sábado, novembro 23, 2013

O que nos salva?

... Os caracóis louros da Inês que ontem me dizia: "é tão bom ter assim uma coisa que eu fiz a ver-se na internet!" (referindo-se às suas soluções para um exercício da sala de estudo virtual que estou a construir nas horas que não tenho).

Hoje (depois de 45 minutos onde aprenderam a fazer o registo regular da sua autoavaliação em cada aula e aprenderam, também, a usar a ficha de autoavaliação - igual à minha de caderneta - onde podem transparentemente aplicar os critérios da escola, tal como eu o faço), quando perguntei se haviam feito o TPC e trazido o material, a Inês respondeu: "TUDO!" (código para: está tudo feito e tenho o material todo). Logo de seguida, acrescentou em jeitinho de suspiro feliz: "gosto tanto de ouvir a minha voz a dizer TUDO..."

 
Sim, sim... pecado dos pecados, Sr Crato me confesso, gasto tempo da aula de matemática sem fazer matemática, num 6.º ano, turma difícil de 30 alunos, dois alunos com necessidades educativas especiais acompanhados por uma professora do ensino especial, problemas de comportamento que venho resolvendo um a um (um dos últimos a ser resolvido está a produzir um aluno que também faz materiais para a sala de estudo virtual, está sentado com mais duas colegas, para não ficar ao fundo de uma sala num barracão frio no jardim, e hoje me disse que no ano passado nunca fez um trabalho de casa e ainda agradeceu às colegas terem aceite que ele ficasse na pontinha da mesa delas...). 



Acrescento que terei de dar a matéria toda do 6.º ano em apenas dois períodos letivos e não três, porque o MEC decidiu que estas crianças têm de fazer o exame em maio, durante o tempo de aulas e não após o seu término... 

No dia em que professores como eu 
(os mais penalizados, porque com cada vez menos condições tentam ir sempre protegendo os alunos destes abusos e absurdos, com sacrifício do seu tempo pessoal e familiar, procurando oferecer-lhes o melhor, apesar dos pesares) 
baixarem os braços de cansaço e desapontamento e se afastarem com rescisões ou reformas antecipadas
(porque somos a parte mais "cara" deste grupo profissional - com 30 aos de serviço, e todos os cortes, recebo um ordenado bruto de 1700 euros que vai baixar em breve... Compare-se este vencimento com os dos meninos assessores que rodeiam quem nos governa e percebe-se para onde vai o nosso sacrifício)  
ou forem afastados por mecanismos pensados para os tornar excedentes - aumento do número de alunos por turma e redução do número de turmas no público - processo já iniciado -
chegaremos finalmente ao fundo do poço em que a educação pública se está a transformar.

Não falta tanto tempo assim... e ninguém será punido pelo crime que está a ser cometido. Poucos se importarão. Triste que quem nos tutela crie as condições para perpetuar as diferenças de oportunidade e nos vá iludindo a todos com uma falsa sensação de que há (haverá) escolha, com medidas de ocultas intenções. Pena que o real seja uma história completamente diferente... 

O que nos salva?
As crianças... 
(Pelo menos para mim, enquanto aguentar o cansaço e conseguir energia suficiente para as proteger de tudo o que tem sido feito nos últimos anos.)

Mas confesso ir já pensando muitas vezes em como me proteger quando me roubarem de vez a alegria de ensinar e a energia para o fazer. E penso vezes demais nisso desde o governo anterior, sem saber que o que se seguiria ainda seria pior. 
Estou a testar o limite da minha resistência... e quando isso acontece a alguém como eu (a professores como eu), o que nos vai salvar depois?

Nada...



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