Oh professora, se com dois triângulos fizemos duas figuras e com três fizemos quatro, então é sempre mais uma... acho que com quatro triângulos só conseguimos fazer cinco... Então quantas folhinhas queres que te dê para desenhares as figuras que vais descobrir? (perguntou a Professora)
Bastam cinco...
(aluno de 3º ano... ficaram encantados quando descobriram que podiam fazer mais de dez figuras com 4 triângulos isósceles justapostos com as regras indicadas...)
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Então? Ele já está muito atrasado! É sempre a mesma coisa (diz a Professora apontando para o relógio). Vou zangar-me consigo a sério! Passa mais de meia hora!
Oh professora... ele ontem molhou-se todo e nem traz a mochila nem as coisas... e, olhe professora, ele tem de se descalçar aqui na aula porque os sapatos estão molhados... é a ver se secam...
... a meio da aula...
Teresa, vê lá se os meus sapatos já estão secos...
Não, meu querido, continuam molhados... mas hão-de secar... (um par de sapatos, a minha alma entristecida, um sorriso na boca e uma festinha na cara dele)
(Professora, Mãe e aluno de 1º ano, num bairro difícil)
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Então? Quatro é maior ou mais pequeno do que dois?
É mais pequeno.
Mais pequeno?
Diz-me lá... preferias que eu te desse dois rebuçados ou quatro rebuçados?
Dois...
Dois?
Sim, preferia dois...
Não preferias quatro?
(Outro aluno: era melhor dois, porque os rebuçados fazem mal aos dentes)
Rimos ambas. Eles também. Eu pensei nisso mesmo antes deles o dizerem. É este hábito de olhar pelo outro lado. De não ver apenas o óbvio da questão.Têm razão, claro. E aquele menino não deve sequer estar habituado a comer rebuçados...
Pequei na palavra... oh vil metal!... Com euros resolvemos a questão. Ou quase.
(Estas crianças têm muito mais em que pensar. E não é no Natal... nem em rebuçados, nem em prendas...)
(Professora e aluno de 1º ano, num bairro difícil)
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Sentado na secretária da Professora, informou-me que se quer ir embora e não quer fazer nada... Soube que é deixado na rua sozinho até às 11h da noite, depois de acabar a escola (frequenta o 2º ano). Estão a tentar resolver a situação. Consegui que fizesse uma figura - parecia uma coroa - e um rei por baixo dela, consegui mais duas figuras. Depois, como não é possível estar o tempo todo alguém sentado ao lado dele, desliga e resolve fazer batuques ritmados com lápis sobre a mesa, até ao final da aula... novamente perdido...
Turma com 1º, 2º e 3º ano misturados. Mais de 2o. Juntaram-se a ela, à última hora, três meninas de quarto ano (mais crescidas, porque frequentam uma turma de percurso alternativo, onde parece que o comportamento não é famoso) cuja professora faltou (alunos distribuídos por várias salas). Pelo meio... uma criança com deficiência (pede-me: tira-me uma fotografia com a minha boneca! A única coisa a que presta atenção... penteando-a compulsivamente), outra menina com algum tipo de atraso (problemas de consanguinidade, droga, álcool... são vários os casos na escola)... nada compreende e anda atrás de mim pela sala a pedir que a ajude porque não sabe fazer, o menino que não quer estar ali, vários com dificuldades, um despachado de volta de mim a suplicar por atenção... e a descobrir entusiasmado tudo o que é preciso, ao ritmo esperado, imaginando objectos por cada figura construída.
Então este... é diferente deste?
É.
E porquê?
Porque neste eu pensei num chapéu e neste eu pensei num tubarão... (argumento infalível... mas, a verdade é que a figura obtida era a mesma... e, neste caso, não posso usar nem o argumento da rotação, nem o da reflexão... Na imaginação dele há uma diferença... a Matemática às vezes reduz tudo a um denominador comum pobre e descolorido... Expliquei-lhe... e percebeu a diferença entre os sonhos e a geometria do real e, também, a possibilidade de usar ambos, conforme o que lhe era pedido e a situação... Ficámos amigos à mesma e continuou atrás de mim... Agora este é um túnel... e este é uma carrinha... e este é um avião... :)
Professora da turma feliz, porque a tarefa correu bem... Tinha receio que não resultasse.... Mas esta é uma tarefa poderosa e rica, democrática... permite a todos a produção de algo com sentido... conexões variadas. Até a menina da boneca, ao ver a exploração livre inicial dos outros, largou a boneca e fez uma espécie de árvore de Natal com triângulos, desenhando-os ao seu jeito (a professora nem queria acreditar). A certa altura, uma delas pediu-me mesmo que desenhasse um trenó com o Pai Natal no seu desenho. Desenhei-o. Sorriso grande. Mais pedidos.
Expliquem-me como é possível este cenário... Por que razão há filhos e há enteados para poupar tostões e recursos (essencialmente humanos), sobretudo onde eles são mais precisos. Quantos teriam coragem para estar ali diariamente com o coração pesado por não poderem estender a mão a todos? Quantos teriam sequer a coragem de aguentar ali mais do que um dia? Por certo, muitos dos que discursam de longe sobre educação e sobre métodos infalíveis para resolver todos os problemas, e que parecem desconhecer o mundo para além das suas redomas, não colocariam o dedo no ar e se ofereceriam para a dura experiência. Recordei-me, de repente, dos mais de 20 anos na Luísa Todi...
As meninas do currículo alternativo fizeram um trabalho bonito e ainda as convenci a ajudar os mais pequeninos que me vinham perguntar se as figuras se podiam juntar assim... Pergunta-lhes a elas, que elas são especialistas e como são crescidas sabem melhor. Elas olhavam e diziam com ar orgulhoso e importante: Podes... Essa podes... Está bem construída. No fim mostraram-me o seu trabalho, muito bem colorido e organizado.
Admiro estas mulheres, Professoras, Mães de todos os abandonados pela vida...
A formação é essencialmente sentarmo-nos ao lado delas, fazer o que fazem, oferecer ideias para gerir a diversidade... não apenas com textos, livros (nunca com burocracias distantes, mais papéis, sugestões impraticáveis) mas com exemplos, gestos, universos possíveis de criar... É do que mais precisam. Formar é, antes de qualquer coisa, ser solidário, escutar, ajudar a crescer na acção.
(Turma de primeiro ciclo, num bairro difícil)
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Vinte e cinco anos acabados de fazer. Mais uma das excepções (que não chega à TV) em que um aluno agride verbalmente aos gritos o professor (de forma absolutamente violenta e imprópria) por conta de um telemóvel que, a meio da aula, foi usado para tirar uma foto (já depois de uma primeira advertência) e devido à coragem da jovem professora na resolução da situação, primeiro pedindo, depois enviando o aluno para a Direcção. Confessou-me mais tarde o receio. Justificado. Eu estava lá e sei da histeria e do descontrolo. Da violência do olhar ameaçador. As nossas medidas disciplinares aplicadas como a lei manda: é um aluno que veio "transferido" de outra escola, por conta de um processo disciplinar, e foi integrado na turma (difícil) desta professora numa escola não fácil.
De repente, a Matemática foi a coisa menos importante do dia...
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Ainda algumas imagens de outras tantas viagens feitas na semana que passou...
À hora do almoço de sexta... fui a correr comer qualquer coisa num café onde ia quando era professora na Luísa Todi. A cara da jovem que me atendeu não me era estranha...
Não é a professora Teresa Marques? Sou! E tu foste minha aluna!
Tem agora 19 anos... e quando lhe perguntei em que altura havia sido minha respondeu:
Foi a altura em que a professora estava a cuidar de um pintassilgo bebé que caíu do ninho aqui na escola e levava a gaiola para a aula de Ciências e o soltava para ele voar entre nós e pousar nos nossos cadernos e o alimentava à nossa frente explicando coisas... Eram as aulas de que eu mais gostava.
(identifiquei logo a turma... deu-me notícias de quase todos... )
De repente, todo o cansaço acumulado da semana (ainda por terminar, com os acompanhamentos de aulas à tarde) desapareceu...