domingo, outubro 13, 2013

Porque há vida para além dos exames... e porque os culpados nunca serão avaliados.

Na aula de matemática há sólidos invisíveis na palma da nossa mão... 

A história repete-se:
Pedro, quantos vértices? Estou a contar na minha cabeça...

 


Por que razão continuo com falta de tempo para esta teia? É por causa de outras teias que tenho de tecer e alimentar e porque, embora a prática reflexiva docente seja um bem maior e recomendado, cada vez mais a escola é uma fábrica de fazer (muitas vezes um "fazer" estéril) sem espaço para pensar, respirar, avaliar, refletir, mudar...
Começo a achar que há interesse em transformar professores e alunos em fazedores obedientes e acéfalos... Tão mais fácil governar uma população que se deixa ir na corrente, cansada, desistindo de ser Pessoa com direitos e opinião...



 
Para além das minhas aulas, a coordenação do departamento... Unir, articular, transformar um grupo de professores (de que gosto muito) numa equipa. Partilhar, convocar, escutar, colaborar, sugerir, organizar... Um desafio nestes tempos onde as dificuldades se acumulam e nos assaltam por todos os lados.

Ontem (e hoje...) o dia dedicado à organização e partilha de recursos (na DRIVE do Departamento e publicamente no blogue http://matteia.blogspot.pt/) e depois "melgar" os meus pares com muitas mensagens a explicar tudo o que tem de ser feito e o que vai acontecer... Os dias da semana não chegam, já se sabe. Nem as ditas 40. Sorrio na esperança de ser obrigada a trabalhar apenas 40 horas: tanta lista que ficaria por cumprir!




Ontem reparei que metade da responsabilidade dos resultados escolares de matemática - 2.º ciclo, e para onde a Inspeção Geral de Educação insistirá em olhar quando vier novamente este ano verificar o que fizemos com avaliação do ano passado, vai ser da minha estatística responsabilidade... Leciono metade das turmas de sexto ano da escola (turmas muito grandes que não preparei no 5.º ano e onde, com exceção de uma, há um número muito considerável de alunos que transitaram com negativa e usufruem de apoio). Numa das turmas quase metade das crianças tem aulas de apoio (apoio que este ano pode ser, por exemplo, uma turma de 20... (!) ). Nessa turma há também um tempo de coadjuvação (um alívio ter a colega comigo a ajudar-me no apoio a atividades práticas dos 30 meninos nesse tempo) e tenho a presença do professor do ensino especial para dois alunos dessa turma (nee). Não há de ser nada... São também as minhas equipas e havemos de chegar todos vivos e bem ao final do ano. 
 Como os exames são no início do terceiro período e a matériazinha tem de estar toda trabalhada até ao final do segundo (absurdos estranhos que a tutela dita sem pensar nas consequências...), depois havemos de fazer toda a matemática que nos apetecer, ao nosso jeitinho, sem stress... Até lá, misturaremos o possível com equilíbrio, que eu cá sou mesmo é especialista em matemagias, motivações, cura de alergias e medos matemáticos... Treinadora para exames? Não tenho feitio, não...

E a isto junta-se uma portaria que me obrigou este ano (permite-o para mim e para muitos) a leccionar algo no terceiro ciclo para o qual não tenho habilitação profissional (só própria). É o rigor em ação. Acho que para o ano, se descobrem que eu escrevo poesia, passo a lecionar matemática e língua portuguesa... e como toco guitarra mais ou menos, quem sabe posso dar aulas de educação musical?

Não me conformo com os disparates em curso e, andando nisto há quase 30 anos, já passei por muita coisa e vi muita coisa mudar para melhor e para pior... A esperança persiste de que dias mais claros nasçam e foco-me apenas em proteger os miúdos dos efeitos nefastos de quem não tem qualquer noção do que é hoje a realidade das escolas, das crianças e das famílias. Mas para o fazer (e tudo o que me está atribuído em simultâneo sem qualquer redução), deixo de ter vida, simplesmente. Todos os fins de semana, desde que o ano letivo começou, são preenchidos com trabalho, na esperança de conseguir um dia ter tudo organizado e acabado. Não será possível.

Claro que tentarei prepará-los, enquanto pessoas, para o que terão de enfrentar, mas não os treinarei especificamente para os exames... 
Este ano, por exemplo, tem sido mais complicado porque só fazê-los confiar em mim é uma missão que já dura há um mês... coisa que está resolvida no 6.º ano quando são meus no 5.º. Eu preparo-os para confiarem em si próprios, para sentirem que são capazes, para não desistirem, para se fortalecerem. E sou muito muito exigente, mas estou lá sempre para amparar e ajudar quem precisa. Quando a confiança se instala,  o resto é um pouco mais simples, mas não opera milagres sem o seu esforço pessoal e o empenho das famílias. Isto é diferente de treino exclusivo e amestração para exames, porque findo o exame não resta nada e eu quero que findo o exame tudo fique e se consolide ainda mais. 

Se não podemos fazer de conta que eles (exames) não existem, também não podemos deixar que nos impeçam de ver mais longe. Se é fácil o equilíbrio? Não é... E admito que às vezes a insegurança (falta de experiência) do próprio professor dite esse tipo de gestão assustada, esse receio de falhar. A pressão social e mesmo na escola (avaliações internas e externas) está nos ombros dos professores de disciplinas sujeitas a exame. Por isso, embora eu não goste de cargos de coordenação, é sempre uma oportunidade de partilhar e passar uma mensagem diferente a quem precisa... E às vezes basta isso: ajudar e encontrar melhores caminhos de ensinar e aprender entre pares (mesmo no meio do tsunami e dos destroços e entulho polvilhados carinhosamente na nossa estrada pela tutela...)

Ah... e ainda vivo (felizmente) respirando com o programa de matemática antigo (por mais este ano e, depois, lixo com  algo que nem acabou de ser implementado, tão pouco avaliada a sua implementação)... Como se não bastasse todo o mal que tem sido feito, estamos a (tentar) trabalhar nas metas do 5.º ano (em implementação) e cada vez mais me assusto e preocupo com o que fizeram ao programa.  Os colegas a lecionar 5.ºs estão em dificuldade e os alunos também... 


Será que não podiam parar de inventar pedras para nos colocar no caminho?
Será que nos podiam deixar respirar um pouco por entre os mísseis que parecem fazer questão de lançar em cada ano letivo, sem respeito algum pelos alunos, professores e famílias (a comprar de novo manuais de 5.º e 7.º anos de matemática e português, no caso em que a criança está a repetir o ano, herdou o livro de um irmão, ou conseguiu que alguém o emprestasse..). E quando não é possível comprar o manual, o professor dificilmente consegue fazer o seu trabalho em turmas de 30, usando fotocópias para os alunos que o não têm, levando os alunos atrabalhar sem materiais apropriados... tentando sempre corrigir os disparates consecutivos de tutelas que antes de tomar decisões deviam pensar nas consequências.
Ignorância? Incompetência arrogante.

Em 30 anos já vi muita coisa estranha... nada tão estranho como o que estamos a viver este ano na educação e nas escolas. As cicatrizes brevemente ficarão expostas. Já os culpados... esses mudarão de vida, de cargo, de posição, sem nunca serem avaliados pelo mal que fizeram ao país, como já é habitual.

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Opinião (ler o resto AQUI):

Sobre o novo Programa de Matemática do Ensino Básico




Um programa alicerçado na preocupação do axiomatizar, que valoriza o “formalismo pelo formalismo”, que rejeita a possibilidade de compreensão de conceitos e procedimentos, dificulta a tarefa do professor, para além de se distanciar das orientações dos programas do Reino Unido, de Singapura e dos EUA.
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 Assinatura
Carlos Albuquerque, Ana Cristina Barroso, Maria João Gouveia, Suzana Nápoles, Luís Sequeira e Maria Manuel Torres, docentes do Departamento de Matemática da FCUL


 

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