segunda-feira, setembro 28, 2009

Balanço de uma noite

Não encontro as palavras certas. Nem me apetece encontrá-las.

Tantas vozes esgrimindo-se pela ideia mais certa, pela interpretação mais verdadeira, pela conclusão mais precisa...
Em vez disso encontrei quem fale por mim. Repousava na prateleira da poesia, onde sempre repousam todas as respostas de que preciso.

A esperança de qualquer coisa que embale as minhas razões e as acções que delas nasceram. Ainda acredito nesse futuro que o meu sonho desenhou.

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(Fantasia? Loucura? Intuição? Sabedoria?)



Carta

(de Mia Couto)

pág. 94

Tenho demasiado sono para alimentar crenças. Das casas vou preferindo os cantos interiores, obsessivas sombras em que vou julgando. Se me acerco das janelas é apenas para ver o longe, as ténues linhas do azul inatingível. As portas, fechadas ou abertas, pouco valem. Desfaleceram com o desencanto dos caminhos. Vou ficando pela distracção de desejos mansos, sem guardar réstia de glória nem consolo. Assim, dou feriado à minha existência.

Sofro a fadiga das viagens que nunca ousei. Mas não me dedico nenhum desalento. Porque mantenho dos índios o preceito de envolver com panos os cascos dos cavalos guerreiros. Assim protejo a gravidez da terra. Fica a esperança: outros farão vencer as nossas pequenas razões. Saberemos então do seu tamanho, da sua pressa de ser cedo.

De tanto pensarmos fomos ficando sós. De amarmos venceremos o cerco dessa solidão. Que este cansaço sirva, ao menos, para não culparmos nada nem ninguém.

Mia Couto, 1985

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