Quando aprendemos com as dúvidas e os erros dos alunos, os nossos poderes mágicos aumentam.
Eu explico.
Tenho por hábito demonstrar aos alunos que sou assim uma espécie de feiticeira, (vá... fada é mais bonito) da matemática. Não o sou porque sim. Sou-o apenas porque em 32 anos aprendi muito sobre eles e já consigo adivinhar muito do que sentem e pensam, com pequenos gestos ou indicações consigo fazer desaparecer uma dúvida, ou levar o alunos a corrigir-se quase sem nenhuma explicação, às vezes basta aproximarem-se de mim ou eu deles (momentos deliciosos) e sugerem correções mesmo antes de eu lhes explicar seja o que for.
Eles sabem e quanto mais confiam em mim (portanto neles) mais magia acontece.
Falamos, claro, do segundo ciclo. Essa idade também ela mágica onde ainda acreditamos em fadas.
Mas para que o efeito seja maior, é preciso (porque gosto imenso de representar) fazer e dizer as coisas certas no momento certo, chamar a atenção para a magia quando ela acontece, arregaçar as mangas (faço muitas vezes) e dizer:
querem ver? Nada nas mangas...
Os alunos do sexto ano, naturalmente, depois de uma experiência no quinto, mantêm a crença na magia, mas tenho de adaptar o discurso porque estão mais crescidos e nem todas as histórias os convencem.
Já os alunos de quinto...
Vem isto a propósito de uma aula acontecida na primeira semana de aulas, onde numa turma os convenci de que tenho realmente poderes mágicos inimagináveis. Tudo isto depois de uma coadjuvação à aula de uma colega noutra turma e, também, depois de uma aula minha noutra turma e no contexto de uma avaliação diagnóstica (que fazemos como deve ser... felizmente... Custa-me ler por aí que há escolas paradas no tempo a fazer coisas estranhas a que chamam diagnóstico e que de pouco servem, não porque sintam necessidade, ou isso as ajude, mas porque "tem de ser feito assim", já que uma vez um despacho qualquer a isso obrigava e algum pessoal ainda não percebeu que cada ministério sua sentença e é preciso distinguir o trigo do joio sem receio e fazer as coisas com o nosso bom senso e experiência de terreno, sem ligar a alguns devaneios de quem pouco sabe do que acontece neste século numa sala de aula).
Livra! Ainda não consigo bordar uma história em linha reta sem fazer desvios a torto e a direito em ponto de ziguezague...
Portanto, estávamos num momento de diagnóstico/revisão com um problema projetado no quadro.
Nada nas mangas (eu disse) e de seguida acrescentei:
estou aqui a ler os vossos pensamentos e sinto que há muitos alunos a pensar como é possível descobrir os 3 pontos na semireta se não existe ali nenhuma linha e ainda por cima estão na diagonal..
Caras de espanto e muitos dedos no ar:
oh professora, como é que sabe que é isso que estamos a pensar? Eu estava mesmo com essa dúvida...
Não vos disse já que sou mágica? Que passei as férias do verão num castelo do género do do Harry Potter a melhorar os meus poderes? Oh professora, como o Hogwarts? Sim, sim, mas para professores de matemática!
Lá esclarecemos a dúvida, depois de lhes ter perguntado quem era eu... e me ter inclinado para ficar na diagonal e perguntar de novo se tinha deixado de ser a professora Teresa, ou se deixava de o ser quando fazia o pino...
Dúvida esclarecida, avançámos. Iam respondendo, mas acrescentando sempre no diagnóstico se tinham sentido dificuldade num determinado exercício. A verdade é que, recolhidas as folhas, deu para perceber quem compreendeu o que estava a fazer e com uma pequena revisão conseguiu apagar os esquecimentos de um verão prolongado e quem realmente tem dificuldades expressas em erros revelando que nem as explicações e ajudas resolveram as dúvidas. O diagnóstico deve evidenciar estes últimos casos e não os da natural limpeza de verão. Levar os alunos a responder apenas a questões/testes longos nas primeiras aulas, quando já não se lembram de muito, causa ansiedade desnecessária, receio de estarem a ser avaliados e de pouco serve à relação com a disciplina, relação de confiança com o professor, desenvolvimento da autoconfiança e autoestima, ou à melhoria de aprendizagens futuras alicerçadas nos conteúdos em diagnóstico. Cinco exercícios projetados, discussão e ajuda e uma folhinha vazia para responderem onde para além das respostas indicam onde sentiram dificuldade (mesmo que a resposta esteja já certa) serve o diagnóstico. Esta foi a segunda parte... na primeira escreveram numa outra folhinha como foi a sua relação com a matemática, se gostavam ou não e porquê, onde sentiram mais dificuldades e o que esperavam para este ano na escola nova.
Noutro exercício, ainda no diagnóstico, recordei/ensinei a notação para medida da amplitude de um ângulo. Ora a coisa escreve-se com três letras maiúsculas e um acento circunflexo na letra do meio (vértice do ângulo... tipo AÊD) e, também na aula de coadjuvação, um aluno perguntou se o acento circunflexo que se colocava na letra era agudo ou obtuso consoante o valor em graus da amplitude.
Na minha aula, a seguir, parei de repente, olhei para todos, mão na testa (nada na manga) e disse:
estou aqui a sentir que há um aluno ou dois que tem esta dúvida (descrevi a dúvida).
Três alunos de dedo no ar:
oh professora, adivinhou... eu estava mesmo a pensar nisso.
À saída, vários:
eu nem gostava de matemática mas agora acho que estou a adorar...
Aos pais na reunião de apresentação dos professores das turmas:
livrem-se de lhes dizer que a matemática era um pesadelo para vocês em pequenos e, nada de lhes dizer que eu não tenho poderes mágicos... porque tenho mesmo. (Risos no fim)