domingo, novembro 22, 2009

Da Matemática (e das outras coisas de que ela precisa...)

A minha "nova vida" este ano tem-me permitido aprofundar a reflexão crítica sobre a prática do ensino da Matemática. Olhar os outros é olhar também para nós. Olhar os outros desde os primeiros anos de escolaridade, é começar a compreender as razões de algumas diferenças (que observamos depois mais tarde) que podiam e deviam ser atenuadas, por não se relacionarem com as características dos alunos mas, claramente, com as abordagens que os professores colocam em prática, condicionadas pela imensa falta de tempo (e condições em que trabalham) e com o seu próprio conhecimento/desconhecimento/gosto/desgosto pelas questões da Matemática e da Educação Matemática. Sem tempo... não se melhora o conhecimento em nenhuma destas duas áreas. Uma sem a outra não conduzem, por norma, a (boas) práticas persistentes e consistentes no tempo. O "pontual" e o "esporádico" não chegam para fazer a diferença.




Nenhuma reflexão fica completa sem leituras que suportem as nossas intuições e a nossa prática. Sem estudos que confirmem algumas relações entre estratégias e desempenho, que estimulem a mudança sustentada da acção para que se produza diferença... (das leituras falarei depois...)


É nos professores que reside o maior potencial para causar diferença. E se eles forem tratados como até agora, sem tempo para se actualizar, estudar e aprofundar questões científicas e didácticas, não esperemos que os Planos de Emergência apaguem fogos... Nem acreditemos que os Programas, com regras de execução que não permitem o aprofundamento necessário (excesso de solicitações para o tempo real disponível), mudem a maioria das pessoas nele envolvidas.

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Com remendos superficiais pouco se consegue. Tocam-se apenas os já muito motivados, com práticas aceitáveis que, com mais ou menos ajuda, acabariam autonomamente por evoluir até à excelência.


Já aprendi que é possível leccionar-se o primeiro ciclo sem afinidade com a Matemática (diria mesmo, com forte rejeição emocional à disciplina, provocada por um percurso de más experiências enquanto o professor foi aluno). São percursos confessados, com humildade e profunda consciência das suas limitações, por professores maravilhosos e dedicados que querem aprender para poder oferecer mais entusiasmo e rigor aos seus alunos. Já confirmei a minha ideia de sempre que quem lecciona o 1º Ciclo tem a tarefa mais dura e mais importante de todas... aquela que deveria ser mais valorizada.
Que muitos professores lutam para fazer melhor, procuram a ajuda possível, alimentam as suas crianças diariamente (com todas as disciplinas possíveis) sem tempo para respirar e com um carinho que é devolvido à nossa frente pelos meninos e meninas que são seus. Mas a pouca ajuda não chega a todos, nem o tempo de que dispõem hoje (nenhum) permite fazer um trabalho profundo e realmente sustentado de actualização em várias matérias, nomeadamente a Matemática.


E fazê-lo com vinte e tal crianças hoje (quantas vezes com mais do que um ano de escolaridade na turma), não é o mesmo que fazê-lo com as crianças que fomos, num outro tempo e mundo. Visitem-nos e perceberão o esforço, o amor, a dedicação. Não é por acaso que no Canadá - Ontário (dos melhores resultados em Educação) a estratégia se virou para os primeiros anos com uma medida simples: redução do tamanho das turmas.

Nas condições actuais, com tudo o que foi feito para retirar aos professores o tempo de que precisam para preparar melhores intervenções e construir materiais diariamente... não é expectável que o panorama se altere para melhor. Diria até que poderemos esperar o contrário, se nada for feito de realmente consistente para transformar os cenários que temos.
Os professores do 1º Ciclo são, juntamente com os professores do 2º Ciclo, o pedaço mais importante da viagem que culmina com o gosto/sucesso ou desgosto/insucesso nesta bendita/maldita disciplina. Estudos parecem confirmar que a janela de oportunidade se fecha aos 12 anos... Então, o que estamos a fazer aos nossos professores inventando mil formas de os afastar daquilo que deveria ser a sua verdadeira e principal missão?



Não tenho soluções milagrosas. Uma estratégia nacional de fundo que oferecesse formação exigente em contexto, tempo para a fazer e estudo da aplicação vs resultados, ajudaria. Paliativos, pensos-rápidos, um pouco de alcatrão para tapar os buracos quando aparecem, não são solução... mas é assim que temos vivido em muitos sectores: navegando à vista sem planos, sem prospectiva estratégica, com pessoas ignorantes nas mais básicas matérias educativas (e outras) liderando os (maus) destinos da nossa vida comum.


Eu comecei este texto, pensando que diria duas linhas e depois apresentava os livros e vídeos de que vos queria realmente falar. Será noutra entrada, quando conseguir tempo para partilhar leituras que me têm ajudado. Mas puxei por um fio preso à emoção dos dias que têm corrido velozes e cheios de trabalho, acompanhando os professores e os meninos nas suas escolas e compreendendo as fragilidades, os sucessos, os insucessos, as dificuldades, a falta de tempo para conseguir mais e melhor. Meto as mãos na massa com todos eles e agora sinto que ando a ser professora (de meninos dos 6 aos 15 - percursos alternativos, 5º ano) pela cidade fora, em parceria com colegas que se dispuseram a fazer formação (alguns mesmo sem precisar de créditos - contratados), ajudando-os nas aulas e sendo realmente adoptada como mais uma professora das turmas (fico sempre tocada com o carinho do acolhimento nas segundas visitas e a despedida ternurenta nas primeiras com a pergunta: voltas quando?). No primeiro ciclo as despedidas e olás vêm com abraços "ao molhinho" de seres muito pequeninos a precisar de toda a atenção do mundo... não importa a origem, a raça, o bairro onde vivem.




Se os puder ajudar a todos (professores e alunos) um bocadinho... já fico feliz.
Mas este bocadinho não vai chegar e precisarão de (muito) mais...


Só mais umas palavras com açúcar dentro: numa das aulas onde estive, vi entrarem mães com os seus meninos... e aproveitei para pedir autorização para fotografar as mãos e o trabalho delas, explicando as razões. A certa altura entra uma mãe grávida, que veio deixar o seu menino e falar com a professora... Olhámos uma para a outra e o abraço cresceu num segundo: foi minha aluna na Luísa Todi... há muitos muitos anos. É dela o menino na terceira foto...

15 comentários:

Anónimo disse...

Uma reflexão em que vale a pena reflectir...
Bjinho, P

JMA disse...

Pois é.

Teresa Martinho Marques disse...

:)

Herr Macintosh disse...

E a reflexão pode aplicar-se inteirinha a outras áreas. Sem tempo para se reflectir continua-se a fazer o mesmo que sempre se fez.

IC disse...

Tens toda a razão, neste momento os professores não o têm tempo nem
as condições que seriam indispensáveis. Que cegueira no(s) ME(s)!
Mas há também a questão da formação inicial, que tantas vezes critiquei, e várias chamei a atenção para o novo modelo de formação quando do processo de Bolonha - um modelo desastroso, porque não compreendem que são o 1º e 2º ciclos os ciclos decisivos.

(Quando a minha filha foi para a Suiça há 22 anos, soube quase logo que os professores do equivalente ao nosso 1º ciclo eram os mais bem pagos dentro dos salários dos docentes)

IC disse...

Errata
Onde se lê 'não o têm tempo' deve ler-se 'não têm o tempo'

Teresa Martinho Marques disse...

FAz todo o sentido.... eles são os verdadeiros "Mestres" no sentido mais amplo da palavra: deviam ser os mais bem pagos e os mais bem preparados... (na Finlândia, os professores são apoiados financeiramente para a realização de cursos de especialização e continuação de estudos e actualização... pois...)
é toda uma forma diferente de encarar a questão... de raiz... em vez de tentar remendar o irremediável... com truques numéricos e paliativos...

Herr Macintosh disse...

na Finlândia, os professores são apoiados financeiramente para a realização de cursos de especialização e continuação de estudos e actualização
Amanhã vou à embaixada da Finlândia ver se não querem lá um professor de História :-) Podia ser que me pagassem o que estou a fazer...

Raul Martins disse...

Para ler e reler.
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O tempo... a forma como colocas a questão do tempo nesta tua belíssima reflexão (que vou passar para os meus colegas, de Matemática e não, cá da casa)lembra-me Exupéry: "-Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante"... Ai se não é importante... O tempo...
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E como são deliciosos os encontros e reencontros na vida. E como os vives!
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E é nos professores que reside a mudança... E trago-te um verso de um poema que hoje coloquei no meu cantinho:

"Tímida, só se prende ou se detém
Pelo amor do que a dá ao que a recebe.
Não vai a ferro e fogo; nem concebe
Que a queiram infiltrar sem ser por bem."
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E olha, eu também só queria deixar-te umas linhas também... e fico por aqui... e segue por esses recantos quaisquer que eles sejam... continua a encantar as pessoas e a fazer com que acreditem que o que fazemos é maravilhoso... E pronto, deixo-te um "molhinho" de abraços.

Teresa Martinho Marques disse...

Oh Raul! Muito obrigada pela partilha e palavras!
Jakim... sei bem do que falas... É sempre a "somar"...

Anónimo disse...

Costumo dizer, meio a brincar, meio a sério, que à medida que vou avançando na idade vou recuando nos anos de escolaridade. Aos 22 anos comecei por ser professora de Matemática do actual 3º ciclo e secundário. Dez anos mais tarde encantei-me com a formação de professores destes níveis de ensino. O encanto permanece até hoje, já lá vão mais de 23 anos. Só que comecei a andar para trás, por intuir que muito do que é verdadeiramente decisivo na relação que se vai estabelecendo com a Matemática começa a tecer-se desde muito cedo. Comecei por “passar” para a formação de professores do 2º ciclo e uns anos mais tarde interessei-me, também, pelo ensino e aprendizagem da Matemática no 1º ciclo.
A minha intuição reforçou-se, transformou-se numa conjectura fortemente plausível, ao ver o entusiasmo e a curiosidade com que crianças de 6, 7, ... 10 anos se envolvem em tarefas matemáticas que lhes suscitam curiosidade, ao ouvir raciocínios surpreendentes que, frequentemente, envolvem ideias matemáticas que, pensava eu, estavam para além da sua compreensão, ao ver o brilhozinho nos olhos quando descobrem algo que, para si, é uma novidade.
É como dizes, Teresa, os professores fazem a diferença e os do 1º e 2º ciclos são quem acompanha “o pedaço mais importante da viagem” que pode conduzir ao ”gosto/sucesso ou desgosto/insucesso”.
Acredito que, na generalidade, cada professor faz, em cada momento, aquilo que considera ser melhor para os seus alunos. Só que aquilo que se crê ser melhor, muitas vezes vai mudando fruto da partilha de experiências, do confronto com perspectivas diferentes das nossas, da reflexão sobre aquilo que fazemos, das leituras que nos levam a olhar as “coisas” com outros olhos.
Mas, de facto, para tudo isto é preciso tempo... Tempo para o que é, realmente, essencial... Para pensar e encontrar meios e condições para que todos os alunos possam aprender uma certa forma de pensar, que designamos por Matemática, que, se ensinada de determinado modo, contribui, tal como outras formas de pensar, para o exercício pleno de uma cidadania responsável.
AninhaR

Teresa Martinho Marques disse...

Tempo... sim... tempo... E, também, vou-me apercebendo agora, materiais de qualidade (para nem tudo precisar de ser remendos da imaginação com os desperdícios àmão, ou gasto de dinheiro dos professores), tecnologias (só tenho encontrado salas nuas, impossibilidade de fazer tanta coisa interessante). Quanto mais se descurar este nível de ensino, mais "pobre" este país será...........

Herr Macintosh disse...

tecnologias (só tenho encontrado salas nuas)
Mas mesmo para as tecnologias é preciso o tal tempo para reflectir, para que as ditas não sejam ou um verniz que se acrescenta como um "after thought" (gosto desta expressão que não fica tão bem quando traduzida) ou uma espécie de banha da cobra que resolve tudo desde as unhas encravadas até aos problemas da queda do cabelo (passando obviamente pela resolução de todos os problemas do ensino).
E depois há as salas que têm tecnologias mas não são utilizadas (porque não houve o tal tempo, porque não se interiorizaram as ferramentas, não se conceptualizou a forma de as integrar no currículo, não se reflectiou sobre o dito, ou simplesmente porque tudo isto é uma maçada e dá um trabalho do caraças e é mais prático continuar a fazer o que sempre se fez). Mas isto dava pano não só para mangas mas para os fatos de um verdadeiro cortejo de Carnaval.
E quem me conhece sabe que não sou contra as tecnologias em si.

Teresa Martinho Marques disse...

Pois.......... eu sei... e penso como tu...

maria disse...

É verdade o que dizes. Cedo me apercebi que o curso de prof do primeiro ciclo era escolhido por não ter mais matemática. Assim grande parte- não tenho números,mas acho que a ESE de Setúbal tem dados sobre isso- dos professores do 1º ciclo tinha um passado com pouco sucesso e afectividade à matemática.
Os anos fundamentais são os do 1º ciclo, quase tudo fica definido. No 2º ciclo ainda se pode fazer alguma coisa para mudar, mas depois já não sei se é possível.