Já lá vão mais de 20... anos, quero eu dizer. No ensino, claro.
E as lágrimas repetem-se, ano após ano para alguns alunos, quando experimentam a sua primeira avaliação negativa num teste.
Não são muitos os que choram, mas continuo a aproveitar o momento para fazer avançar o relógio do crescimento em cada um e em todos, estimulando sem fantasias e reforçando a auto-estima sem falsidades, apenas deixando claro que os erros fazem parte do aprender... que com eles se avança se soubermos lidar com a sua ocorrência. Que lágrimas não são a resposta adequada ao problema...
E aos pouquinhos os rostos voltam a iluminar-se e regressa-se ao trabalho com a energia, o sorriso e a calma necessários. As asas vão-se construindo no tempo...
Como não prescindo, logo no 5º ano, de unidade dedicada à resolução de problemas bem entranhada na geometria (e mais tarde, em todas as outras, procurando sempre cruzar tudo o que é possível) é óbvio que arrisco um teste, normalmente de surpresa, apenas com problemas. Incluo dois novos e diferentes do que os alunos já trabalharam, dois simples e um com estrutura idêntica a outro não fácil realizado em teste anterior. Claro que antes já trabalhámos questões como a interpretação do enunciado, o estabelecimento de um plano ...(ficam a saber quem foi Polya..)
Surpreendo-me sempre pela positiva. Já ando nisto há tempo suficiente para saber que os resultados compensam os riscos e que valiosas lições se podem tirar das dificuldades sentidas e da conversa sobre o acontecido. O contrário é fechar os olhos e só propor avaliações de procedimentos simples, que permitam a todos os alunos os quatros e cincos que alegram sem nada acrescentar. A construção de uma auto-estima e da confiança sobre baralho de cartas. O investimento na fragilidade.
Confesso-me muito carinhosa, mas muito exigente. Os níveis devem traduzir uma aproximação à realidade e não uma história de faz-de-conta. Os alunos sabem, os pais não costumam reclamar e reconhecem a importância dessa exigência na construção de uma formação mais sólida.
Só se voa um dia se...
Ela chorou. E eu contei-lhe a verdade. Que doía ir crescendo. Que crescer são se fazia assim facilmente e era preciso estar disposto a lutar. Que uma aluna há dois anos teve uma "negativa" num teste semelhante e acabou por ser a minha melhor aluna, resolvendo problemas como ninguém (é verdade... não é Joaninha???). Que as negativas não me incomodavam e que o que me preocupava era o que eles faziam com elas... se tomavam o destino na mão, se se empenhavam na correcção para perceber o que deu origem à dificuldade, se me pediam ajuda e se passavam a estudar resolvendo exercícios.
Sempre terapêutica esta aula a seguir a este teste em particular. Alguns alunos de dedo no ar: Oh professora, eu naquele problema do dado errei no outro teste e depois percebi a correcção e fui para casa e experimentei muitas soluções e desta vez já acertei!
(Referência a um problema que coloco num dos testes anteriores e que consiste em oferecer a imagem de um dado em 3 posições diferentes e pedir que coloquem as pintas numa planificação desenhada na ficha, de forma a que possam construí-lo e reproduzir aquelas 3 posições... claro que eles constroem um modelo durante o processo de resolução do problema e muitos chegam lá... os pais ficam sempre surpreendidos, pois acham o problema difícil e nem percebem como os seus filhotes deram conta do recado. Durante a correcção, voltam a construir modelos e procuram várias soluções... os que não entenderam e erraram, acabam por conseguir e ficam felizes! Vão para casa e continuam a experimentar...). No segundo teste coloco o mesmo exercício... mas... com letras! É sempre um encanto ver como a maioria resolve sem dificuldade a proposta, deixando-me o modelo colado no teste como prova... E é bom ver como percebem que o investimento no estudo compensou (a maior lição de todas). Do que mais gosto? Muitas soluções diferentes... É pobre encher um teste de perguntas que levem todas às mesmas respostas. Que possam ser copiadas do parceiro do lado. A matemática é também criatividade, capacidade de comunicar um raciocínio pessoal... encontrar uma solução original e fundamentar a escolha do caminho.
Não é ingénua esta sequência de acontecimentos, a escolha dos problemas. A proposta de um confronto cedo (depois de muito investimento na relação pedagógica, para que o crescimento não doa mais do que tem de doer). Não é ingénua e vai produzindo bons efeitos. Claro que se não fossem quase 30 na aula, seria melhor, muito melhor. Que se os programas já tivessem levado aquela volta prometida, seria muito mais perfeito. Assim, sobra-me sempre aquele sentimentozinho de culpa de que me estou novamente a atrasar em relação aos colegas... mesmo sabendo que, pela primeira vez, o meu trabalho com o A-Team (meus no 5º e 6º) está a ser testado, agora que estão no 7º ano nas mãos de uma colega do departamento (que se mostra muito satisfeita com a preparação deles e o seu gosto pela matemática).
Enfim... também me dói o crescer... (a todos nós)... Até o professor precisa deste reforço de confiança nas respostas que vai encontrando para os vários desafios e problemas que o ensino da matemátia coloca...
No final das contas continuo, tal como os meus meninos, a resolver problemas vida fora. Às vezes também temos vontade de chorar... de tristeza ou de raiva, mas não é por aí que caminhamos. Não há voos simples.
Não me canso de lhes repetir:
Sabem... aprender matemática não é aprender a fazer contas... é aprender uma atitude perante a vida. Ser capaz de enfrentar os problemas, descobrir-lhes os segredos, não desistir de encontrar a solução possível. Não lhes virar costas, aprender a confiar em nós e nas nossas capacidades. E se julgam que isso se faz de um dia para o outro, estão bem enganados! Estarão sempre a aprender. E nunca será fácil. Não podemos fazer revisões dos problemas da vida. Eles são muito inesperados. Podemos apenas treinar o corpo e o coração para eles... todos os dias um bocadinho.
E termino pedindo que confiem em mim para os guiar, que confiem em si próprios para poderem caminhar melhor. Os momentos de entrega dos testes corrigidos podem ser muito críticos e não devem ser negligenciados.
Está claro que me atraso um bocadinho, mas só em relação a um conteúdo ou outro. Porque em relação ao resto, todos nós, sem excepção, avançamos muito quando paramos para reflectir um pouco antes de continuar o caminho.
E na matemática, como na vida, o tempo gasto a pensar e a reflectir, nunca é tempo perdido.
É o néctar que nos dá a energia para continuar...
Recordação
Há 5 anos
8 comentários:
Obrigado pela partilha da reflexão!
Não resisti a colocar uma referência lá no "blogue que ninguém lê"!
Um abraço
João
Obrigada eu, pelas visitas... pela referência... pelo sorriso...
De entre tantas ideias interessantes, apeteceu-me realçar esta... "as negativas não me incomodavam e que o que me preocupava era o que eles faziam com elas".
Bgda pela partilha ;)
Boa semana e Beijinhos
Obrigada Tit! Boa semana e beijinhos para ti!
Adorei este teu post, Teresa. Sabes, a maior parte dos meus anos de ensino foi no 2º ciclo, depois passei para o 3º, mas hoje parece que as minhas memórias estão todas no 2º! Porque é aí (tem que ser logo aí)que se incute essa confiança e esse gosto pela matemática, de que falas.
(E, a propósito da avaliação, detestava ter que atribuir nível logo no 1º período ao 5º ano...)
Também eu detesto estes momentos de avaliação tão cedo... tão sem saber se estou a ser justa ou não... confesso que mexe comigo... Beijinhos
Gostei muito deste post. Poesia pedagógica.
:) Obrigada Henrique...
Enviar um comentário