Ora bem.
Comecemos primeiro pela muda e surda irritação num feriado, sozinha em casa, a corrigir e classificar testes.
Imprecariamos silenciosamente por tudo o que não foi ainda aprendido, por todos os disparates sem nexo, por todas as distracções, as contas erradas, a falta de vírgulas, a avó de 26 anos cuja neta de 10 tinha um sexto da sua idade, a falta de unidades nos resultados (
ai quantas vezes já pedi!).
Alegramo-nos com os progressos inesperados de alguns, com os testes integralmente correctos de outros. E logo a seguir, novamente, o desalento,
ando aqui a fazer o quê?, talvez mudar de profissão, talvez mudar de planeta, talvez mudar de rua, de corpo, talvez fugir...
E regresso a eles no dia seguinte. Hoje.
Chamo a atenção, claro, explico a minha preocupação. A voz é doce e nem sinal da irritação da véspera. Crio condições para um atendimento individualizado a cada um, ou pelo menos grupos restritos com dificuldades afins. E peço que se vão ajudando entre si, à medida que vão compreendendo os erros, as distracções... (tenho de aproveitar o Clube, porque não tenho outro espaço ou tempo para o fazer... e eles gostam que se converse um bocadinho com eles sem o stress dos conteúdos e dos toques).
Nas explicações pergunto-lhes porquê esta ou aquela resposta. Por que razão a tabuada continua mal sabida e as contas de dividir (por mais que eu as faça com eles) ainda não são dominadas por todos. E acalmo os ansiosos, e pico os mais preguiçosos. E o tempo vai passando com eles ali pertinho. São 28... na aula continuei o mesmo trabalho com os que não estiveram no Clube.
O erro é sempre uma oportunidade de aprendizagem. Lugar-comum que levo muito a sério com os meus meninos.
Faces iluminadas à medida que percebem por que razão erraram aqui e ali. Às vezes o desabafo de alguns "era tão fácil.... afinal... foi mesmo distracção!" a mostrar que estão a pensar sobre o que pensaram menos bem durante a avaliação.
Risco-lhes as fichas dando explicações individualizadas. As fichas, ainda hoje lhes disse, são essencialmente um companheiro para aprender, para reflectir, para resolver problemas e avançar mais seguro pelo caminho.
Depois na aula a alegria de os ver trabalhar autonomamente e colaborativamente na correcção dos erros, enquanto assisto mais alguns nas nossas
consultas individualizadas do sr. doutor.
Ah se eu tivesse tempo!... Mais tempo... Se a escola não se tivesse transformado numa massa tão anónima, coisa colmeia, coisa formigueiro, quase sem espaço para a pessoa...
... tantos mundos mais colocaria nas suas mãos! Vou colocando os que consigo... com infinita paciência, mesmo quando de véspera acredito que já a esgotei.
Da irritação de quarta... nem sinal! Encontro-os e tudo desaparece. Sim, ralho, sou exigente, não perdoo uma vírgula fora do sítio, exijo tudo o que sei podem dar... mas é serenidade o que se respira ali, a voz não se eleva, os comentários são precisos e dizem respeito ao trabalho ou à falta dele, não ao aluno.
Rubem Alves já dizia. Jardineira sim.
Ah... quanto amor e paciência são precisos até o fruto amadurecer...
E tempo... tempo... tempo que falta sempre...
(Dessem-me tempo e eu faria todos os milagres!)