terça-feira, dezembro 12, 2017

Matemática, magia e mistério...

Desde ontem dias de muita atividade desportiva na escola e menos alunos nas aulas.
Regressei a uma paixão antiga que costumava partilhar com os alunos e peguei no meu livro velhinho do Martin Gardner (aparentemente uma preciosidade, agora esgotado), num dos meus baralhos de cartas, em alguns apontamentos e no fim de semana treinei uns quantos truques matemágicos.

Truques feitos... espantos, depois repetições, alguns alunos começam a pensar, descobrem o truque, o truque é partilhado com todos, dissecamos as razões dos efeitos, eles experimentam, treinam, partilham também truques aprendidos em casa, o tempo corre e toca sem darmos conta. Acho que algumas famílias neste Natal vão ter meninos a fazer matemagias. Andei hoje por aqui na internet e já levo mais uns na manga... quer dizer... nada na manga! 😏
Há muitos outros sítios onde encontrar boas ideias, para além do livro "Matemática, magia e mistério"

Outras formas de fazer matemática, de treinar o espírito de observação, de fazer pensar, usar a lógica, trabalhar a memória e o cálculo mental, resolver problemas e, depois, partilhar em casa o seu poder matemágico.



domingo, dezembro 10, 2017

Coragem académica...




Gosto imenso quando praticamos coisas há muitos anos com os alunos (porque são fundamentais para o sucesso, nascem naturalmente da nossa sensibilidade humana e atenção ao outro, atenção à descoberta - lembrança? - de fatores inibitórios da aprendizagem que nos parecem óbvios, memória dos nossos tempos com estas idades no banco da escola, proximidade com a criança que já fomos e continuamos a ser...) achando que toda a gente as faz nas aulas... e, de repente, descobrimos que alguém descobriu o mesmo mas... lhe deu nome. Daqui para a frente, quando falar com os alunos sobre este assunto, sobre a importância de não dizerem que percebem quando não perceberam, de colocarem todas as dúvidas mesmo que seja por que razão um mais um dá dois, de responderem sem receio do erro, porque o erro é uma oportunidade para aprender, quando lhes pedir que me contem como é a sua relação com a matemática, como foi o caminho até ali (para os ouvir dizer que detestam sem medo nem vergonha), quando todos os dias conversamos um pouquinho, em grupo ou individualmente pelos corredores, quando lhes peço confiança em mim acreditando que eu posso ajudar a mudar esse caminho, quando lhes digo que somos uma equipa e que não tolerarei sorrisos quando alguém erra, ou comentários como isto é fácil! em voz alta (inibe quem acha que não é tão fácil assim) e que temos de nos entreajudar para conseguirmos todos ser melhores, quando promovo a entreajuda com frequência e valorizo cada conquista... (faço isso o tempo necessário até que todos acreditem, percam a vergonha e comecem a massacrar-me com dúvidas... para alguns é quase imediato) já posso dizer-lhes que o que pretendo afinal é, simplesmente, desenvolver a sua coragem académica! :) 

Artigo interessante para compreender por que razão o que faço (o que muitos professores fazem) pode até ser um fator de sucesso para alguns (muitos?) alunos. 
O conhecimento empírico tem destas coisas: chamemos-lhe fé feita de experiência útil...  que nunca achamos ser nada de especial a ponto de necessitar de um estudo mais objetivo, ou registo de patente.



The Importance of Academic Courage




terça-feira, dezembro 05, 2017

Autoavaliação (minha)... Digam-me lá as razões... A pessoa-professor

Hoje na aula de autoavaliação, algumas questões finais para que eu própria pudesse fazer a minha e aprender as razões de algum (bastante) sucesso nesta turminha de sexto ano, a que chamo minha desde o ano passado, e que tem a matemática no top das preferências. Se conseguir perceber o que faço de melhor aqui, posso continuar a crescer com coisas simples que não passam por grandes recursos tecnológicos (que não tenho), aproveitando o melhor que o professor pode fazer e só depende de si e dos alunos - emoções, formas de escutar, de ser, de estar, de organizar o tempo, de gerir o trabalho e a interação entre os alunos. Não, não tenho muitos recursos digitais, dizia-lhes, não preparo nem faço coisas extraordinárias apenas com um computador (e eles... pois é professora, a net está sempre a falhar, nem valia a pena)... digam-me lá, o que acontece aqui que vos faz empenharem-se, já que o trabalho é muito de papel e lápis e não estou muitas vezes à frente do quadro a dar explicações? 

Dedos no ar: a professora dá-nos autonomia, deixa-nos trabalhar em grupo, confia em nós, não desiste de nós, é muito exigente e empurra-nos para melhorarmos, a professora gosta de matemática e fica toda animada e contente a explicar as coisas, vê-se que gosta de ser professora, tem uma bola de cristal invisível mas que funciona (referência a uma estratégia que uso muito: viagem ao futuro, o todo antes das partes), deixa-nos avançar na matéria sozinhos se quisermos e não estamos sempre todos a fazer a mesma coisa ao mesmo tempo, ajuda sempre quando chamamos, nós é que marcamos os nossos trabalhos de casa e decidimos o que precisamos de fazer, na avaliação ouve-nos e ao que os colegas dizem de nós (hoje aconteceram três dúvidas e três subidas de 4 - proposta das alunas, para 5 - proposto por mim mas não concretizado sem escutar o próprio e os colegas de grupo).
Antes da aula terminar disse: vocês estão a ser muito simpáticos, mas eu agora queria escutar também aspetos em que acham que a aula pode melhorar, em que eu posso fazer ainda melhor e a conversa foi interrompida pelo toque quando um assunto delicado começou a ser abordado de forma hesitante por duas alunas.

Ora é claro que nem tudo é perfeito... Apesar de já ter recuperado um dos alunos que transitou com negativa e outro que traz no seu passado uma repetência no quinto ano, restam-me três que não tem sido fácil convencer a trabalhar (alunos que transitaram com bastantes negativas) porque revelam um perfil de grande infantilidade, brincam e riem sem qualquer autocontrolo, precisam de vigilância e apoio diretos constantes, não desenvolveram uma autonomia ajustada ao nível etário (as razões são muitas e não aprofundarei aqui, mas existe uma atitude muito enraizada de dependência e exercício de controlo/manipulação do adulto com sucesso, aprendida fora da escola). Ao fim de dois meses, passámos da fase do nada, para a alegria de os ver a trabalhar durante tempos um pouco mais prolongados sem supervisão direta (após explicação e atribuição de tarefas simples - estou a percorrer os conteúdos a uma velocidade muito mais baixa, já que alguns destes alunos nem o cálculo dominam, voltando atrás nas unidades e procurando construir um caminho com sentido) e para alegria de os ver finalmente reagir satisfatoriamente a pequenas conquistas que, claro, lhes dão prazer e, espero, reconstruam neles sentimentos de autoestima muito em falta. 
E o assunto delicado sobre os aspetos negativos esboçou-se, mesmo antes do toque, em volta do facto de eu "gastar" tempo excessivo de volta deles, roubado à turma, que gostaria por vezes de me ter mais presente e durante mais tempo nos grupos. Um pouco como se a autonomia de quem se empenha (construída desde o quinto ano), apenas servisse para que me sobrasse mais tempo para quem não se empenha. O difícil equilíbrio...

Não aprofundámos, mas vou aprofundar... e talvez mostrar a estes três alunos o que significa e que consequências tem na turma o seu comportamento e atitudes na aula. Em conjunto, talvez consigamos tocar o seu coração e recriar novas estratégias para o próximo período, com maior equilíbrio na distribuição do tempo. 
Acrescento ainda que não quero saber de estudos sobre a dimensão das turmas, porque esta tem 20 (uma aluna com CEI) e isso tem feito TODA a diferença na aplicação de estratégias mais individualizadas, no apoio aos grupos e aos alunos com dificuldades e no conhecimento profundo de todos os alunos.

Coisas paralelas... Quando temos aulas no último bloco (dois tempos de 50 minutos separados por intervalo) fico sempre na sala e muitos alunos também. Alguns podem decidir trabalhar (acontece, sobretudo com dois alunos rapazes), mas a maioria come qualquer coisinha à porta e regressa, ou pousa os lápis e conversa sobre o que calhar (as meninas adoram esses momentos de prosa livre). Muitas vezes abrimos os telemóveis e trocamos fotos dos nossos gatos e cães e as histórias que vêm atrás das fotos. Somos só pessoas simples a conversar, a conviver. Neste grupo sinto-me cada vez menos professora deles e mais parceira de aventuras de crescer e de maneiras de estar na vida.

E, bolas, mesmo sendo este apenas o final do primeiro período, não é que começo já a perceber que vou sentir uma saudade danada destes miúdos quando esta história acabar no final do ano?
Claro que estou já a construir laços bons com as turminhas de quinto... que apresentam outros desafios e que necessitam de crescer MUITO para chegarem onde desejo, mas nenhuma turma substitui outra. Todos estes miúdos abrem um espacinho próprio no coração de cada professor onde se aninham para sempre.

E até os meus três estarolinhas, que são capazes de me dar conta do juízo na aula, mas me abraçam na rua, ou me dizem olás daqueles de chamar a atenção, mesmo que tenhamos acabado de nos ver vezes sem conta na aula e na escola, têm lá o seu espacinho reservado. Porque o coração de um professor é uma mochila sem fundo para o melhor e para o pior. Mesmo que algumas memórias se diluam, é espantoso como recordamos alunos que foram nossos há muitos e muitos anos e alguns acabam presentes na nossa vida para sempre, não importa se por melhores ou menos boas razões.


Não sei porquê, entre tantos, lembrei-me agora da Vanessa, que aos 10 anos me dizia que queria ser professora de matemática e ciências como eu... mais tarde foi minha colega na Luísa Todi e hoje, na Aranguês, mãe de dois filhotes, professora empenhada, desenvolve um trabalho extraordinário. Passaram mais de 30 anos, nunca me esqueci dela, e há tempos pudemos abraçar-nos ao vivo.

Falava eu de quê?
Nem sei já... Não perco este hábito bom de divagar. Não, não é da idade. Por muitos livros e artigos que leia sobre as mais maravihosas descobertas, ferramentas e estratégias, a vida ensinou-me e continua a validar esta descoberta simples: a melhor ferramenta de todas, a estratégia mais eficaz de todas é a pessoa-professor. O resto é acessório, mesmo quando importante, interessante e promotor de muitas e boas aprendizagens. Só me ocorre que, mesmo não sendo uma ave, um dia ensinei uma gaivota a voar.




Há muitos e muitos e muitos professores assim, que se entregam diariamente, mesmo sem grandes condições ou recursos. Mesmo mal recompensados pelo tanto que dão. 
Talvez por isso me entristeça imenso a forma como somos tratados e a forma como tantos falam de nós sem fazer a mínima ideia do que é SER professor.

segunda-feira, outubro 09, 2017

Nada na manga (magia pura)...


 Quando aprendemos com as dúvidas e os erros dos alunos, os nossos poderes mágicos aumentam.
Eu explico.

Tenho por hábito demonstrar aos alunos que sou assim uma espécie de feiticeira, (vá... fada é mais bonito) da matemática. Não o sou porque sim. Sou-o apenas porque em 32 anos aprendi muito sobre eles e já consigo adivinhar muito do que sentem e pensam,  com pequenos gestos ou indicações consigo fazer desaparecer uma dúvida, ou levar o alunos a corrigir-se quase sem nenhuma explicação, às vezes basta aproximarem-se de mim ou eu deles (momentos deliciosos) e sugerem correções mesmo antes de eu lhes explicar seja o que for.
Eles sabem e quanto mais confiam em mim (portanto neles) mais magia acontece.
Falamos, claro, do segundo ciclo. Essa idade também ela mágica onde ainda acreditamos em fadas.

Mas para que o efeito seja maior, é preciso (porque gosto imenso de representar) fazer e dizer as coisas certas no momento certo, chamar a atenção para a magia quando ela acontece, arregaçar as mangas (faço muitas vezes) e dizer: querem ver? Nada nas mangas...

Os alunos do sexto ano, naturalmente, depois de uma experiência no quinto, mantêm a crença na magia, mas tenho de adaptar o discurso porque estão mais crescidos e nem todas as histórias os convencem.
Já os alunos de quinto...

Vem isto a propósito de uma aula acontecida na primeira semana de aulas, onde numa turma os convenci de que tenho realmente poderes mágicos inimagináveis. Tudo isto depois de uma coadjuvação à aula de uma colega noutra turma e, também, depois de uma aula minha noutra turma e no contexto de uma avaliação diagnóstica (que fazemos como deve ser... felizmente... Custa-me ler por aí que há escolas paradas no tempo a fazer coisas estranhas a que chamam diagnóstico e que de pouco servem, não porque sintam necessidade, ou isso as ajude, mas porque "tem de ser feito assim", já que uma vez um despacho qualquer a isso obrigava e algum pessoal ainda não percebeu que cada ministério sua sentença e é preciso distinguir o trigo do joio sem receio e fazer as coisas com o nosso bom senso e experiência de terreno, sem ligar a alguns devaneios de quem pouco sabe do que acontece neste século numa sala de aula).
Livra! Ainda não consigo bordar uma história em linha reta sem fazer desvios a torto e a direito em ponto de ziguezague...
Portanto, estávamos num momento de diagnóstico/revisão com um problema projetado no quadro.
Nada nas mangas (eu disse) e de seguida acrescentei:  estou aqui a ler os vossos pensamentos e sinto que há muitos alunos a pensar como é possível descobrir os 3 pontos na semireta se não existe ali nenhuma linha e ainda por cima estão na diagonal..
Caras de espanto e muitos dedos no ar: oh professora, como é que sabe que é isso que estamos a pensar? Eu estava mesmo com essa dúvida...
Não vos disse já que sou mágica? Que passei as férias do verão num castelo do género do do Harry Potter a melhorar os meus poderes? Oh professora, como o Hogwarts? Sim, sim, mas para professores de matemática!
Lá esclarecemos a dúvida, depois de lhes ter perguntado quem era eu... e me ter inclinado para ficar na diagonal e perguntar de novo se tinha deixado de ser a professora Teresa, ou se deixava de o ser quando fazia o pino...
Dúvida esclarecida, avançámos. Iam respondendo, mas acrescentando sempre no diagnóstico se tinham sentido dificuldade num determinado exercício. A verdade é que, recolhidas as folhas, deu para perceber quem compreendeu o que estava a fazer e com uma pequena revisão conseguiu apagar os esquecimentos de um verão prolongado e quem realmente tem dificuldades expressas em erros revelando que nem as explicações e ajudas resolveram as dúvidas. O diagnóstico deve evidenciar estes últimos casos e não os da natural limpeza de verão. Levar os alunos a responder apenas a questões/testes longos nas primeiras aulas, quando já não se lembram de muito, causa ansiedade desnecessária, receio de estarem a ser avaliados e de pouco serve à relação com a disciplina, relação de confiança com o professor, desenvolvimento da autoconfiança e autoestima, ou à melhoria de aprendizagens futuras alicerçadas nos conteúdos em diagnóstico. Cinco exercícios projetados, discussão e ajuda e uma folhinha vazia para responderem onde para além das respostas indicam onde sentiram dificuldade (mesmo que a resposta esteja já certa) serve o diagnóstico. Esta foi a segunda parte... na primeira escreveram numa outra folhinha como foi a sua relação com a matemática, se gostavam ou não e porquê, onde sentiram mais dificuldades e o que esperavam para este ano na escola nova.
Noutro exercício, ainda no diagnóstico, recordei/ensinei a notação para medida da amplitude de um ângulo. Ora a coisa escreve-se com três letras maiúsculas e um acento circunflexo na letra do meio (vértice do ângulo... tipo  AÊD) e, também na aula de coadjuvação, um aluno perguntou se o acento circunflexo que se colocava na letra era agudo ou obtuso consoante o valor em graus da amplitude.

Na minha aula, a seguir, parei de repente, olhei para todos, mão na testa (nada na manga) e disse: estou aqui a sentir que há um aluno ou dois que tem esta dúvida (descrevi a dúvida).
Três alunos de dedo no ar: oh professora, adivinhou... eu estava mesmo a pensar nisso.

À saída, vários: eu nem gostava de matemática mas agora acho que estou a adorar...

Aos pais na reunião de apresentação dos professores das turmas: livrem-se de lhes dizer que a matemática era um pesadelo para vocês em pequenos e, nada de lhes dizer que eu não tenho poderes mágicos... porque tenho mesmo. (Risos no fim)






descalabros, carrocel e ignorância

https://guinote.wordpress.com/2017/10/05/descoincidencias/


... A propósito de descalabros, no 5.º ano, a saladinha mista de ciências e matemática numa única prova não serviu uma avaliação séria nem de uma coisa, nem de outra (foi a primeira vez que alguém teve a ideia peregrina de fazer algo assim... mas, claro, isso não interessa nada para os resultados nem para as conclusões/comparações com provas exclusivamente de uma disciplina). Estamos a falar de crianças acabadas de sair do primeiro ciclo... quem (realmente) sabe o que é uma criança do 5.º ano, percebe o que digo. Descalabro são sucessivos governos cada um com sua sentença, matando decreto a decreto o que o anterior fez, sem qualquer respeito pelo trabalho dos alunos e dos professores, sem respeito pelas famílias. Somos todos assim uma espécie de cobaias. Got it! O pior da nossa educação é a imensa necessidade de todos os que por lá passam quererem deixar marcas para a posteridade (piores, melhores... às tantas é só descrédito... é só carrocel... eles partem, nós ficamos). Em educação as coisas não pioram ou melhoram num ano (alguém lhes explica?)... Os ciclos são longos, têm de ser bem planeados, seriamente avaliados em toda a multiplicidade de fatores e só depois se tiram conclusões. Cada escola é uma escola. Um pactozinho de estabilidade ajudava... já leram o Perfil dos Alunos? Experimentem aplicar mesmo (em vós) as competências que preconizam para outros. Deviam ser o exemplo...
As provas de aferição, não contando para os resultados finais, levam a um maior desinvestimento de muitos alunos e famílias (perfeitamente natural). Digam a um adolescente "médio" que vai fazer uma prova que não conta para nada e depois esperem milagres. Ah, e logo de seguida comparem coisas diferentes.
Os exercícios que se seguem foram colocados na prova (para crianças que em média têm 10 anos)... quantos de vocês os resolveriam? Sobretudo o exercício 10?
Aguentei calada na altura das provas, a ver o que aí vinha, dando o benefício da dúvida sobre as eventuais ocultas intenções das ditas. Agora que percebi, a minha irritação e incómodo com tudo isto falaram mais alto.
Quem avalia quem faz as provas? E quem avalia os MEs quando entram e saem sem que nunca se responsabilize ninguém pela (de)obra feita? Memória curta de tantos que por lá passaram e agora tudo sabem sobre como resolver os problemas da educação.
Está para vir o primeiro que chegue sequer aos tornozelos do magnífico aluno de 12.º ano preconizado num certo perfil que eu cá sei.


Qualidade de ensino - 1

O programa de CN de 5.º já não cabia em três tempos de 45 minutos. No ano passado (ano de prova), por imposição superior, os alunos frequentemente não tinham aulas para fazerem rastreios visuais, assistir a sessões sobre higiene dentária (e etc...). Durante o ano, os professores de ciências tiveram (também) de colocar (nas aulas!) os alunos a lavar os dentes a seco com kits distribuídos pelo ministério (escova, pasta e fluor - que não é um "medicamento neutro" e tem contraindicações e efeitos colaterais). Depois de esfregarem os dentes um determinado tempo contado militarmente pelos professores,  tinham de bochechar com fluor (!) ... isto em todas as aulas e com turmas de 26 a 28 alunos. Gastar tempo a distribuir (pelas mãos do professor) copinhos, com o nome dos alunos, que depois de usados eram encaixados uns nos outros (imensa higiene) parece surreal, mas aconteceu em todas as aulas e ciências. Isto tudo e a necessidade/imposição de fazer regularmente atividade experimental (isto é que devia ser essencial, mas com condições e tempo), reservar umas horas para a educação sexual (por despacho... ), que invariavelmente todos atiram para cima do professor de ciências,  fez com que os conteúdos (imensos) tivessem de ser passados a correr... 
Imaginem lá o que foi aprendido/decorado assim! Este ano, na matriz PPIP, as ciências estão reduzidas a dois tempos de 50 minutos com as mesmas exigências de atividade experimental e aprendizagens essenciais extensas que não mudam uma vírgula do currículo anterior, fora o resto que há de vir (até eu não dei uma aula de matemática para levar os alunos a fazer o dito rastreio visual)... Já nem falo dos até 25% do domínio de autonomia curricular... Porque se fosse a sério mesmo, reduzia-se a disciplina de ciências a um essencial importante e compatível com o tempo disponível, mas que permitisse às crianças efetivamente aprender alguma coisa, consolidar conhecimentos, recuperar dificuldades, desenvolver competências básicas, ir a rastreios, lavar os dentes, assistir a palestas, fazer atividade experimental, saídas de campo e etc.. Se acham que exagero... quem imaginou que era possível cumprir estas exigências todas em MUITO menos tempo sem mudar o programa, venha até às escolas e mostre como se faz.
A bem dizer... acho que os resultados na prova de ciências foram excecionais, tendo em conta todas as coisas que aconteceram... E se não foram (aos olhos de quem produz relatórios tratando os dados a frio sem conhecer a realidade) então podemos (re)começar a treinar os alunos para os exames digo provas de aferição... esquecendo o resto. Tudo ao mesmo tempo é impossível.
Chama-se a isto "querer meter o Rossio na Rua da Betesga"...  
(... ou brincar ao "faz-de-conta")

 imagem vista aqui

sexta-feira, setembro 29, 2017

Sê e faz como eu te digo?

Já vivi mais reformas educativas do que muitos. Uma, de boa memória, como aluna. Recordo o chamado ensino "experimental" nos idos pós 25 de abril, a seguir ao 1.º e 2.º anos do ensino preparatório (o 25 de abril aconteceu quando eu tinha 11 anos). Frequentei a Luís António Verney nos chamados 3.º, 4.º e 5.º anos... que se transformaram em 7.º, 8.º e 9.º depois. Estive inscrita no liceu Camões, mas os Pais eram muito à frente e, depois de um plenário familiar, ponderámos todos juntos os problemas e vantagens de experimentarmos outra formas de ensino, que não as tradicionais. Decidimo-nos pela aventura, sabendo de antemão a dificuldade posterior da transição para o sistema tradicional na alínea F (ciências), antigos 6.º e 7.º anos (atuais 10.º e 11º), seguido do "propedêutico" pela televisão (fui a última geração desse ano estranho). 
Foi difícil regressar ao liceu depois apenas porque nos diziam: vocês é que são aqueles alunos do experimental que não precisavam de decorar nada nem saber nada para passar? 
Doeram-nos estes comentários e as baixas expetativas de alguns professores no Liceu dos Anjos (antigo Académico em Lisboa). Dois anos depois, os quatro alunos da Verney que ali entraram estavam entre os melhores alunos à saída para o propedêutico e universidade. O que nos diferenciava? Adorávamos Camões (na Verney não começámos pelos Lusíadas, não dividíamos orações, a lírica veio primeiro e só depois de autores contemporâneos que aprendemos a ler com prazer). Muitos contos, pequenos romances, poesia... quando amadurecíamos estávamos prontos para qualquer leitura. Escrevíamos todos os dias, muito, sempre muito. Tornava-se um vício, nenhum papel branco nos afugentava. A matemática era um universo em que o conhecimento de factos e procedimentos estava sempre ao serviço da resolução de problemas, do pensar as coisas, do explicar raciocínios. Não... não decorámos a tabela periódica nessa altura, mas num instante o fizemos, porque sabíamos colocar a memória ao serviço do sentido e necessidade das coisas, sabíamos onde procurar informação...  A verdade é que os colegas que haviam chegado do tradicional liceu a tinham apagado da memória nas férias e acabaram por na realidade nunca a aprender como nós. Detestavam Camões, muitos gostavam pouco de ler e mal o professor de filosofia e introdução à política começaram a pedir trabalhos enormes que implicavam consulta de muitas obras na biblioteca... só quatro alunos conseguiam agarrar vários livros, percorrê-los, descobrir dentro deles o necessário e construir trabalhos originais com extensas bibliografias.  Ajudámos colegas nesse processo nos nossos grupos. Sabíamos o valor da entreajuda, da solidariedade, da cidadania ativa.
 Trabalhei o barro numa roda de oleiro, fiz objetos lindos e até um porco mealheiro, soldei com eléctrodos material estragado da escola, desmontei e montei o carburador de um carro, fiz tapeçaria num tear, fiz duas peças de madeira num torno elétrico, fiz serigrafia (depois de cortar um dedo com a goiva com que trabalhava o linóleo... nem sei como todos estes nomes me vieram agora à memória), fiz um filme à Vasco Granja, riscando com canivete fita de bobines, pintei quadros, pintei cenários, lia muito, consultava muitas obras para fazer trabalhos de todas as disciplinas, fiz teatro, debates, pertenci à equipa de basquete e andebol, fiz danças tradicionais portuguesas e tanto mais que nem lembro, e tanto que ainda consigo dizer aqui. Fiz eu, fizemos todos nós nesses anos.

Vem isto a propósito de uma das memória mais especiais: o francês. A minha professora Romana cujo nome está comigo até hoje. Representámos Molière, fizemos um jornal que vendemos na escola a cinco escudos e uma roda viva de atividades imparáveis, como ela era. Trabalhos de investigação, consulta de livros, canções. O francês continua presente em mim como uma língua romântica e mágica. Hoje, pela mão de um colega dessa altura, recuperei uma parte dessa memória. Perdi a minha cópia do jornal da turma, mas ele enviou-me as páginas em que colaborei. E foi isto que me fez desfiar todas as outras memórias e repensar tudo o que se tem vivido nos últimos anos.

Ainda agora, como professora, reproduzo o melhor que vivi nos anos do experimental. Tive uma oportunidade única de fazer um pequeno desvio do circuito tradicional e não foi por isso que deixei de ter notas para entrar na universidade (na altura teria entrado em medicina, se esse fosse o meu sonho). Claro que há muitos outros fatores envolvidos, sendo a família e a educação um deles. Mas o que quero salientar aqui é a experiência educativa rica, completa e articulada em que participei. Não perdi nada, só ganhei. Agradeço aos pais a visão e sabedoria, aos professores que confiavam em nós e nos ensinaram a autonomia, a iniciativa, a criatividade, a solidariedade, a preocupação com os outros e com o ambiente... a competência e as ferramentas para estudar e aprender vida fora. Não receio experimentar, sempre o fiz sem precisar de reformas que a tal me obriguem.

Ao generalizar-se (massificar-se) aquela experiência, feita num universo piloto controlado com  professores preparados para ela, poucas turmas e poucos alunos por turma, perdeu-se muito (quase tudo?) da essência desses anos especiais e quase mágicos. As condições perfeitas desaparecem e é natural que as coisas se desvirtuem em universos alargados sem motivação ou preparação.

Hoje em dia, as reformas sucedem-se sem tempo para parar, respirar, avaliar. Sem tempo para pensar e acordar tempos mais longos e sérios de vigência e ciclos de experimentação e avaliação. Ciclicamente apaga-se a roda, inventa-se a roda, apaga-se o fogo, redescobre-se o fogo, burilam-se as palavras e por vezes, muitas vezes, demasiadas vezes, faz-se maquilhagem do que já se experimentou mais do que uma vez. É legítima a desconfiança, o receio de ser apenas mais uma, porque dá trabalho andar o tempo todo a mudar papéis, nomes, siglas, conceitos. Coisas curtas no tempo de curtas ou médias legislaturas, para a seguir se instalar outra coisa qualquer, ou a mesma coisa disfarçada de outra coisa. A diferença é que agora temos mais alunos por turma, crianças diferentes e mais necessitadas de atenção, mais turmas, mais apoios, mais reuniões, mais tempo na escola, mais papéis, menos tempo para repensar práticas, para ler, discutir, planear. E já nem os computadores se aguentam. Os equipamentos de 2009 estão cansados e este está a ser um ano estranho, em que muito falha no digital/internet. Quando nos queixamos ouvimos uma explicação (será possível?) "que no ministério houve migração de qualquer coisa - servidores?- para qualquer lado, com prioridade de sinal para serviços administrativos e isso e coisa e tal". Vou acreditar que não é assim. E se é, não compreendo. Mas os alunos já se riem quando tento, em mais do que uma sala, fazer algo. Dizem-me compreensivos: professora, faça à antiga!

Anyway... vou continuar a ser eu, porque eu já era e sempre fui como se espera que eu seja agora, e se esperou que eu fosse com o currículo nacional, as competências gerais e o programa de matemática de 2007 (pré-metas... conheço-o bem). E vou continuar a ser eu porque, na realidade, nem sei ser de outra maneira, mais coisa menos coisa, mais reforma menos reforma, mais papel menos papel, mais ministro menos ministro.  E uma parte dessa dificuldade em me acomodar, em aceitar acriticamente tudo o que é feito sem argumentar razões, mesmo cumprindo tudo, em procurar sempre fazer melhor, também se desenvolveu numa escola diferente que até é, sei-o agora, a escola com que sonho e que tento ajudar a construir.

E espero que, antes da minha própria reforma,  o tal pacto educativo aconteça. Não me cansam os alunos, as crianças, o trabalho com eles (que adoro). Não me cansa a inovação, o desejo de fazer melhor, a vontade de aprender.
Cansam-me, sim, as condições em que temos de trabalhar muitas vezes e cansam-me (cert)os adultos cujo Perfil está longe de ser o preconizado para os Alunos à saída da escolaridade obrigatória:  sê e faz como eu te digo? ...










domingo, junho 25, 2017

Domingo explosivo (bolo de limão e mirtilos, sem glúten)


Domingo explosivo:
quando decides experimentar uma receita e adaptá-la ligeiramente (bolo de limão e mirtilos, sem glúten), e te esqueces que, por falta de espaço, tinhas uma lata de tomate picado arrumada dentro do forno, bem lá ao fundo...
quando escutas a explosão na cozinha (que provocou um salto em três gatos e fez o teu coração disparar)...
quando lá chegas e tens a porta do forno aberta, tomate por todo o lado (felizmente o bolo nem por isso) e passas a meia hora seguinte a tentar limpar paredes, forno, chão, tabuleiros...
... quando provas o bolo e percebes que a experiência correu bem e que te sacia com uma explosão de sabores bem mais forte do que qualquer explosão de uma triste e esquecida lata de tomate.
Podia ter fotografado o caos, mas fico-me pelo bolinho. Sim, mais perfeição seria possível. Para a próxima tenho de empurrar os mirtilos para o fundo, porque de tão bem envolvidos em fécula de batata para não afundarem (não tinha amido de milho), acabaram a flutuar e concentraram-se no topo.

Moral da história: em educação, são sempre muito mais saborosas, consistentes e perenes as explosões discretas que resultam de um trabalho cuidado e pensado, do que as sazonais que se ouvem à distância, fazem notícia, fazem estragos e dão uma enorme trabalheira a limpar.
Se estiverem interessados na receita, escutei-a na TV e revi-a aqui:
A minha adaptação? Não usei extrato de baunilha (não gosto). Em vez de três colheres de sopa de manteiga, duas de azeite e uma de manteiga. Açúcar de coco em vez de açúcar branco (para a próxima experimento com mel). Leite de soja em vez de leite de vaquinha.
Não precisei de 50 minutos... aos cerca de 35, quando a explosão se deu, o bolo estava pronto! 
A minha mistura de farinhas sem glúten é feita previamente. Esta tinha: duas chávenas de farinha de arroz, duas chávenas de farinha de trigo sarraceno, duas chávenas de farinha de aveia, uma chávena de fécula de batata, uma chávena de polvilho doce (fécula de mandioca), uma chávena de linhaça moída e meia chávena de farelo de aveia. Se tiverem um processador de comida, é só atirar tudo para lá, misturar e guardar num frasco. Quando tiverem receitas sem glúten que levem farinha, podem usar essa mistura.


(O hibisco azul foi colhido no jardim)