No currículo nacional de 2001 o que falhou foi a infidelidade normativa (quem pura e simplesmente continuou a fazer o que sempre fazia, fingindo que fazia diferente só porque mudava uma grelha ou outra), persistindo numa abordagem fria e desapaixonada do currículo e da educação, sem nunca ter em conta os alunos e reduzindo-os à condição de coisas e médias de testes. Paradoxalmente, foi também a infidelidade normativa que permitiu o sucesso de adaptação em muitas escolas e gerou inovação e sucessos inequívocos. O problema é sempre o mesmo: quem olha para si próprio e sofre do bom (senso) desejo de ser melhor fazendo diferente, não precisa de normativos para mudar e evoluir no bom sentido em cada ano que passa. Aproveita as oportunidades e reinventa o possível, protegendo os alunos do mau e filtrando o bom... porto seguro onde algumas normas são desrespeitadas para garantir que os alunos não sofram constantemente com os tsunamis políticos e as deambulações e devaneios de quem não faz ideia do que acontece na escola real, ou os constrangimentos e contradições que impedem a ação legislada. O enorme problema das tutelas passa essencialmente pela falta de fé nas gentes que tutela e, portanto, pela necessidade de controlo (quantas vezes disfarçado com a palavra autonomia) num carrossel que se sucede de administração em administração, com ciclos e ciclos e mais ciclos a recuperar ideias antigas e a maquilhá-las (complicá-las) como se fossem novidades.
Portanto, é possível mudar tudo, todos os papéis, todas as matrizes curriculares, grelhas e organização escolar, sem tocar numa linha que seja da prática educativa. O problema é que os melhores profissionais deste país (e, acreditem, há muitos) não conseguem fingir que fazem sem fazer, não conseguem habituar-se a não ter tempo para estudar, refletir, inovar, porque o foco do seu trabalho tem vindo a ser deslocado para o vazio da conformidade dos papéis, e estão mais cansados do que os demais, por conta do esforço enorme para proteger os alunos (o que os leva a trabalhar a desoras com pouco descanso). Já os restantes (que, acredito, sejam uma minoria), tão depressa defendem uma coisa como o seu contrário, para estarem de bem com a tutela e em conformidade legal, mas, na prática, continuam a fazer (mal) o que lhes apetece e o (pouco) que sabem fazer, porque nunca investiram pessoalmente numa mudança real, que vem sempre de dentro para fora e não o contrário.
Já me ri amarela e solitariamente ontem, ao concluir uma das fichas de autoavaliação que, depois de passar por inúmeras formas, para estar de acordo com os devaneios legislativos dos últimos anos, está praticamente igual à que construí quando ainda ninguém usava ou fazia nada disso, apenas porque eu sabia a importância da autorregulação, da metacognição e da transparência dos critérios de avaliação. É muito raro um aluno meu propor para si um nível diferente do meu e, normalmente, é sempre menos (por vergonha de sugerir o 5). Quando propõe mais e os seus argumentos são válidos, face aos critérios e a uma autoavaliação bem feita, também subo. Estou a falar de crianças do segundo ciclo...
Dizem alguns que os professores são velhos e rígidos e que, se a tutela e as direções não impuserem coisas, nada muda. É falso... Quem muda, como quem ama, como quem lê, fá-lo porque quer, não porque alguém manda. Mudar não se conjuga no imperativo. E a frágil paz do assentimento e da falta de reclamação (os professores são, apesar de tudo, uma classe dividida e muito silenciosa, na maioria das vezes), revela mais o medo de dizer não a quem manda do que a concordância com tudo o que somos obrigados a fazer (as palavras liberdade, sentido crítico ou democracia e cidadania, espalhadas pelo perfil dos aluno, são apenas isso... palavras, porque a falta de confiança em nós, e o hábito do medo, não se apagam de um dia para o outro em gerações de adultos - educadores - habituadas a obedecer cegamente e a ser maltratadas como os párias que nada fazem, com vergonha de dizer que são professores).
Resta-me, então, tentar inspirar os professores que coordeno, ajudá-los a encontrar melhores caminhos e melhores práticas (letivas e avaliativas), que conduzam a um sucesso educativo de melhor qualidade, usando a minha experiência bem mais do que os normativos, mesmo com os dez mil mails que lhes enviei na sexta com toda a espécie de informações, pedidos, leituras e afins, sufocando-os até à exaustão, mas sossegando-os na medida do possível, para que possamos, como sempre, dar o nosso melhor com a necessária calma.
E sobra-me, pois, a tal infidelidade normativa... no meu caso para o melhor. Sou inteligente, sou uma excelente professora (hoje não me apetece a falsa modéstia), com provas dadas nestes quase 40 anos de serviço, tenho cabeça para pensar e sempre fiz diferente quando achava que o que me pediam prejudicava os alunos. Não devo estar assim tão errada porque, mais uma vez, depois da fase crato (julga ele que eu usei aquelas duzentas mil metas, ou obriguei os meus alunos a decorar conteúdos sem jeito, mas protegi-os sempre, fui exigente e orgulho-me de criar alunos que gostam de matemática e aprendem a pensar)... até regressámos a um programa de matemática praticamente igual ao anterior ao do senhor C, quando fui formadora de professores e fiquei finalmente feliz por ter um programa decente em mãos (2007). Nem tudo é mau agora e sou otimista... Depois do disparate pegado que foram as primeiras aprendizagens essenciais feitas à pressa, num agosto de má memória, que me obrigaram no ano passado a reescrevê-as para o meu departamento, finalmente estas (também apresentadas próximo de agosto... triste e desrespeitosa mania) retomam os bons princípios da educação matemática e são uma base de trabalho boa para tudo o que temos de fazer. Apenas continuam a laborar no erro, repetido das primeiras AE, de considerar capacidades transversais (resolução de problemas, raciocínio e comunicação matemática) como temas organizadores a par de números e cálculo, geometria, álgebra e OTD... Já que não me escutaram no ano passado, olhem, por favor, para o programa de 2007, porque lá esse erro não aparece e, já agora, a propósito de bons recursos que vos podem ajudar agora (novamente) a trilhar os caminhos do atual programa (repescado de 2007), partilho também a página de internet do programa de formação contínua em matemática (ESE/IPS) quando fui formadora e responsável pela construção desse espaço de apoio aos formandos e professores em geral. Se juntarem o programa de 2007 aos recursos da página e tiverem tempo para ler alguma coisa, podem encontrar muito do que precisam neste ano letivo.
Em síntese, meus queridos miúdos e pais, neste início de ano letivo, prometo-vos solenemente não fazer flutuar as minhas exigências, discursos ou práticas, que fui validando ao longo dos anos com a experiência e muito estudo (num tempo com tempo para estudar), porque vos quero bem e solidamente formados para o futuro difícil e incerto que vos espera. Prometo continuar a fazer por vocês o meu melhor. Porque, por mais que me digam que o paradigma mudou, isso não é verdade. O único paradigma, o único dogma, é fazer os alunos aprender cada vez melhor e tornarem-se boas pessoas. Não por causa de leis que mudam todos os anos ao sabor de nenhum vento, boas e más, presas a um infinito carrossel, ou por causa das dez competências gerais de 2001, transformadas agora no perfil dos alunos de 12.º ano (não conheço nenhuma pessoa assim e políticos passageiros ainda menos), ou por causa disto ou daquilo, mas apenas porque... se este país for populado com boas pessoas, cidadãos fortes, e excelência, nenhuma tutela poderá, jamais, no futuro, mandar e desmandar sem reação ou consequências. Eu amo o meu país e quero o melhor para ele.
P.S. E, já agora, que tal uns patamares de proximidade no perfil do aluno, por ciclo, que já pedi diretamente ao SE João Costa numa sessão pública, para ser mais fácil programar o trabalho nos primeiros anos do básico? Ah... é verdade... como também já ouvi dizer... cada escola é que sabe e faz como quer. Essa autonomia eu dispenso... O currículo, enquanto documento nacional de referência, não pode ser apenas um documento edutópico que na prática depois não nos ajuda a planificar o trabalho e se presta às mais diversas interpretações.
E, uff, respira fundo teresinha, que tens mais uma ata para acabar e ainda é preciso enfiar os critérios numa tabela mais a jeito da portaria 223 de agosto, para levar a CP (quarta), acabar a construção das fichas de autoavaliação, preparar a reunião da equipa multidisciplinar e ler o manual de apoio com montes de páginas a ver se ganhas competências instantâneas no assunto e entendes todos os impressos que vais ter de ajudar a preencher para os alunos com n.e.e. (segunda), começar a pensar no PAA (até 12 de outubro), monitorizar o PA do departamento (2017/2018) com os resultados escolares, preparar as atividades interdisciplinares das turmas e a reunião quinzenal da equipa educativa (segunda), organizar os documentos da supervisão pedagógica e partilhá-los motivando o teu departamento para executar a dita, organizar a drive do departamento, preparar as aulas da próxima semana e... tudo o mais que aparecer de surpresa, para além de "dar" aulas... quase me esquecia. Se não me valesse o meu sentido de humor e uma gestão adequada do stress, para evitar o aumento de cortisol e a engorda abdominal associada, estaria de rastos. Em vez disso, o peso passou para os 47 (bem que lhe dou com um geladito de vez em quando, mas sem grande sucesso) e não sai daqui. Uma vez que estes "stresses" cada vez são de maior duração (e esse é o problema), aprendi a enganar o cortisol apenas com uma atitude positiva, defensiva e protetora da minha sanidade mental... !