quinta-feira, abril 29, 2010

Maçã cortadinha, ternura, sombra_luz, cair... sacudir o pó e seguir caminho

Nem sempre é fácil.
Em boa verdade nunca é fácil.
Às vezes parece que desliza. Outras vezes esquecemos que já deslizou e parece que nunca mais vai acontecer. Desalentamos. Proferimos palavras de desencantamento para nós. Pensamos que mudar de vida seria uma boa ideia.
Não é bom combinar corpo cansado com avaliação de alunos, doença, desilusões com os resultados deles (e com o nosso próprio trabalho). Tudo parece mais sombra, ainda que a luz prove a sua existência através dela.
Esta semana tem sido assim. Algures entre paracetamol, ibuprofeno e antibiótico, tosse constante, um mar infinito entre cérebro e nariz... insistir em cumprir todos os caminhos para que nada se atrase. Fico mais doente se parar.


Fazer dois testes numa aula (faço muitas vezes isso: tema antigo, tema novo, duas notas)... corrigi-los noite fora para perceber como estão os meninos, que rumo seguir, dar-lhes retorno rápido para que as vontades não se percam e os sermões surtam efeito. Ao mesmo tempo ir gerindo as sessões de formação de professores, a reunião da equipa, mais dois acompanhamentos em sala de aula, mais dois meios portefólios para ler.
O desespero de ver alguns a regredir esquecendo o que supostamente já haviam provado dominar (quase nem reparamos nos que avançaram, fazendo coisas que antes provaram não ser capazes de fazer). O desespero de encontrar erros graves de quem parece não dominar a mais simples das divisões, o cálculo mental, a tabuada... A dispersão de interesses, a falta de treino, as longas férias da Páscoa apagando muita coisa... e a eterna questão que não recuso: "onde estou a falhar?" Ter de começar de novo, sem tempo, um programa extenso... a impaciência, a conversa sem pedir a palavra, a aula que não começa porque o recreio foi intenso e vem colado a eles.
Ai que tenho sede. Quero fazer xi-xi. Ninguém sai. Tragam água, já disse. Intervalos... wc. Não pode ser. Todos os dias a mesma coisa. Têm de crescer. Têm mesmo de crescer.Gastamos imenso tempo com estas coisas!
Corrigir as fichas com a sensação de que errámos a profissão, que seria bom não sentir esta angústia... em surdina ranger dentes... dizer mal de nós, deles, da sociedade, daquilo em que a escola lentamente se torna, da indiferença, da falta de persistência, de cuidado, de rigor... deste cancro a crescer.
Decididamente quando o corpo adoece, não devíamos fazer nem pensar em coisas importantes. O copo fica todo ele meio-vazio, a vida toda ela ensombrada. Acinzentada. Nem vim à teia... (Só falar da sombra sem perceber onde está a luz é algo que deprime e não ajuda.)

Tentar encontrar a paciência possível quase exaurida a ver alguns dos testes. Pensar numa estratégia para a aula de correcção, de começar de novo, de os trazer até mim, de os fazer escutar as minhas razões. Inspirar fundo. Escola. aqui vou eu.
Entrar na sala de professores. Olhar para a vitrina da espécie de mini-bar que por lá existe que a D. Alice faz parecer tão grande com a sua arte e entrega. Não ver uma tacinha de morangos cortados à minha espera.
Oh, D. Alice.... não há frutinha...
Há sim professora... aqui... tem maçã, tem banana...
Mas está inteira, D. Alice... saudades de ser pequenina e de estar doente na cama com a Mãe ao pé para nos trazer canja e fruta cortadinha... Quando crescemos temos de fazer a canja a nós próprios... (suspirei com ar algures entre o dramático e o melancólico-nostálgico)
Oh professora... fruta cortadinha assim já tão crescida?
Riu-se... Leu-me o olhar menos brilhante... o tom choradinho de doentinha.
Queria uma maçã cortadinha?
Eu cá queria...
(quase beicinho)
E ela foi cortá-la e ficámos conversando enquanto o fazia. E eu sentei-me sozinha a comê-la, como se a Mãe ma tivesse trazido à cama. Saboreando a ternura que acabava de me inspirar o dia...
Devolvi o prato...
Obrigada, D.Alice. Só não digo obrigada Mamã porque somos as duas crescidas e a D. Alice deve ser mais nova do que eu. Riu-se.
Estava traçado o tom para o que se iria seguir.
Aula. Avisar que não darei o último tempo do clube por não me sentir muito bem, estando com eles apenas nos dois primeiros tempos (não está no meu horário, é uma hora que dou do meu bolso). Distribuir testes e conversar um pouco sobre a natureza dos resultados. Tentar perceber as razões. Escutar as confissões... Pois... não estudei não. Eu ainda não percebi bem a diferença entre múltiplo e divisor.Ver as imensas alegrias nos olhos de quem tinha dificuldades e as superou e o embaraço de quem tinha boas notas e as desceu. Eu melhorei não melhorei? Achas que preciso de te responder? Precisam que lhes diga o óbvio. Nem sempre digo. Sei quando é preciso e quando não devo dizer.
Ai este carrocel!
Ganhámos coragem, estamos já todos motivados para esclarecer dúvidas, voltar ao princípio, ir corrigindo e aprendendo mais coisas pelo caminho... A aula correu bem. Começo a entusiasmar-me com eles e com as coisas todas da aula e entro em modo furacão.
Oh professora, tenha calma. Se isto é a professora doente... nem quero ver quando está bem!

O TPC? Acabem a correcção do segundo teste... sozinhos... nem pai, nem mãe nem explicador. Anotem as dúvidas, tragam para a próxima aula.
Ah! Quem quiser... hoje no primeiro tempo do Clube Scratch time (espaço também dedicado ao Apoio de Matemática) pode juntar-se ao Bruno e ao Benny e avançar na correcção. Assim eu estou lá e posso ir ajudando e esclarecendo...
Pareceu-me ver alguns com vontade...
Clube...

Um grupo de volta da Matemática (muitos nem chegaram a ir aos computadores). Alguns alunos que não são da minha turma, apenas frequentam o Clube, juntaram-se a eles... (desafiei quem precisasse, desejasse trabalhar um pouco de Matemática ou esclarecer algumas dúvidas... e dois aderiram à ideia).

Foi um entusiasmo grande. E foi bom ver os meus dois "Bês" a conseguir finalmente resolver todas as expressões sem erros...




E foi bom ver os outros a encontrar divisores sem erros de cálculo.... Uma espécie de luz a começar a inundar-me novamente os sentidos... as trevas a serem varridas devagarinho... Afinal até gosto disto de ser professora. Gosto. Mas gosto mais quando são menos à minha volta, quando não é aquela massa grande espalhada pela sala, quando posso sentar-me pertinho deles sem ordem, sem plano, ao sabor do que vai acontecendo...
A Débora pediu a câmara (começa a ser hábito) e lá foi fazendo a reportagem (dezenas e dezenas de fotos que só em casa descubro). Hoje, sem flash, algumas ficaram pouco nítidas, mas é um testemunho da esperança que aos poucos regressa. (Regressa sempre, mas enfim... A nossa memória é fraca e achamos sempre que nunca mais vai regressar...). Obrigada, Débora, por todas as surpresas boas e as recordações que me vais garantir! (Durante a sessão mostrei-lhes a todos como usei as suas fotos anteriores... com o devido crédito. Sentiu-se orgulhosa e... por variadas razões... é algo importante e necessário).
Todas as fotos de hoje são dela.


A Inês, sozinha, corrigindo alguns dos seus erros foi pedindo ajuda... numa luta com um dos exercícios da ficha onde era necessário encontrar múltiplos de 11 num vasto conjunto de números... onde não apareciam apenas os habituais 22, 33, 44...


Não lhes torno a vida fácil. Hoje expliquei que um bom treinador não ensina apenas a técnica da "coisa"... ensina a jogar sob stress, amplia os desafios, coloca-os sob tensão... para que possam jogar bem... mesmo aflitos, mesmo vaiados, mesmo com medo... Prefiro fazer algumas avaliações sabendo que alguns andam distraídos e a coisa não vai correr tão bem... mesmo depois suportando o desalento de não encontrar os excelentes resultados de que os professores tanto gostam... por parecer que validam a nossa competência... depois de umas revisões de véspera onde até se fazem exercícios semelhantes para evitar o pior. Recuso-me. Mesmo que depois tenha de sofrer... eles ficam aborrecidos por descerem notas, aprendem a gerir a frustação e ficam mais atentos à correcção tomando maior consciência das dúvidas. O teste é uma ferramenta de trabalho, de aprendizagem, completamente entranhada no nosso trabalho de construção de conhecimento.
A meio da sessão um dos alunos que não é meu perguntou aos outros: já fizeram "o" teste do Período? resposta dos outros: "o" teste? A nossa professora faz muitos de várias coisas, não faz só um. Temos de estar sempre preparados!
Já quase todos tinham saído, quando a Inês me chamou por causa de uma "descoberta"... Deixei-a para o fim e fui sentar-me com ela já no intervalo. Aos primeiros minutos, percebi que era coisa "grande" e fui buscar a máquina. Deixo o testemunho...
Dizia-me no fim: aprendemos coisas até nas fichas de avaliação! Se eu tivesse descoberto isto no dia da ficha não tinha tido este exercício incompleto!

Se me empenho em ensinar-lhes o valor da persistência, a importante competência de dar a volta, de enfrentar os desafios sem desistir, de olhar os problemas de frente, de pensar com lógica, de trabalhar sempre mais para conseguir melhor... não tenho o direito a dar um exemplo contrário. Hoje também aprendi essa lição. Tenho de confiar mais neles e em mim. Acreditar que sou capaz, que somos capazes. E aconteceu magia. Mais uma vez. Como sempre. Eu sei. O corpo é que se esquece quando anda cansado.
Foi um dia belo. Foi.
Por alguma razão veio-me à ideia uma canção de que gosto muito (cantada pela Diana Krall)... Acho que é um excelente ponto final para o dia e para esta entrada da teia.
(Vem aí quase quase o fim-de-semana... Prometo, a quem está por aí mentalmente a ralhar comigo, descansar tudo o que for possível!)



4 comentários:

JMA disse...

Prefiro aplaudir!

Teresa Martinho Marques disse...

Ohhhhh
(Obrigada!)

E, sim, estou a ter juízo (nem que seja apenas ao fim-de-semana) :)

Anónimo disse...

então, estás melhor? Diz à D. Alice, que um dia passo por lá...
ij

Teresa Martinho Marques disse...

Vou melhorando.... :) :)