sexta-feira, setembro 12, 2008

Eu deambulo, tu deambulas, ela deambula...

Diagnóstico: palavras a mais
Objectivo individual: desenvolver urgentemente a capacidade de síntese.
Indicador: evolução do comprimento das entradas da teia.
Instrumento de medida: régua (de escala validada previamente)
Instrumento de registo: grelha apropriada (unidade de medida a usar: cm).
Resultado esperado: atingir valores entre 3 cm a 5,07 cm de comprimento das entradas. (Os critérios de classificação - em anexo algures - serão estabelecidos em função da percentagem de entradas com determinado comprimento, sendo que o excelente só será atribuído caso 100% das entradas meça 3 cm)
Esclarecimento: Não há necessidade de ler as entradas, a medição será suficiente, já que o tempo não chega para tudo e é preciso operacionalizar e objectivar a avaliação.

(Vim cá acima ao post escrever isto, depois de ter percebido os cinco metros e meio de teia que teci sem dar conta. Há coisas que escrevemos sobretudo para as arrancar do peito, não para ser lidas por outros... não há paciência nem tempo... nos tempos que correm... para ler o que sai da entranha de terceiros com problemas graves na competência de síntese. Está feito o diagnóstico de uma das minhas dificuldades. Se decidirem avançar por aí abaixo... não se queixem depois de não conseguirem diagnosticar como deve ser e se atrasarem para alguma reunião importante... E não me venham cá dizer que se tenho tempo para isto, então mais valia calar-me e ir trabalhar. Acordei mais cedo só para deambular... não prejudiquei o trabalho. Até ver, eu é que decido como uso as minhas madrugadas...)

Ora bem... já coloquei ontem a fotocopiar mais de 100 folhas A3 frente e verso (só para os meus sextos anos)... fazendo a conta a dezenas de turmas do agrupamento e mais de uma centena de professores (só nesta escola)... dá... deixa cá ver... multiplicando por ... e fazendo a conta... é só fazer a conta... pobres árvores, pobre magro orçamento das escolas... vã filosofia a que corria desde há alguns anos de contenção nas cópias (e o plafond reduzido a condizer no cartão electrónico) subitamente interrompida...

Esta coisa dos testes de diagnóstico globalizantes por obrigação para constarem em dossiers e fazerem de indicadores de nem sei exactamente o quê, mesmo quando os professores conhecem os alunos há um ano ou até há dois anos e procedem habitualmente a diagnósticos regulares e menos onerosos...
Eu, por exemplo, faço pequeninos ditados de números, reconhecimento de figuras e sólidos na entrada do 5º, e coloco questões oralmente, ou escritas no quadro, respondidas em papel de cópias desaproveitadas, quando é oportuno e necessário, no início e em qualquer altura, e aplico muitas outras soluções em que a avaliação formativa regular serve também de diagnóstico do que vai acontecendo, das competências em progresso, o que é necessário completar antes de avançar - embora o meu avançar não se mantenha arrumado unidade a unidade e a minha visão do currículo seja mais "holística" e interligada - tudo bem entranhadinho na acção e ajustado à medida de cada turma, cada criança ou grupo de crianças, do ano de escolaridade em causa... e ao próprio estilo e abordagem do professor ou sequência pela qual opta... que nem todos andamos propriamente a seguir os manuais linha a linha. Alguém se lembra da chamada "gestão flexível do currículo" em que por caminhos adequados e diversos podemos chegar aos mesmos objectivos? Alguém se lembra de um indicadorzito da avaliação dos profs sobre "projectos inovadores"? (Respirar aqui que este começo foi denso.)

Solução: se realmente querem prosseguir por esta via... Urgentíssimo um plano tecnológico mais profundo e de longo alcance!!... Todas as salas equipadas com um computador por aluno e resposta digital aos testes que passariam a ser virtuais... com resultados logo tratadinhos e arrumadinhos estatisticamente. Ou isso... ou a pegada ecológica da educação deste país vai ser brutal e terá um impacto nunca antes visto (e nem estou ainda a falar do que já ouvi: salinhas para colocar... todos os portefólios dos professores... e processos gordos cheios de impressos e grelhas... cruzes! Das grelhas não me safarei... mas ninguém verá um papel meu na escola. A net fez-se para quê?) (Breve momento de reflexão tecnológica.)

Se eu tivesse a certeza absoluta de que todo este gasto absurdo era a favor dos alunos... Que esta rigidez, esta inflexibilidade na gestão do trabalho, esta uniformização, fronteirização, "papelarização", burocratização anti-simplex servia melhor a educação... Mas não tenho essa crença. Aliás, até tenho exactamente a convicção contrária. Manobras de diversão. O mais importante não é feito.

Argumentar que assim se desoculta o trabalho de cada um, que fica tudo a nu, que toda a gente tem de trabalhar e mostrar que trabalha (quem trabalhava e quem não trabalhava, quem já fazia e quem nunca fez), que começar o ano a corrigir uma infinidade de testes de crianças que conheço tão bem (e para as quais até nos demos ao trabalho de fazer uma espécie de prova globalizante no final de Junho, com as mesmas características, em jeito de aferição... enfim... já no estilo PAM...) soa-me a falso, não me conforta, não me acrescenta, não nos enriquece...

Depois de passar esta onda... lá terei de fazer então o diagnóstico ao meu jeitinho, ao longo de TODO o ano, que às vezes pode passar tão simplesmente por me sentar ao lado de uma criança e fazer uma pergunta, conversar um bocadinho com ela sobre o trabalho que estamos a fazer ou fizemos... ou iremos fazer... na aula... fora dela... responder a um mail, corrigir um erro ortográfico num blogue seu e procurar que se envolva activamente na correcção da sua escrita, reconhecendo e identificando as dificuldades (bom que se habituem a fazer esses "auto-diagnósticos"). Nada é tão fiável como os gestos deles, as palavras deles, os olhos deles, os interesses deles. Eles são o meu guia durante uma aula inteira. Aula a aula. Dia a dia. Mês a mês. Sobretudo quando os conheço pela primeira vez e tenho de adivinhar os medos, os receios de responder, as inseguranças, a vergonha de dizer "não percebi". Quando finalmente consigo que se sintam em casa, passa a ser tão mais fácil o diagnóstico... Quando o medo desaparece e a confiança se instala, não me largam mais... "oh professora, não percebi nada disso! Oh professora eu não dei isso, eu não sei isso! Podia explicar outra vez?..." (Respirem outra vez, que isto está a ficar complicado...)

No ano passado, o breve diagnóstico que fiz para o PCT deu resultados baixos na minha turminha scratch (mesmo com questões acessíveis) e deu-me também trabalho conseguir limpar os efeitos nefastos de chegar à escola nova e começar a trabalhar com a triste sensação de que se tinha falhado logo à entrada... Há formas mais subtis e úteis de diagnosticar, motivar e ajudar ao longo de todo o ano e não apenas à entrada para, mais do que servir as crianças... salvaguardar a nossa avaliação(?)...
Afinal de nada serviu. Na maioria das vezes de nada serve. Com esse diagnóstico ou sem ele... procuro é ligar-me rapidamente à alma de cada um, dar-lhes o direito a um passado limpo e sem mácula ao entrar na escola nova e grande... e é aí que o verdadeiro diagnóstico e acompanhamento começam, quando a confiança nasce e a exigência grande não causa receio nem espanto, é apenas desafio...
Assim foi. E tudo correu bem. Os Pais satisfeitos, os resultados e progressos óptimos, os miúdos moralizados e motivados para que lhes seja sempre exigido mais. Este ano lá estarei para lhes "queimar mais uns neurónios" como dizia a minha Mada. E a minha Turbêturma lá estará no sétimo ano, como o meu A-team que seguiu já para o nono... E este ano virá nova turma ao meu encontro que não conheço bem, mas passarei a conhecer... porque me distribuirei por várias disciplinas e áreas (o que é um privilégio, já que este ano o horário se equilibrou apenas com 6ºs anos tendo eu herdado uma turma de outro professor).

... como se os papéis pudessem mudar por milagre o que a seguir vai acontecer nas aulas. Como se os meus colegas com 6 e 7 turmas (tenho um colega com 9 - EM) pudessem realmente ajustar tudo o que descobrem a cada turma, a cada criança por conta de um teste diagnóstico... como se um professor sem amor, passasse a amar por obra e graça do papel... Quem acredita nisto? Quem acha que assim se resolvem os problemas do insucesso? Afinal de contas... mesmo sem este exagero... os resultados já foram "tão bons" no ano que passou... Há estratégias menos pesadas e mais em conta para produzir bons resultados. (Chega de pausas... se aguentaram até aqui, já não falta muito.)

Sabem quantas horas passei em casa a visitar os projectos dos alunos, a acompanhar o seu trabalho virtual, a encorajá-los via mail ou a responder a perguntas (síncrona e assincronamente), a diagnosticar, sem o saberem, as suas dificuldades, mas procurando logo ajudar, corrigir, enriquecer o que estava em falta? Quem inventa as coisas que escreve nas mil leis sobrepostas, pressupondo um tempo que não existe (farto-me de o repetir), terá a mínima ideia do que deveria ser a escola neste século XXI? Da importância de um professor com tempo para os alunos e com tempo para si? Para se actualizar? Para estudar? O mundo não está congelado... avança... Não tenho culpa se alguns não aproveitassem esse tempo... O sistema deveria estar preparado para acarinhar e apoiar quem trabalha e prova que tem bons resultados com isso, não para punir toda a gente indiscriminadamente, impedindo quem sempre se dedicou de fazer tão bem feito quanto gostaria e poderia (sim, que às vezes tudo isto me parece bem mais um imenso castigo, um tau-tau de colher de pau, uma coisa assim de vais pró quarto e não jantas, do que propriamente uma estratégia para o sucesso...)

E eu divago, divago... mesmo sem tempo para divagar (tinha de o fazer antes de começar o ano... mesmo que esta entrada seja indigna do que por definição deveria ser um post num blogue...)...
É este desejo de ver os papéis em ordem para depois tentar trabalhar a sério com os alunos até começar a dança das grelhas e da avaliação.
É este desejo de me limpar do cinzento antes de ir ao seu encontro. Saudades deles e das aulas. Sem esta aflição que se sente no ar. Este desconsolo escondido por trás de uma azáfama fingindo que a escola se está a cumprir mais agora, em jeitinho militar de formigueiro. E uma colega que cedeu: licença sem vencimento. (Iria ser uma das avaliadoras.) E outra que se interroga... falta pouco tempo... acho que me vou embora antes (também titular e também avaliadora). Ambas do meu departamento.
(Eu disse que estava quase a chegar ao fim? Não disse nada...)

Em cada dia que passa tomo consciência da cada vez maior importância da decisão que me manteve no certo caminho para a pessoa que sou e queria continuar a ser. Passei de primeira a quinta do grupo. Agora sou apenas a primeira das Professoras sem título de nobreza. E esse é exactamente o pódium em que quero estar. Pelo menos tenho um bocadito de ar a mais para respirar (enquanto os avaliadores, mais uma vez, andam às voltas com formação, formação, formação para fazerem aquilo que ouvi há dois dias repetidas vezes na TV - canal um: este ano lectivo vai trazer um desafio novo para os professores que serão avaliados pela "primeira vez"...)
Pela primeira vez... O povo deve ter ficado estarrecido... Eu cá fiquei.

Se não confiavam na avaliação que sempre tivemos (vão confiar mais nesta???), que dizer da dos pais e dos alunos que senti sempre do meu lado e me deixavam com a consciência serena do dever bem cumprido? Somos avaliados todos os dias. O nosso trabalho exposto a todos os olhares. Frequentemente fui professora de filhotes de colegas, funcionários, pessoas que me conheciam... Os meus alunos seguem para as mãos dos colegas do terceiro ciclo... é possível realmente esconder o que fazemos e quem somos? Viver mais de 20 anos sem ser avaliado? Como explicar se agora vier a ter mais insucesso na minha avaliação feita pelos pares, com as novas grelhas e indicadores tão precisos e válidos, se os outros indicadores continuarem a revelar que mereceria mais no que é essencial? Como explicar que essa avaliação já não me vai levar a mais lado nenhum, portanto não constitui em si motivação para fazer melhor? Era assim para premiar o mérito, dizia-se. Seria? Será?
Felizmente para o sistema eu não funciono com cenoura. É mesmo só amor. Que traz sempre com ele o sentido de responsabilidade e a consciência da importância da missão. Não deixo de ser quem sempre tenho sido.
(Sim, eu sei, menti-vos... ainda faltava muito... juro que agora é mesmo só mais um pedacinho...)


Perdoem-me os que acreditam em tudo isto. Os que acham que agora sim estamos no certo caminho. Eu cá sou mesmo um animal estranho, com mais feitio de aranha, borboleta e cigarra do que de formiga. E até trabalho muito. Se for trabalho-causa de boas consequências para os alunos, por gosto, que não cansa. Se me deixarem ser na diferença em que acredito.
Mas gosto de cantar pelo meio, e de colher flores, e de escrever poesia, e de fazer festas aos gatos, e de me sentar só a olhar e a pensar, e gosto de ler e de reler e, sobretudo, de ter tempo para conversar com eles, para estar com eles noutros tempos não formatados por uma estrutura que já não (n)os serve.
Ter esse tempo de qualidade para me renovar, para nos saborearmos, permite-me uma energia especial junto deles. E eles precisam tanto dessa minha paciência disponível que os acalma, que os agita e que os move...
Esse colo, esse ninho com asas.
Quero sentir que cada gesto, cada papel, cada reunião tem um sentido, é útil.
Quero ir feliz para a escola, todos os dias, com muitas coisas para partilhar com eles.


Se não puder viver, se não puder respirar, se o peso do desencanto me vergar, partilho o quê?
Serei professora como?

9 comentários:

João Paulo Proença disse...

Teresa M.

Obrigado sincero pela partilha do desabafo.

Afinal estás viva e fazes-me reviver.

Obrigado

João P.

EMD disse...

Que te dizer, Teresa?
Acertaste na medida das ideias e das palavras, provando que não é com réguas absurdas que se avalia a dignidade humana.
Pois é disso que se tata: de pôr em causa a dignidade do nosso trabalho e de nós como pessoas, alunos e professores que passamos a vida a avaliar-nos, reciprocamente.
Sorte a dos teus alunos por seres quem és!
Beijocas repenicadas

Anónimo disse...

Como me frevejo nas tuas "poucas" palavras!
Preciso de tempo para o que realmente importa:
ELES!
Como odeio papeis que nada contribuem para os meus objectivos.
Mas este ano vou estar debaixo de toneladas de papel. Então agora que também tenho ciências... mais papeis ainda... e mais ... e
mais!
Mª João

IC disse...

3za, li tudo e não é preciso comentar - tu sabes como te compreendo e te admiro.
Vou só referir-me aos 'testes de diagnóstico' especificamente. Quando comecei a ler não estava a perceber bem, já estava a perguntar-me: Como assim? A Teresa não vai dar 'pancada' nos testes de diagnóstico? (Esses testes feitos logo no início do ano formalmente, ainda por cima a seguir a os miúdos terem estado três meses de férias, que às vezes até parece que se varreu tudo o que aprenderam - mas não varreu, não) Mas não podia ser, e logo vi a seguir que deste mesmo "pancada". Até me apetecia sugerir-te (mas não sugiro, os teus leitores lerão tudo) que publicasses outro post só com uns excertos pequenos sobre 'diagnóstico', só uns, como por exemplo: "Depois de passar esta onda... lá terei de fazer então o diagnóstico ao meu jeitinho, ao longo de TODO o ano, que às vezes pode passar tão simplesmente por me sentar ao lado de uma criança (...)"
E mais não comento ;)))
Um grande beijinho e... em frente com força!

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada pelas vossas palavras...

Andamos mesmo com tanta coisa presa no peito...

Beijinho

Úlia disse...

Conheço-te bem, Teresa. Lembro-te muitas vezes. Conheço a tua "descrição e simplicidade". Mas abre esta mensagem aos que não "teiam" contigo, aos que não sabem, ou não querem saber, o que é SER PROFESSOR.
Quero continuar a encontrar-te nos "caminhos" da ESCOLA, que sejas uma das "orientadoras" da Pérola a quem auguro uma ESCOLA FELIZ. Se a vires por aí... chama-se Vera. Tem um aninho...é prolongamento de uma geração...
Um obrigado pelas palavras que tão bem sabes transmitir aos colegas em fase de tão grande insatisfação.
Um abraço da colega que te recorda.

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada pelo teu carinho... por me lembrares. Por confiares... :)
Todos juntos podemos ir espalhando a verdade do que se passa. Sinto que a dormência às vezes se instala nas pessoas, de tão cansadas e desencantadas que estão a ficar... automatizam os gestos, seguem em frente sem um sorriso.
Muitos beijinhos

henrique santos disse...

Neste blog respira-se humanidade e sabedoria.

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada Henrique. Não sei como conseguem em certos momentos ter paciência para chegar ao fim de tanta linha... só posso agradecer o vosso carinho e apoio!