques disse...

Eu sei Amiga... já vi no teu canto a beleza das tuas palavras... e já deixei palavra também... Obrigada!

Querem tirar mas não podemos deixar... não podemos...
Beijinhos

IC disse...

Lindo texto, 3za. Sim, é preciso não querer acreditar que "a escola passe a viver de Inverno em Inverno", sem Primavera pelo meio. Se se começa a acreditar que se tornou num Inverno, então é que fica mesmo Inverno! Enquanto 'lá de cima' deitam granizo, dentro das escolas continuam 'jardineiros' a persistir :)
Beijinhos.

Anónimo disse...

Que lindas palavras Teresa :)Que bom que há quem semeie, regue e lhe dê carinho e muito amor... porque ficará para sempre...A Primavera vai existir enquanto houver "Teresas" e eu até conheço algumas... :) Bjinhos**

Anónimo disse...

Também quero sentir o cheiro a flores, a sol, a mar... Sabes que, aqui no interior, a primavera costumava chegar cedo! Este ano, o Inverno teima em ficar. Sinto um frio estranho no ar... Ah! Mas acredito que chegará! Afinal, as florzinhas estão cá!!! Se necessário, procuraremos mais agasalhos :-)
Bjis
Armanda

imaz disse...

Adorei esta "Redacção sobre a Primavera"
e a verdade que ela diz...
O importante cativar
de todas as flores do jardim,
num tempo sem pressas,
com vontade de experimentar,
sonhar e voar...
3za, obrigada pelo teu lindo texto que já tinha lido no Correio da Educação
Bj

Anónimo disse...

Vocês...
Obrigada por tanto carinho!
Estive sem net na estação fixa quase todo o dia... e num virote de arrumações e estatísticas da BE... só agora consegui... tão bom encontrar o vosso abraço!

Beijinhos

João Paulo Proença disse...

Oh Teresa:

O texto é lindíssimo.
Copiei-o para o meu blog a partir do "correio da educação".

Parabéns pela inspiração

Anónimo disse...

Obrigada João, pelas palavras e por partilhares o texto com outros... vem de longe este gostinho pelas "redacções"... nunca lhe perdi o vício. Escrever ajuda a pensar... anima-nos a reflectir...