sábado, fevereiro 16, 2008

Manuel António Pina - elogio à blogosfera (não resisto a "arrastá-lo" até à teia, de quando em vez, muitas vezes...)







Descobri hoje aqui (Jornal de Notícias) este texto antigo... (tão actual!)

O país desconhecido
Por outras palavras

Manuel António Pina

O que verdadeiramente preocupa o país (ou, como costuma dizer-se, "Portugal profundo", ou a massa mais crítica dele), o que o país pensa, o que o país sente, está hoje nesse formidável espaço de liberdade e controvérsia que é a blogosfera. A vantagem fundamental da blogosfera sobre os media tradicionais como fonte de informação e de auscultação do país é a da pluralidade e a da liberdade. Com todas as virtudes e, também, com todos os riscos da liberdade. Jornais e TV têm patrões, e estes interesses. Em contrapartida, qualquer cidadão pode criar um blogue e divulgar nele o que quiser, factos (algum do melhor jornalismo de investigação que hoje se faz em Portugal tem sido publicado na blogosfera) ou opiniões. Por isso, a blogosfera tanto pode ser lugar da verdade como da calúnia (do mesmo modo, hèlas!, que jornais e TV), e daí que ela seja também um desafio constante à maturidade crítica de cada leitor. Até porque o que é dito num blogue pode ser (e é) controvertido em tempo real, seja nas caixas de comentários seja no blogue do lado. A comparação da agenda da blogosfera com a dos media tradicionais dá uma ideia do enorme desfasamento que hoje existe entre estes e o país. Talvez os analistas da crise da imprensa devessem debruçar-se sobre isso.

E, depois, este mais recente (pode encontrar-se aqui uma citação mais completa do texto de Guerra Junqueiro)

100 anos depois
Por outras palavras
Manuel António Pina


"Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavra, sem vergonha, sem carácter (...). Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo (...). Dois partidos (...) sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...), análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no Parlamento, de não caberem todos de uma vez na mesma sala de jantar (...)". Isto foi escrito há 100 anos por Guerra Junqueiro, estrebuchava a Monarquia (que, a pretexto do regicídio, alguns patuscos de "blaser" e emblema da Causa Monárquica na lapela nos têm recentemente tentado vender como um eldorado perdido) nos últimos estertores. Porque o chapéu assenta singularmente no clima social e político finissecular que de novo vivemos, "Pátria" deve ser hoje o livro mais citado na blogosfera portuguesa, onde, expulsa dos media tradicionais, se exila grande parte da massa crítica que, entre nós, ainda mexe. É um sinal, o sintoma de uma doença. Até generais já andam por aí a assumir-se publicamente como "reservas morais" da nação. Quando a "reserva moral" já está na tropa, há boas razões de sobressalto cívico.

Sempre o afirmei: se tivesse de escolher um escritor indisciplinador de almas que felizmente tem dúvidas sobre o que seja uma criança e, portanto, escreve para todos nós, mesmo quando parece que não. Seria sempre o Pina.

Quando tive a oportunidade de apresentar na FNAC os meus dois primeiros livritos, este foi um dos textos que escolhi e misturei com outros para dizer o que me ia na alma...

Eu não escrevo para crianças. Acho que, fundamentalmente, se escreve para si próprio. E que se fala sempre de si próprio, dos seus desejos, dos seus medos, das suas dúvidas. (E também eu, quando digo isto, falo, evidentemente, de mim próprio. .)
Uma vez, numa escola, perguntaram-me: “Por que gostas de escrever?”. Embora eu tenha respondido: “Não sei” (e que poderia responder?), acho que foi uma pergunta inteligente. Porque quem escreve não tem que escrever por isto ou por aquilo, ou para estes ou para aqueles leitores; o escritor, a maior parte das vezes, não sabe por que escreve, e apenas que gosta, que precisa de escrever: Quando um poema principia, sabe-se lá o que ele vai dizer! Porque o poema é que fala, não é o poeta, as palavras dizem o que querem (elas é que sabem, as palavras!). Às vezes dizem mais, e outras vezes – quase sempre – menos do que o poeta queria que elas dissessem. E depois as palavras são seres volúveis: a uns leitores dizem uma coisa, a outros dizem outra coisa, e, a alguns, sobretudo àqueles que não as amam, as palavras não dizem absolutamente nada.
Por isso, o escritor (mas falamos sempre de nós, não é?), não sabe para quem escreve. Escreve para quem ame as suas palavras, e para aqueles a quem as suas palavras, por qualquer razão misteriosa, disserem alguma coisa.
Eu não escrevo para crianças; penso, sim, que alguns dos meus livros, alguns dos meus poemas (...) podem dizer alguma coisa a algumas crianças. (Embora, naturalmente, não saiba bem o quê. Tenho uma ideia, claro, mas não a certeza absoluta. Aliás, também não tenho a certeza absoluta do que seja uma criança).


Manuel António Pina
De que são feitos os sonhos

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