Entraram os dois, muito pequeninos (5.º ano), no turno da tarde do Clube Scratch time onde estão os grandes. Percebe-se o entusiasmo que o desafio representa e este cheiro de coisa nova é do mais saboroso que há. Calhou ir até lá dar apoio à sessão (no contexto do trabalho do CCTIC de apoio a projetos nas escolas) e ter a possibilidade de os receber de folhinha de inscrição na mão e um sorriso imenso.
O Rafa já conhece o programa. Disse, mal chegou, O meu pai instalou e eu já usei... E como foi que o teu pai descobriu? Não sei... ele é técnico de informática!
O Bernardo avança depressa. Está no 9.º ano e disse que em Lisboa frequenta um curso de design gráfico. Que lá o Scratch se usa assim como que para explicar várias coisas, porque tem tudo. Quer fazer um jogo e juntos identificámos problemas, colocámos hipóteses. As dele levaram a melhores respostas. Ao lado a Caddy e a Madalena (pioneiras no uso do Scratch em Azeitão, agora no 9.º ano) ajudam colegas de 7.º ano.
A Andreia desenha, explora, inicia-se no uso do Scratch. O Rafa, seu colega de turma, dá uma ajuda.
Depois decidimos fazer uma animação. Como poderias fazer o sapo piscar o olho? Isso é fácil! Diz o Rafa. Deixo-o tentar. Tem duas figuras, uma com o olho aberto, outra com o olho fechado. Inicia com o comando “quando clicar em tecla espaço”... e começa a construir o bloco de comandos que darão a ordem ao sapo para abrir e fechar o olho, quando a tecla espaço for clicada. No fundo, tem de arranjar uma forma de fazer a sequência saltar de uma figura para outra. Encaixa os dois comandos: “vai para o traje 1” e “vai para o traje 2”. Deixo-o encaixar estes dois comandos um a seguir ao outro, sabendo o que vai acontecer. A animação fica rápida demais. E agora? Pergunto eu... Se uma coisa anda depressa demais o que podemos fazer? Pedir para o sapo esperar... é preciso tempo..., diz o Rafa. Vou usar o comando “espera” e encaixá-lo entre os outros dois. Arrasta o comando para a zona de programação e muda o tempo de um segundo para 10. Oh... não parece estar a acontecer nada! ... Ah! Agora fechou o olho... Digo-lhe: Rafa, olha para mim. Quanto duram 10 segundos? Fecho o meu olho... ele olha para o relógio e nem espera... Ah, pois é! É muito tempo! Muda o tempo para 3 segundos. Rafa, olha para mim... vamos contar o tempo... e fecho o olho novamente... Ah! De imediato... Ainda é muito tempo! Escreve 1 segundo. Melhora, mas não resolve. Tem de ser ainda menos, Rafa! Hummmm menor que um... ( e maior que zero, digo eu). Escreve 0,3... depois 0,2.... Excelente. Mas só acontece uma vez! reclama ele... Pois... Queres que esteja sempre a fazer? Olha para os comandos de controlo... E o Rafa rapidamente percebe que tem de usar um comando que obrigue a um ciclo contínuo de ação e vai buscar o “para sempre”. Perfeito!
Sabem, Rafa e Andreia, programar é conversar com o computador... e ele só percebe o que tem de fazer, se formos rigorosos nas instruções. Meias palavras não chegam, como entre nós. Ele não pensa... ele faz o que tu lhe mandares fazer. Quem tem de pensar são as pessoas.
E depois podemos fazer coisas mais complicadas?
Podem sim... mas quando começaram a aprender a ler e a escrever, começaram logo com livros do Harry Potter? Riem-se... Não... Primeiro foram as letras... Ok. Então tenham paciência... Estão a aprender uma língua nova... a língua com a qual falamos com os computadores. Quando menos derem por ela... Estão a conversar com eles tu cá tu lá.
A educação deve ser tecida com diálogos exigentes de construção. As crianças podem ir muito mais longe do que imaginamos... com as perguntas certas, com a provocação constante, com esperas adequadas, com desafios crescentes. Se for olhar para as metas de aprendizagem (TIC, Matemática, ...), por certo que vou encontrar por lá enquadramento para uma série de aprendizagens como esta (e muitas mais). As ferramentas podem ser várias, mais ou menos tecnológicas, mas o elemento humano e a mediação são indispensáveis. O professor é sempre essencial e insubstituível, por mais que as tecnologias se aperfeiçoem.
Olho para a Madalena e para a Caddy, agora no 9.º ano, e penso que sou feliz por ter o privilégio de poder assistir ao vivo ao milagre da metamorfose do pensamento: que borboletas lindas sairam das crisálidas!