sábado, fevereiro 23, 2008

Ensino especial... puxei por um fiozinho e pronto, não consegui conter a teia

DN online
"Lei exclui 90% dos alunos"
Entrevista. No dia em que as alterações no ensino especial chegam ao Parlamento, Miranda Correia, um dos maiores especialistas nacionais do sector, diz ao DN que houve precipitação da tutela e que só uma minoria das necessidades educativas é abrangida ...
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Eu defendo a inclusão. Na minha anterior escola, quando todas as escolas de Setúbal não o faziam, já acolhíamos a diferença, muito antes sequer das leis o proporem. Já trabalhávamos com a APPACDM e desenvolvemos de raiz um Projecto IN há muitos anos...
O que não gosto é de demagogia, promessas vãs e falta de seriedade.
É fantástico quando nos vêm dizer que tudo se resolverá, que vamos fazer muita formação, que vão chegar muitos recursos. Recursos? Desculpem rir. Passei mais de vinte anos à espera deles na Luísa Todi - promessa de uma escola nova que só agora está a ser construída, depois de ser provisória em barracões do tempo de 1975... Hoje em dia, com tanto apregoado recurso e choque tecnológico, tento desenvolver trabalho regular com computadores e entre lentidão, equipamento desadequado e em pouca quantidade, falhas frequente na internet, é um desperdício de tempo só a tentar resolver problemas... Scanner? Impressora? Na sala de Informática? Não existem. Em casa imprimo tudo e faço tudo o que é impossível fazer na escola. Com o meu dinheiro, os meus recursos. Sim, porque quero. Felizmente posso, até ver... E os meninos? Quem tem hipótese de ter em casa, tem e faz. Quem não tem... (É a chamada igualdade de oportunidades...)
Recursos? Só acredito quando os vejo e os tenho. Nem comento esse tipo de promessas. Um pouco como: primeiro fecho a urgência e depois prometo que vem aí um apoio de primeira!

Parece-me também leviano achar que com umas horas de formação (que nunca podem ser muitas... está onde o tempo?) ficamos preparados para acompanhar qualquer tipo de diferença (e de diferença dentro de cada diferença), à medida que for sendo necessário lidar com elas. É não ter a noção da realidade. É não conhecer, ignorar, desrespeitar o direito a uma educação de qualidade para todas as crianças. TODAS. É disso que trata a inclusão.

Muitas vezes deixo os meninos da turma para tentar acompanhar o M na sala de aula. Alguns precisam de mim e acabo por não conseguir atendê-los, porque não consigo estar em dois locais ao mesmo tempo. Se o dia é mau e o M se recusa a trabalhar, as opções são:
- deixá-lo sossegado entregue a si e tentar não me atrasar no cumprimento do programa, ajudar a esclarecer dúvidas, apoiar os que estão a baixar o aproveitamento e precisam de mim, andar de volta de outro menino que acabou de ser transferido para esta turma (319) e tem graves problemas emocionais e de aprendizagem
ou
- dar-lhe a atenção que merece e precisa e abandonar os restantes enquanto não consigo encontrar uma solução de tarefa adequada para não o votar ao alheamento.

Não há meio termo. A não ser que a formação me dote de superpoderes de clonagem em plena sala de aula, sempre que necessário. Por muito que eu tente autonomizar as crianças, individualizar, trabalhar em grupo, só estando dentro de uma sala de aula se percebe (5º e no 6º - realidade que conheço) que eles chamam por nós a todo o momento e precisam realmente de apoio com frequência, para poder avançar. O que é perfeitamente natural. Acabaram de chegar ao 5º ano. Se não precisassem de mim para nada... estaria a fazer o quê lá dentro? Só a cuidar do M - nos momentos de crise é difícil fazê-lo sozinha - com o resto dos meninos em auto-gestão? E falo de uma turma deliciosa que não tem problemas de comportamento... por isso mesmo, empenhada e muito solicitadora da intervenção educativa do professor. Um prazer estar com eles todos.
As melhores aulas são, duas vezes por semana, uma em Ciências e outra a Matemática, aquelas em que tenho presente outra professora (equipa de ensino especial). Ou Estudo Acompanhado, por existirem duas professoras na sala e a integração se fazer de forma simples, mesmo em momentos de crise. Mas sobram duas aulas de M e uma de CN sem apoio e não é nada fácil a gestão dessas aulas, agora que a matéria se adensa e se evidenciam as dificuldades de algumas crianças e que as reuniões de CT estão à porta com a espada do "cumpriste todos os conteúdozinhos para eu dizer aos pais porque o ME manda?" em cima da cabeça. Acresce que a colega do ensino especial não vai às aulas de Ingês, História, Ed. Musical, Ed. Física... apenas a LP, uma aula, para além das que já referi. Resolve-se com formação? Mostrem-nos. Exemplifiquem. Com mais professores de apoio? Estão onde? Pareceu-me que cada vez havia menos e cada vez estão mais sobrecarregados.

Confesso uma ansiedade crescente que, às vezes, misturada com um já grande cansaço acumulado, se traduz em alguma impaciência nos finais de semana. Ontem senti-o pela manhã. E logo logo recuo, acalmo, tomo consciência dela, apago-a com um sorriso e um carinho (as crianças não têm culpa da sobrecarga em que vivemos) e tento serenar, procurando confiar que não sou eu que estou errada e que há limites para a minha actuação, por mais que tente dar o melhor. Que não sou má professora, que não tenho de conseguir encontrar respostas para tudo com o horário que tenho, sem tempo nenhum para fazer as coisas com a qualidade a que me habituei, leccionando esta enorme quantidade de disciplinas diferentes que me calhou em sorte este ano, à qual se acrescenta o M, esta criança doce e diferente de quem quero cuidar com carinho e qualidade (nota: tal como referi, esta semana foi transferida para a turma do M outra criança 319 - eu sei que já não é este o nº - com MUITAS dificuldades e que já exigiu acompanhamento individualizado na aula, várias vezes, em prejuízo do M e dos outros meninos - mas não quis deixar ao acaso a sua integração na turma e fui sensível aos argumentos que levaram à transferência de turma depois de conhecer a história desta criança - fez-me lembrar as histórias com que convivi durante muitos anos na anterior escola). Com mais esta entrada (turma passou a 21) distribuirei o bem pelas aldeias como for conseguindo... mas sei que ficará sempre aquém do que eu própria considero ser direito de todos eles num país a sério e não neste faz-de-conta que temos leis maravilhosas impossíveis de cumprir na prática - areia deitada aos olhos de quem não quiser parar, escutar e ver.
Tenho de me convencer que serei sempre penalizada de uma forma ou de outra: ou porque não cumpro programas, ou porque cumprindo o insucesso aumenta, ou porque não apoio bem o M, ou porque não apoio bem a turma, ou porque não consigo ler, estudar o suficiente, ou porque...
Concentro-me então nas pequenas-grandes conquistas com cada menino, no carinho deles, no apreço dos pais e colegas, evidências de que os meus gestos têm, apesar de todas as minhas dúvidas, algumas boas consequências aqui e ali. Mas sabendo que com as condições certas e este meu amor tão grande os poderia levar bem mais longe. Com essa dor da impotência não convivo nada bem.Confesso. Saber que tenho condições pessoais para fazer melhor e não ser possível elevar todos ao seu máximo potencial, por deficiência do contexto, pesa-me na alma mais do que a conta. É coisa minha.

Nós, professores, carregando todas as culpas do mundo, temos apenas que ser perfeitos (excelentes não, que há cotas para isso), super-poderes com rexina agora rexona (quem sabe um desodorizante ajuda?) mantendo um sorriso cinéfilo e imaculado (ou podemos ser acusados de desestabilizadores por organizações extensoras do braço do ME, de independência duvidosa e que está por provar tenham a representatividade que apregoam ).
E se não conseguirmos ser perfeitos, tudo se resolverá com leis e com mais formação para ver se aprendemos... a avaliar colegas de qualquer área científica, tratar de todas as deficiências deste e do outro mundo, a produzir grelhas, tirar feijões do nariz, amparar os aflitos, fazer projectos de investigação inovadores, trabalhar com computadores, ensinar melhor...

E, repito, defendo a integração, a inclusão, quando é feita com dignidade e respeito pelas necessidades de todos, crianças (com ou sem deficiência), as suas famílias, os profissionais envolvidos. Não sou especialista no assunto, mas acho que tenho o coração no lado certo e sei do carinho e do amor e do amparo e do cuidado de que as crianças e suas famílias necessitam. Já trabalhei muitas vezes com a diferença e nessas questões do coração, sei do que falo.

Assim, desta forma, não.

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