Carta a minha Mãe
Mãe,
Faz agora vinte anos que partiste sem que tivéssemos tido a oportunidade de nos despedirmos. Recebido o telefonema da Lina, fomos à Chamusca, eu e a Piedade. Encontrámos-te na cama do hospital, sem dares acordo de ti. O enfermeiro deu-nos algumas esperanças… mas eu senti que te perdera para sempre.
Durante noites e noites sonhei contigo. Só ao fim de muito tempo encontrei paz de espírito. Agora já não sonho contigo, mas tenho a sensação de te ter por perto. Sinto que me proteges e aos meus, qual anjo da guarda vigilante.
Recordas-te, Mãe, que ao ver-te
costurar na borda da cama eu quis ser alfaiate (“fanhate” na minha linguagem de
criança)? Recordas-te que, quando concluí a escola primária com dez anos
incompletos, a tua preocupação era “tirar-me
da rua” para “não apanhar vícios”?
Passados uns meses estava a “trabalhar” no armazém Pedroso & Rodrigues, onde
cheguei a marçano de balcão, ao lado dos veteranos Zé Araújo, Constantino e
Vitorino. Na altura não se falava de trabalho infantil, que todas as migalhas
eram poucas para o pão da casa. O trabalho no armazém até tinha aspectos
divertidos, e cinquenta escudos por mês era dinheiro…
Mas tu, Mãe, que eras uma Mulher especial,
sonhavas com um futuro diferente para mim, embora não soubesses qual.
Recordas-te de teres ido falar com o senhor Carmo? De o teres convencido a
aceitar-me como uma espécie de moço de recados na repartição de finanças? De
ele ter prometido fazer o necessário para eu frequentar o colégio que havia na
vila, onde poderia fazer os dois primeiros anos do liceu? Recordas-te de como a
tua iniciativa, com o apoio daquele Amigo, foi o princípio de tudo?
Recordas-te que projectávamos o
futuro por pequenos passos? O “plano” era construído à medida que as diferentes
etapas eram vencidas: com o segundo ano do liceu, poderia ser funcionário da
CP; com o quinto ano, poderia ser aspirante de finanças como o Constâncio; com
o sétimo ano, poderia ser empregado bancário. Nunca chegámos ao ponto de pensar
que eu poderia frequentar um curso superior, mas foi o que aconteceu. Nessa
altura não escasseavam empregos, era um tempo em que até se era convidado antes
da conclusão da licenciatura. Lembras-te da nossa alegria quando comecei a trabalhar
na Junta de Energia Nuclear?
O caso foi comentado na Chamusca.
Gente humilde acreditou que era possível... Lembro-me de uma pergunta: «Para que mandaste o teu filho estudar?»,
e respectiva resposta: «Para subir na
vida como o filho da Maria Emília!»
Alcançaste o teu sonho... Com muito trabalho, sacrifício e até algumas humilhações.
Repousa em paz, Mãe!
Eduardo
in Tempo de Recordar (o blog do Pai)
Não são precisas mais palavras, pois não?
Dia do Pai é o exemplo de todos os dias...
3 comentários:
Fiquei com vontade de escrever uma carta de teor muito parecido à minha mãe...
ou mesmo diretamente ao meu pai!
São ambos vivos, já na soleira da porta dos 89 anos!
Ainda ontem a minha mãe me voltou a "segredar" aquela incrível história de quando eu me esqueci de entregar a prova de exame final (2ª ÉPOCA), eu preparadíssimo, ainda hoje estou para perceber como é que o meu pai, induzido pela fé inquebrantável da minha mãe, conseguiu convencer o diretor do Instituto a repetir o meu exame (só para mim?!... naquele tempo, no tempo de Salazar e da Pide, o meu era pobre, com cinco filhos, todos a estudar... como, pai? como é que conseguiram fazer isso?!... obrigado PAI)...
Obrigado PAI...
Os Pais e as Mães são mágicos... :)
Desculpe, Teresa, emocionei-me, os olhos rasos de lágrimas, comecei a teclar e fiquei para aqui a transpôr as suas emoções, indelicadamente, talvez.
Mas tem razão.
Os Pais e as Mães são mesmo mágicos...
:)
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