O Kiko continua a falar comigo todos os dias (apanha-me no gmail... e lá me desafia no chat por dois minutos). Há dois dias falou em novidades no blogue... e eu fui LÁ... e já lhe deixei conselhos, porque quando se quer criar uma espécie não endémica, ela não pode ser solta no habitat, correndo-se o risco de interferir na biodiversidade (por exemplo tornando-se dominante e exaurindo os recursos de outra nossa com a qual tenha de competir por alimento...).
Há paixões que semeamos, depois é preciso acompanhá-las... são assim uma espécie de responsabilidade... enquanto ele quiser...
Mas aquilo que me fez vir até aqui foi outra coisa.
Eu também sei que a solução não é colocar computadores nas mãos de todos (não se fazem melhores cidadãos assim instantaneamente, já o disse muitas vezes), como até posso aceitar os estudos que dizem fazer mal aos mais pequenos mais do que x horas com um computador, em casa... na escola... e etc.
E bem sabem que reclamo muitas vezes do tempo que não tenho (porque me foi tirado) para os educar para a tecnologia (e não só...) e...
Mas olho para a soberba evolução dos escritos do Kiko desde que o conheci (e podem ir ler alguns dos primeiros do blogue dele) com a convicção de que a paixão pelas borboletas teve um papel (e ele aí anda pelo campo, ao ar livre, não é obeso, pelo contrário), o computador teve outro (a possibilidade de partilhar essa paixão, de arrastar outros com ele, de encontrar quem partilhe do seu interesse, de a cultivar), a família tem feito o seu (acarinhando este interesse... o Kiko vai ao Lagartagis, o Kiko é sócio, o Kiko pode comprar crisálidas pela Internet...), eu tive o meu enquanto professora (despertar paixões, partilhar o meu blogue, preocupar-me com a sua educação para as TIC, criarmos o turbêturma... o desejo de criar o seu blogue... a minha exigência com a escrita...).
OK. Posto isto, falemos de outras coisas mais ou menos óbvias.
Fast-food na barriga dos miúdos? Bolos? Refrigerantes? PSPs? Telemóveis? Jogos e mais jogos? Falta de exercício? Muita TV? Prisão na escola o dia todo? (hoje um dos meus disse que fica por lá o dia inteiro, pois apenas o podem ir buscar às 18:30... já no ano anterior era assim).
Foi o mundo que fizemos para eles... Em cada família se vai gerindo a oferta e os benefícios/malefícios de certas escolhas, ou da frequência de uso seja lá do que for. Os alimentos estão por aí... quem faz as escolhas, as combinações e a receita de_vida são as pessoas. A escola tenta ajudar no que pode mas é cada vez mais complicado. Ninguém tem tempo para nada e andamos a correr e a fingir muitas vezes que nos preocupamos deveras com tudo isto. Agora estamos muito preocupados com os malefícios do computador e da Internet e até da influência negativa destes na já deficiente aprendizagem dos básicos... passou a ser moda bater no computador porque ele não só não salva, como também pode destruir.
Eu cá, apesar de tudo, até acho que, COM A DEVIDA ORIENTAÇÃO (como em tudo na vida, afinal) é mais produtivo um computador bem usado do que muitas das, desculpem a expressão, porcarias que os miúdos têm à mão ao longo do dia, sem qualquer tipo de mediação ou controlo parental. E, muitas delas, imagine-se, para além da via dos olhos, até são colocadas no interior do seu corpo por via da boca! Pasmemo-nos!
Afinal de contas até na Finlândia uma arma pode ser bem ou mal usada. Como um garfo ou uma faca. Qualquer objecto, mesmo o mais insuspeito, tem potencial de morte. Já todos sabemos isto. O que determina o gesto não é o objecto, é a pessoa. Não deixar as crianças aproximar-se de nada do que muito eventual e remotamente possa constituir um risco (atenção, há muita coisa a colocar nesta lista se formos criativos, não batam só nos computadores) é uma estratégia que faz sentido? Pensemos bem...
Eu nunca me queixo do que me dão. Só me queixo do que nos tiram (como o tempo) que poderia ajudar a fazer realmente melhores cidadãos com as coisas que se oferecem às crianças. Com as coisas que habitam o seu mundo, as coisas que compramos e colocamos dentro de casa. Gestos nossos (quem não quer comprar computadores não compra, certo? Ninguém é obrigado a ter nada que não queira junto dos seus rebentos. Pelo menos em casa... onde pode mais facilmente proibir... já na rua...)
(Muitos alunos meus - palavras de pais, âmbito da tese - passaram a jogar menos em casa, a ver menos televisão... para, em vez disso, pensar, trabalhar e construir projectos bem difíceis no Scratch... ou escrever nos seus blogues. Esse fenómeno está a começar a acontecer com as novas crianças recrutadas para o Clube Scratch Time... aprender a pensar com a ajuda de um computador pode fazer toda a diferença, aprender a raciocinar, a escrever... uma das alunas dizia-me que tinha vergonha de escrever porque dava muitos erros... se vissem a felicidade dela ao perceber que ali era possível escrever histórias e depois corrigir os erros e depois mostrar na internet a beleza do seu trabalho... assim se vai reconstruindo a confiança perdida... não é Mia? Não é Kiko? E tantos outros que já me passaram pelas mãos... Ontem duas pequenitas andavam às voltas com um tubarão... queriam que desse uma volta completa... pusemos virar 1... mas ele não virou... e aí pusemos 1000000 e ele virou um bocadinho - elas não se aperceberam do movimento de volta completa várias vezes - e depois pusemos 1000000000000 assim muito! Falei com elas e vamos começar a experimentar os valores de forma mais organizada e apontando num papel... expliquei que vão aprender algo importante sobre ângulos, vão investigar, vão fazer matemática... olhos brilhantes... alegria incontida... acabaram de chegar do primeiro ciclo... o computador vai ser a perdição delas na parca hora e meia semanal que tenho para lhes oferecer.) NAda disto é incompatível com passeios ao ar livre, exercício físico... Bem os vejo de bicicleta por aqui... e sei das muitas actividades desportivas que desenvolvem. Opções.
Termino com algumas das palavras de Ferreira Fernandes:
(...) Aliás, os computadores só são a mais recente das indecências com que se corrompem as nossas criancinhas. O próprio ler já é grave. Começa-se a soletrar, passa-se a folhear O Primo Basílio e daí é um passo até ao desagregar da família. Por isso o mais importante que há para dizer do Magalhães é que ele pode levar a marotices. Que ele nos abre o mundo, como aquele que lhe deu o nome, é de somenos. Desliguem-se os Magalhães! E, já agora, partam-se os lápis (sem controlo parental, um lápis pode desenhar coisas que eu sei lá...)
4 comentários:
Na mouche, como sempre.
:)
Tanta coisa importante que podia e devia ser discutida... muito a montante do ter ou não ter, dar ou não dar... eles já estão nas mãos de muitos miúdos há tanto tempo! Isto só alargará o universo... e se os miúdos até decidirem levar máquinas para a aula (há uns quantos, muitos, com medo de serem roubados...) eu até agradecia... porque com a pobreza de recursos que tenho ao meu dispor, pouco consigo fazer para além do que vou tentando... e há projectos inviabilizados à partida (por exemplo a minha turminha que iniciou o projecto scratch no ano que passou não pode continuá-lo este ano porque não tem horas para ir à única sala de computadores -sempre ocupada) :(
Consigo perceber o seu empenho pelos alunos e a sua dedicação aos mesmos através das suas palavras. Mas não posso estar mais em desacordo consigo no que se refere às novas tecnologias aplicadas nas escolas. Em alguns Estados Norte Americanos, os computadores já estão a ser retirados das escolas e em Portugal, faz-se o contrário...
Como diz no seu post, os pais até dizem que os seus filhos já não vêm televisão nem brincam, pois preferem ir para o computador.
É urgente que brinquem, que esfolem os joelhos e que inventem jogos. É urgente que leiam livros; sim, livros, daqueles que têm folhas de papel e que se lêm em qualquer lado. Não nego a importância da utilização de um computador. Não nego a sua importância no "desbravar" de coisas novas e desconhecidas. Mas a sua dependência, causa-me repulsa. Provavelmente precisará de provar que o stratch desenvolve aptidões cognitivas nas crianças (eu prefiro achá-lo limitado enquanto resultado final). Percebo que defende um computador por cada aluno (ainda que seja o Magalhães - com tantas limitações e com as crianças, até agora, a "devorarem-no" para aceder a jogos). Eu defendo um computador por sala. Para quando for necessário.
Já não suporto as "pesquisas" sempre feitas no computador, o power point como resultado final de um trabalho, agora o stratch, depois as letras para as capas, SEMPRE executadas em word...
Quero e desejo ter alunos a discutir livros e cinema, a fazer dramatização nas aulas, a inventar e criar com a sua cabeça coisas que são feitas com as suas mãos. Desejo alunos que saibam ler e escrever correctamente e que saibam fazer divisões sem uma máquina calculadora.
também eu me considero uma professora aplicada. Também eu desejo tanto para os meus alunos. O problema é que caminho num percurso paralelo. Desejo do ensino, da escola, dos colegas, outro tipo de sonhos e de exigências. E os resultados são positivos. E os miúdos até gostam estão a gostar de não ter de depender de um computador para solucionar os seus (hoje todos) os problemas - Imprimir trabalhos, fazer pesquisas, apresentar trabalhos e mais um cem número de outras coisas. Até porque muitos não o têm.
Caminho efectivamente numa estrada paralela a esta que defende. Sei que não estou sózinha, mas caminhar em paralelo, por vezes é difícil. É que, como se sabe, duas linhas paralelas nunca se encontram.
Desejo-lhe os maiores sucessos.
A primeira resposta que dei a este comentário foi muito longa... retirei-a por sentir que não tenho de me justificar. Se se passear um pouco mais pela teia, perceberá que fazemos um trabalho muito semelhante... :) Continuação de bom trabalho!
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