Recebi da minha escola, via correio electrónico, o "DESPACHO" (sem número ou coisa que o identifique, assegurando que tudo será despachado em conformidade com a dança do delega aqui, delega acolá conforme puder ser e tal, mesmo que isso signifique mais uns atropelos ao funcionamento do quotidiano escolar).
Pessoas bem mais esclarecidas do que eu já falaram desta questão. E sei que voltarão a fazê-lo. A do ponto 9*, pois. Quem sabe depois de ter número o despacho sem número mude de conteúdo... (optimismo em roda livre)
Eu só vou referir-me à visão de ensino implícita neste (projecto de?) normativo que não tem nada a ver com o que é suposto ser o trabalho numa escola, tão pouco tem a ver com as próprias exigências de outros decretos e despachos, como o da própria avaliação de professores.
Ora parece que as crianças, seres apáticos, assépticos, indiferentes e insensíveis não dão conta de quem lhes dá as aulas. Tanto pode ser um hoje, amanhã outro, depois outro, que isso não perturba nada, não lhes traz qualquer prejuízo... É que dar aulas é chegar, debitar uma matéria na sequência de qualquer outra que ficou lá atrás, e depois mais outra, tudo seguidinho, como vem no manual, que nem é preciso preparar nada de especial, depois "fazer um teste". Sem mais. Basta ter vários professores em fila à espera para a função (se se tiver a sorte de encontrar à mesma hora um professor disponível para "dar a mesma matéria" do professor em falta)... Claro que, da maneira como as coisas estão a ser feitas, se qualquer um pode avaliar qualquer um, na disparidade de áreas de um departamento e na ausência de professores titulares em quantidade, então também se conseguirá pôr um professor de LP, por exemplo, a dar umas aulinhas de substituição de Mat sem prejuízo das crianças. Bastará apenas um despacho a "delegar" a função: ... sempre que não seja possível encontrar um professor da disciplina que... então...
Portanto, essa coisa da relação pedagógica com o aluno aparece na avaliação para quê? Não faz falta! E a da individualização e ajuste das estratégias ao conhecimento das crianças e às suas dificuldades e perfis? Não é necessário fazer? E estratégias inovadoras? Uma linha de acção diferente? Uma abordagem dos conteúdos por imersão interligada (como eu faço, pouco dada a respeito por sequências estupidificantes e recolhendo elementos de avaliação formativa, com retorno para auxílio das dificuldades, em todas as aulas)? Não interessa nada! E se, por exemplo, eu que avanço num "processo inovador de investigação com tecnologias" (não querem que eles existam?) tiver de ir avaliar outros, quem entra na minha aula e continua esse meu método, ajusta o trabalho à presença de um autista, de uma outra criança que fica parada quase à espera que lhe ponha a mão a mexer? Ou orienta os alunos nos computadores com um programa que nenhum professor da escola domine (é o caso neste momento)?
De cada vez que leio palavras/ideias destas, só consigo pensar que quem as pensa e escreve não entende o que é a escola, quanto mais uma aula ou um aluno. Logo, não conseguem entender em profundidade as consequências e a instabilidade para o funcionamento do grupo/turma devidas à ausência do seu professor (ainda por cima por motivos injustificáveis/mas legislados, como seja fazer a avaliação de colegas... até ver a nossa primeira função na escola não é essa).
Faltar para dar mais uns filhotes ao país é pecado para a nossa avaliação, faltar para ir espreitar as aulas dos colegas tem a benção misericordiosa da tutela, tudo escritinho no papel e nem prejudica nada os alunos. Palavra de lei!
Sem referir, como é óbvio, que alguém terá de arcar, num tempo sem tempo, com mais umas aulas por semana para que os avaliadores possam não dar aulas e dedicar-se a ver as aulas que outros dão. Faz sentido? Desculpem, preciso de um chá para começar o dia de trabalho e ir ter com os meus meninos, que me esperam a mim e não a outra pessoa qualquer.
Não os tratem como se eles fossem transparentes, acéfalos, como se eles não fossem gente, por favor! Haja respeito!
*9- O presidente do conselho executivo ou o director assegura a organização, de acordo com os recursos humanos do agrupamento, incluindo os que exercem funções nos órgãos de administração e gestão, sempre que necessário, da substituição dos docentes nas funções lectivas quando se encontram em observação de aulas, por professores da respectiva disciplina ou grupo de recrutamento, por forma a que não se verifique qualquer prejuízo para os alunos e se mantenha em funcionamento a unidade do grupo/turma.
ADENDA (Março) - afinal já tem número
Despacho n.º 7465/2008...Despacho de delegação de competências de avaliador - 22/02/2008
Votos de Boas Festas
Há 6 anos
10 comentários:
Esta reflexão traduz bem algumas das minhas procupações.
Não sou avaliadora por escolha minha e não tive formação para essa função ... Já pedi essa formação pois se tiver que desempenhar esse ingrato papel, quero fazê-lo o melhor possível.
Mas o que me preocupa, acima de tudo, são as minhas "crianças" e falta de continuidade no trabalho que estou a desenvolver com os alunos (com imensos problemas de comportamento e aprendizagem).
Os alunos do professores avaliadores vão ser as maiores vítimas desta avaliação de desempenho, mudando de professor duas a três vezes por semana... Então o ME não considera prejudicial que uma turma tenha muitos professores e quer instaurar um professor único até ao fim do 2º ciclo?
Agora nada disso interessa e as escolas devem orgarnizar-se em função da avaliação dos professores e não dos interesses dos alunos.
A minha vida já (quase) conseguiram transformar num inferno e agora os meus alunos também vão ser prejudicados?
Como eu gostaria de voltar atrás e ter feito como a Teresa na altura do concurso para professor titular!
Pelo menos tinha tempo para fazer aquilo que sempre adorei fazer durante 35 anos...
Ser professora e não esta manta de retalhos em que me transformaram!
filomena
Os avaliadores não aceitarão tal coisa.
Oh Filomena! Então não viste ontem? Formação para quê? Passaste a vida a avaliar alunos! É tudo a mesma coisa!
Compreendo-te perfeitamente. E tenho colegas que me dizem o mesmo agora.
O Daniel tem razão. Se os avaliadores o não permitirem invocando todos estes (e mais) argumentos, a vitória estará do nosso lado. No dia em que alguém (avaliadores de primeira linha e aqueles a quem foi delegada a função) seja obrigado a deixar de dar a sua aula para assistir à de terceiros, deve colocar-se a boca no mundo e fazer a terra tremer...
Juntos será possível.
Excelente reflexão sobre a realidade das escolas face a esta nova legalidade.
Parece-me que só a revolta pode impedir tanta falta de respeito!
Catarina
Catarina, obrigada!
Já convivo mal com a falta de respeito dirigida aos professores, como é natural. MAs a falta de respeito dirigida aos alunos está a atingir níveis absurdos. São a menor das preocupações da tutela. E eu não consigo, por mais que me esforce, entender a razão de tanto desprezo pelo lado mais bonito da educação e das escolas... O centro de tudo! Não falo da boca para fora... os meus meninos e os pais deles são o testemunho desse meu carinho e profundo respeito pelas crianaçs e pelas famílias...
Reina a insanidade nas cabeças daquela gente.
Triste, triste.
É verdade 3za,(por causa de comentário das 8:43) o problema são aqueles que são a razão da nossa missão. E apesar de te conhecer há tão pouco tempo - e parece que já te conheço há muito! Há pessoas que sem as conhecermos parece que há muito que faziam parte das nossas vidas- não preciso do testemunho dos pais, basta-me o testemunho do sentido e do sentir das palavras dos teus alunos que vou desobrindo aqui e ali.
Bem... se afinal o ME tiver que pagar todas as aulas de substituição, se calhar reconsidera (mas não será por causa dos alunos que vai reconsiderar, não!)
Foi uma pena que ninguém no tão esperado prós e contras de ontem se tivesse preparado par dar alguns exemplos concretos e bem clarinhos para o público em geral (quase tudo o que foi dito só é percebido pelos professores). Pensei agora que este podia ter sido um desses exemplos. (Aliás, acho que se está a saber elucidar pouco a população em geral e os pais em particular sobre o prejuízo que inevitavelmente recai sobre os alunos, decorrente de todas as precipitações e atropelos deste ME)
Obrigada, Raul. Eles são os mais esquecidos e descurados pela tutela nesta história. Incompreensível!
E sim, Isabel, faz falta fazer ese levantamento de pormenor e mostrar às pessoas os atropelos à vida dos seus filhotes... ou fazer umas contas simples e provar que não é com uma hora por dia por semana de componente individual não lectiva que o trabalho surge feito... Mas o que se há-se fazer! Temos esta tendência para nos disperar... (contra mim falo)... mas foi pena ninguém ter lido o ponto 9 e feito umas perguntinhas...
Olá Teresa e Colegas
Organizem-se, juntem-se e no dia 19,dirijam-se a meio da manhã para o centro das vossas cidades e vivam a nossa presença e a vossa cidade, mas em silêncio.
9. Os membros dos órgãos de gestão podem aderir à Greve não comparecendo na escola?- SIM! A forma de aderir à Greve por parte dos membros dos órgãos de gestão é a mesma que foi referida para qualquer outro docente.
Dirijo-me aos indecisos, dirijo-me aos conformados, dirijo-me aos que Acreditam!!!
Hoje, sábado e domingo. Reflictam um pouco mais…creio que é uma chance única.
É chegada a hora!!! Não deixem de sonhar…
Colegas: vamos aceitar a divisão da carreira…uma avaliação com base nas quotas?
O silêncio por vezes é intenso e reactivo, tão duro ou mais que o aço da humilhação a que jamais temos assistido em toda a nossa vivência enquanto professores.
Como a Marcha do Sal de Gandhi…agora faríamos a marcha do Silêncio. Não percam a Esperança e vamos para a rua, mostrar a nossa indignação. Divulguem por TODOS os professores!
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