terça-feira, fevereiro 12, 2008

O Caderno, minha Teia



Querida Teia, meu amigo Caderno

Hoje estou cheia de sentimentos contraditórios. E de sono.
Um dia na escola. Inteiro. Mais um. Testes para ver. Sei da aflição que sentirei com a regressão de alguns. Já a antecipei num breve olhar, já comentei ainda na aula, já os questionei, me questionei. Que a matemática não se vive apenas duas vezes por semana hora e meia em cada. Não nunca e muito menos no sexto ano. Que não podem deslembrar nem um minuto. Que esquecem se não regressarem lá, ao caderno de todas as coisas, aos problemas. Persistência. Empenho. Também saberei mais logo da alegria ao olhar para o trabalho de alguns que prova a ausência da estratégia de formação de "fotocopiadores" de métodos para os mesmo problemas - resolução criativa, diferente de aluno para aluno, numa avaliação de surpresa, sem aviso, sem revisões, sem formatações para condicionar resultados. Tenho de me pôr à prova, de os pôr à prova. Ou ficarei sem saber. E eu quero saber... a verdade. Ai querida Teia, já devia estar habituada, mas não estou. Sofro, mesmo sabendo que sexta lá estarei de esperança nos dedos, diferenciando, acreditando, amparando, corrigindo, animando, revendo, ralhando, neste carrocel do crescer que é sempre tão complicado para eles, para mim. Um dos alunos alheou-se, querida Teia, o pai saíu de casa há poucos dias. Assistiu aos gritos, à saída. A vida ruíu. Teste quase em branco. Por que há-de ser a matemática importante agora para ele? Não lhe consigo responder. Tento mantê-lo preso a mim, à aula. Os olhos divagando tristes, o não consigo, não percebo, o não sei à flor da boca. Eu às vezes fico triste, querida Teia, porque sei que se eles fossem menos, são quase 30, tinha mais tempo para cada um. E se estas crianças deste século precisam da nossa atenção! Tanto, tanto! Os pais sem tempo, nós a ficar sem tempo. Toda a gente a correr de um lado para o outro. E eu queria poder abraçá-los, um a um, sempre que me apetecesse. Eu queria poder dar-lhes tudo. Mas o tudo que tenho já não chega para todos sempre. Ao contrário de Sofia, queria poder lutar até ao último minuto sem ter de escolher que filho morre. De que filho desisto. E depois, outra vez a alegria da súbita visão do aluno com dificuldades a recuperar, a encontrar o rumo e novamente a tristeza dos disparates do bom aluno distraído com a Primavera a chegar.
Provavelmente é isso. Continuo enamorada. E as paixões são difíceis. É coisa quente ou fria, nunca morna. E rio ou choro porque não sei ser boca em fina linha, inexpressiva, desimportada.
Já sei, querida Teia, não vai ser um serão simples. Apetecia-me deixar vencer o sono e adiar as aflições, as alegrias, as tristezas, os risos, as dores para outro dia. Um dia qualquer. Um qualquer século para onde fosse possível adiar o amor, mesmo que o poeta diga que não. Mas não posso, tal como ele. Não consigo. É como estar aqui contigo, Caderno começado desde que aprendi a escrever, agora feito janela para o mundo sem folhas, sem linhas. Não te adio nunca. Nunca te esqueci. Não te esqueço nunca num canto qualquer. É em ti que me olho no espelho de mim e vou tentando perceber afinal onde estão os prometidos raios de mulher daquela canção antiga. Nestes dias sinto que a distância é sempre enorme. Que continuo a ser exactamente a mesma miúda complicada e simples, que se apaixonou por cadernos e palavras aos cinco anos e não consegue deixar de chorar quando morre um pardal no jardim...

7 comentários:

IC disse...

:)

(Deixamos um sorriso, mas penso que são todos sorrisos comovidos, como o meu é)

(E essa canção também me comove sempre)

Teresa Martinho Marques disse...

Como a comoção ao escrever... ao escutar... confesso.

Anónimo disse...

Podíamos saber um pouco mais
da morte. Mas não seria isso que nos faria
ter vontade de morrer mais
depressa.
Podíamos saber um pouco mais
da vida. Talvez não precisássemos de viver
tanto, quando só é preciso saber
que temos de viver.
Podíamos saber um pouco mais
do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar
de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou
amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada
sabemos do amor.
Nuno Júdice, in "366 poemas que falam de amor"

de outra prof de mat, que se encontra neste emaranhado político...

Teresa Martinho Marques disse...

:) Gosto tanto deste poema, deste livro, da poesia de NJ. Estes professores de matemática apaixonados e com gosto pelas palavras belas... Obrigada por teres deixado esta prenda...

Anónimo disse...

Citando-te, "a good teacher is a good person"...
Don't give up!
Tik

Anónimo disse...

:)
Mesmo que o abraço não possa ser fisico eles vão senti-lo nos seus olhos... continue a lutar e a sofrer por eles e com eles que nunca será em vão...
Beijinhos do Alentejo
Ilda

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada Tik! Roubei-te a dica (gosto tanto desta canção e nunca me lembrei de a colocar na teia... foi hoje :). E, Ilda, vocês todos que aqui vêm, são também o mel que alenta e fortalece na viagem... Abraço grande.