segunda-feira, dezembro 21, 2009

Gatos, gaivotas e o que os olhos vêem...

No Bairro da Bela Vista há sempre gaivotas a passear no céu. A pousar nos prédios.
Da última vez que lá fui, bem cedinho (8 horas da manhã), uma delas pousou no chão entre dois carros, do outro lado da estrada. Um gatinho pequeno e dourado aproximou-se sorrateiro e tentou a sorte. Mais pequeno do que a ave. Mais olhos que barriga? Acreditou que era possível. A gaivota levantou voo. Ele sentou-se calmamente a lamber as patas e a pensar (juro que lhe escutei o pensamento): na próxima não escapas...

Há meninos à espera que a escola abra as portas. Meninos de todas as cores, formas, tamanhos e feitios. Tem estado frio. Muito frio.
(Só pode gostar do Inverno quem não tem de tremer às mãos dele. Quem o saboreia no avesso quentinho da vida.)

Desde há algum tempo que no pátio central da escola se ergue uma enorme e bela árvore de Natal feita de lixo reutilizado com arte, oferecida por algumas escolas do primeiro ciclo à escola grande.
Contava-me uma das professoras dos meninos da escola grande que os seus alunos não gostavam daquela árvore: oh professora, nós sabemos que somos um bairro pobre... mas também não era preciso fazerem uma árvore de Natal com lixo...

Quando nascemos, somos assim uma espécie de cruzamento feliz entre gato e gaivota. Quando crescemos... por vezes a magia das coisas começa a desaparecer devagarinho. Ficamos cada vez mais gatos e cada vez menos aves. Ser só gato no chão não é uma coisa má. Desde que não se seja gato triste sem umas asas quaisquer que nos façam acreditar que estamos à altura de uma gaivota só aparentemente maior do que nós.

A vida não é sempre um caminho justo.
O lixo reutilizado pode ser arte, sim. Ou só lixo.
O Inverno pode ser poético e branco, pois. Ou só desaconchego e desalento.

No bairro da Bela Vista mora muita gente boa e forte com caminhos difíceis de fazer. Não tomemos o todo pela parte. Não ajuizemos à distância a parcela do que é geralmente mostrado.
A diferença está na vida de cada um e nos olhos que essa vida constrói.


Tem sido feito muito, ainda há muito para fazer.


Quando os meninos pequeninos das turmas de primeiros anos que tenho acompanhado (pintainhos muito amados pelas suas professoras tão especiais, com as quais percebemos uma ligação doce e profunda) correm para mim de braços abertos, lembrando e chamando em voz alta "Teresa!"... Quando os mais crescidos perguntam às suas professoras: quando é que aquela outra professora vem cá outra vez?... os meus olhos sabem as asas dentro deles, sabem a esperança...
(Mas é preciso muito mais ajuda... a ajuda certa... a ajuda continuada para a construção de ferramentas de conquistar mundo.)



3 comentários:

JMA disse...

O Olhar é que é essencial. Como o que desdobras :)

Unknown disse...

Olá!!
Gosto muito deste blogue e costumo visitá-lo com frequência, apesar de nunca deixar comentários.
Desta vez, tenho mesmo de vir dizer:

FELIZ NATAL

PRÓSPERO ANO 2010

Beijocas grandes e continuação do excelente trabalho aqui desenvolvido. Dá gosto ler e reler!
Marisa

Teresa Martinho Marques disse...

JMA, pois... E é preciso (é urgente) não desviar o olhar... :)

Marisa... esta casa é vossa... Obrigada por a partilharem comigo, obrigada pelas doces palavras... Votos de Boas festas e um Ano Novo cheio de sonhos para ti e para os teus meninos.
Beijinhos