domingo, setembro 15, 2013

Princípio 1: ... do direito a renascer e do direito à mudança

Todos os anos, antes de recomeçar, passamos por reuniões onde nos é traçado o perfil de cada turma globalmente e destacado o perfil de muitos alunos individualmente (quer pelos elementos do conselho de turma que já conhecem os alunos, quer pelo professor de 1.º ciclo que reúne com o diretor de turma, quer por professores de anos anteriores, quer através dos processos individuais dos alunos). A tendência é, cada vez mais, a existência de perfis individuais problemáticos, num crescendo assustador que tem muitos fatores na sua origem (não nos surpreende). Este ano, em que regresso novamente à escola, depois de três anos em funções na Direção Geral de Educação (ligada ao Centro de Competência TIC da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de  Setúbal),  acontece-me algo que é raro: foram-me atribuídas turmas de 6.º ano (matemática - ano de exames) que não preparei no quinto ano e uma de 7.º - ciências (ciclo/disciplina que nunca lecionei, mas que uma portaria recente me permite que faça apenas com habilitação própria, mas sem habilitação profissional.).
Nada sei sobre os alunos a não ser o que me foi dito.

Escutamos atentamente, moldamos as expectativas, criamos receios, suspiramos aflitos (raramente aliviados) com o que aí vem...  E depois?

Confesso que tomo nota de tudo, tudo fica escrito, tudo fica apontado. Que mentalmente, e na preparação do arranque do ano letivo, procuro repensar estratégias para poder ir devidamente preparada ao encontro do que me espera. Mas depois esqueço as informações de natureza individual. Impossível chegar a cada turma  com todas as descrições e avisos presentes na mente (este ano com mais de 100 alunos - e sou das privilegiadas por lecionar uma disciplina com forte carga semanal).

Mas não esqueço apenas devido à natureza frágil da memória e do número elevado de alunos. Obrigo-me a esquecer.
O que é claramente uma desvantagem grande (não ter preparado os alunos previamente e não os conhecer) pode ser transformado numa enorme vantagem. Algo que acontece normalmente no 5.º ano, mas nunca no 6.º, em que os alunos sabem que eu sei (?) quem eles são e o que esperar deles (o que também não é verdade, porque me abro sempre à possibilidade de mudança e consigo não criar expectativas que moldem irreversivelmente o trabaho em cada ano).
Os alunos que vou encontrar,  a partir de amanhã, sabem que não os conheço e não me conhecem a mim. Têm uma oportunidade única de renascer... de mudar. Eles e eu com eles. As oportunidades são sempre feitas de dois sentidos.

Portanto, quando amanhã entrar na sala de aula para nos conhecermos pela primeira vez, não quero saber das repetências triplas, de alunos com 14 anos no segundo ciclo, dos alunos que faltaram muito, dos que passaram a vida a sair da sala de aula e a provocar colegas e professores, dos que não falam, dos que falam muito, dos que têm medo, dos que têm famílias muito complicadas, dos que têm toda a sorte de problemas, dos que aparentemente não têm problema nenhum, dos que estão no quadro de mérito... e digo-lhes isso na primeira aula: não sei quem vocês são e aguardo que me mostrem o que querem ser este ano. Têm a oportunidade de fazer diferente desta vez, ou manterem o que tem corrido bem.

As primeiras aulas são fundamentais. Não me apresso... combinam-se regras, conversamos sobre as suas/minhas expectativas, sobre quem somos e do que mais gostamos, sobre cooperação, sobre respeito, sobre uma avaliação que estará entranhada no trabalho e servirá para nos ajudar a traçar o rumo e a resolver problemas. Preparamos calmamente o trabalho, decidimos em conjunto o que fazer, como nos organizar, explico o que vai ser diferente, o que posso oferecer. Aviso que sou muito exigente, que puxo por eles até ao limite, mas prometo tentar fazer da disciplina de matemática a sua preferida. Deixo-os acreditar ou não acreditar em mim.
A seu tempo perceberão que lhes digo a verdade e que lhes falo com o coração.

A seu tempo descobrirão que lhes concedo o direito a renascer e o direito à mudança. Ajudá-los-ei nesse caminho, mas preciso de os convencer primeiro que serão eles os principais agentes, a força motriz, o combustível da sua própia mudança, do seu crescimento, para não desperdiçarem essa oportunidade de renascer...

Leva sempre tempo, mas quando temos sucesso o que recebemos é sempre muito mais do que o que lhes demos.

Meninas e meninos, estou a caminho!


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Nota de rodapé: Nas aulas de matemática serão 30 ou quase 30 os alunos em cada turma (as turmas, contrariamente às tendências nos países que levam a sério a educação, aumentam o número de alunos... a fila do desemprego cresce). Temos mais horas de permanência na escola e menos tempo para preparação de aulas e restante trabalho, mesmo com cargos, como é o meu caso - que coordeno o Departamento de Matemática e Ciências Experimentais composto por quatro disciplinas - matemática (grupo de que também sou responsável), físico-química, ciências naturais e TIC. Ao todo mais de 20 professores... o que me tem feito trabalhar em cada fim de semana quase metade do tempo que deveria ocupar semanalmente (contando já as 40 horas). As condições são cada vez mais adversas, logo é preciso concentrar esforços no essencial que são os alunos e a sala de aula. Mais fácil de dizer do que de fazer, sobretudo para os professores que lecionam disciplinas com cargas semanais muito pequenas e têm dezenas de turmas e centenas de alunos a seu cargo... E mesmo esses dão  o seu melhor para proteger os alunos destes caminhos que, esperamos, um dia mudem.

Porque a mudança não é apenas uma palavra... somos nós que a construímos e a forçamos a acontecer. Temos de lutar por ela ativamente. E a educação neste país, acredito (tenho de acreditar), renascerá um dia conduzida com (verdadeiro) rigor e inteligência, aproximando-se dos melhores padrões mundiais de sucesso educativo... aquele feito de aprendizagem consistente  que consegue mudar os destinos de um país.

6 comentários:

Anabela Magalhães disse...

Subscrevo tudo o que escreveste.
Votos de excelente ano lectivo, Tza!

Anabela Magalhães disse...

3za! ;)

Eduardo Martinho disse...

Bom regresso à escola!
Meninas e meninos, atenção, ela vai a caminho!
Bjinho
P

Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada, Anabela! Um excelente ano letivo para ti também! :)
Paizão... obrigada! :) E tudo recomeça! Beijinhos

Anónimo disse...

De regresso à escola e à Teia! :)))
Tu ainda tomas nota das informações sobre alunos que ainda não conheces, embora para as esquecer. Eu nem tomava nota, excepto de algum problema de saúde... Eu só acrescentaria, a "direito a renascer e direito à mudança", o direito a que os professores não comecem com expectativas negativas sobre eles. Por estas e outras coisas, fazias muita falta aqui na Teia (como vais fazer falta na dinamização do Scratch, é verdade...).
Um excelente ano (apesar de tudo), 3zinha!
(Se conseguir enviar o comentário, o que não estou a conseguir)

teresa disse...

Obrigada, Isabelinha!
Beijinhos