quarta-feira, dezembro 11, 2019

Pegada de plástico – não há projetos sem conhecimentos


Texto que escrevi para o boletim mensal da escola - "7 partilhas"
 
É um erro acreditar que um projeto pode ser construído sem uma base sólida de conhecimento (aprendizagens essenciais). Se o aluno ainda soletra quando lê, como pode compreender o texto de uma pesquisa ou interpretá-la e compreendê-la? Se não desenvolveu o sentido do número e se engana na utilização de algoritmos, aceitando que numa subtração o resultado pode ser superior ao aditivo; se não sabe dividir ou multiplicar, se não domina conhecimentos básicos de organização e tratamento de dados (OTD), como pode calcular uma frequência relativa (sob a forma de numeral decimal ou percentagem), uma média, ou interpretar os resultados num gráfico? Só em algumas situações (na faixa etária do 5.º e 6.º anos, onde muitos conhecimentos básicos e estruturais não estão ainda desenvolvidos e consolidados) será possível fazer aquisições durante a realização dos projetos e, ainda assim, consumindo muito mais tempo do que o disponível para toda a lista de aprendizagens essenciais previstas.
Vem isto a propósito de um pequeno projeto em desenvolvimento nas turmas C e D do 5.º ano. Vai ser necessário contabilizar o número de embalagens de plástico utilizadas, semanalmente, nos lanches feitos na escola, elaborar gráficos individuais à mão; fazer pequenos relatórios semanais sobre o tipo de alimentos embalados consumidos, refletir sobre a qualidade e adequação dos lanches e pensar em substituições possíveis, simultaneamente mais sustentáveis para o ambiente e mais saudáveis para a saúde. Posteriormente, os alunos poderão compreender como as ferramentas tecnológicas (folha de cálculo, processamento de texto, ...) podem agilizar a construção de um gráfico, a realização de cálculos, ou a elaboração, revisão, correção e enriquecimento de um texto. Podem ser convocadas, para um trabalho como este, as disciplinas de matemática (OTD), de cidadania e ciências (desenvolvimento sustentável, ambiente, saúde), TIC (folha de cálculo, processamento de texto), EV (conceção dos documentos de registo e apresentação) e português (escrita de relatórios reflexivos). Não se admirem, portanto, se entrarem numa aula de matemática (oficina) e os alunos estiverem a fazer exercícios práticos, ou a resolver problemas diversos da unidade OTD, em vez de andarem às voltas apenas com as tarefas mais diretamente relacionadas com o projeto. O tempo é pouco, desaparece em cada aula muito rapidamente e é preciso rentabilizá-lo.
As crianças necessitam de compreender como o conhecimento adquirido pode ser aplicado em contextos reais com interesse para o seu desenvolvimento. Para isso, precisam de compreender também os conceitos e, sobretudo, que qualquer trabalho exige empenho, disciplina, autocontrolo e dedicação. Na vida, um dia, vão perceber que nem tudo é uma brincadeira e diversão, que pode ser um prazer trabalhar muito para obter bons resultados e que nada que valha a pena acontece sem esforço. Quanto melhor a escola souber ajudá-los a compreender esse equilíbrio, mais sucesso terão como cidadãos. Não, não me refiro ao sucesso imediato de uma “boa avaliação” ou “transição”, mas sim à resiliência à frustração, à persistência no trabalho e ao necessário sacrifício útil de tempo, sempre presentes no desenvolvimento de um trabalho de rigor e excelência, seja ele qual for, na escola e na vida.