domingo, março 30, 2008

"A geração do écran"

Opiniões - Alice Vieira
via 'Umbigo

A geração do ecrã


Quando nos gabamos, morrendo de saudades de tempos idos, da nossa geração:

que, sim, aprendeu na escola as coisas certas,
que cresceu para se tornar dona do mundo num tempo em que, sim, era tudo como devia ser e não havia muitos écrans
que agora diz que a escola não ensina nada, não se preocupa se se aprende bem ou não e os deixa sair assim uma espécie de analfabetos com credenciais de escritor
que fala tão bem, escreve tão bem crónicas sem erros ortográficos sobre todos os assuntos não importa quais, sabe as respostas todas, mas nunca explica exactamente como é que se faz para, nem tão pouco faz
que gosta de ler e lê imenso e coisas muito importantes,
que usa tão inteligentemente o intelecto, a abstracção, tudo compreende
que se revolta contra o eduquês e demais modernices
que educa crianças, dá aulas e governa o país,
que tão bem sabe apontar culpas para a península de todos os lados menos o seu...

só consigo pensar nesta frase que encerra o texto de Alice Vieira:
nós deixamos. Porque a Alice olha com os olhos certos para o monstro. Somos responsáveis, em maior ou menor medida. Fomos coniventes na abertura da porta que o foi deixando entrar.

nós deixámos e continuamos a deixar

O mundo, como está, foi feito por nós todos.
Eu não sei se estes miúdos, que um dia nos vão governar, vão conseguir ser tão maus como nós temos sido (com toda a nossa sabedoria, inteligência, cultura e etiqueta trazidas de uma escola que ensinou tanta gente tão bem, a ponto de sermos especialistas em arriscar o futuro do Planeta, em fazer aumentar a violência, deixar por resolver os conflitos, a pobreza...) mas sei que será difícil serem piores e sei, também, de muitos miúdos que mesmo sendo geração do écran nos poderiam ensinar algumas coisas... porque há também uma educação que se faz pelos contrários e, quem sabe, algumas crianças e jovens vão conseguir aprender connosco exactamente aquilo que não se deve fazer nem ser (é que também há nas escolas muitos meninos muito diferentes dos do vídeo, geralmente importunados por estes, com o nosso consentimento integrador).

Eu que até sou muito exigente, engolirei em seco e perdoarei um ou outro erro ortográfico, uma ou outra tabuada esquecida (Meninos! Eu não disse isto! Aos meus alunos não perdoo nada!!! É só assim uma espécie de retórica para reforçar a ideia! Eu depois explico-vos!) se eles no futuro conseguirem fazer melhor do que nós e endireitarem o mundo inteiro. Foram várias gerações, as tais muito bem preparadas por uma escola magnífica e idolatrada, que o colocaram no estado em que está.
Há verdades que dói ouvir, porque estamos dentro delas... do lado dos problemas e não da solução. Afinal a nossa educação/escola do passado ensinou-nos exactamente o quê? Abro a televisão e tenho a resposta todos os dias (não, não falo do espectáculo dados pelos alunos no Youtube... falo dos adultos...)

É talvez boa hora para deixar as lamúrias, acabar com os dedos em riste e tentar realmente fazer o possível para emendar a mão. Cada um no seu campo, com uma visão global, coerente, consistente e empenhada. Com confiança mútua, sem desautorizações constantes.
É mais fácil falar, eu sei, mas em cada dia procuro pelo menos que os meus gestos contribuam para alterar esta impertinente vontade que o mundo tem de se deixar resvalar para o mal... sem certezas, que elas tolhem-nos os sentidos, mas com amor, exigência e convicção.
Está ao nosso alcance, se lutarmos sem vergonha nem culpa pelas condições certas.

ADENDA (quase optimista): Há no mundo muitas coisas boas, feitas por muita gente boa... muitas vezes gente menos letrada mas sábia e sensível, com a inteligência natural de quem escuta o coração do mundo e lhe pergunta "de que precisas? como te posso ajudar?".
Mas também não é mentira que o mundo esteja doente... embora a visão da doença se acentue por via de uma imagem "nos écrans" com natural tendência para a desgraça alheia. Isto não diminui a constatação de que os erros todos, e as consequências graves que geram pelo mundo fora, têm sido cometidos por nós e por mais ninguém (até ver, ainda são os terráqueos que dominam o planeta... ou já andaríamos a apontar o dedo aos animais, às plantas ou... aos marcianos...)

6 comentários:

Raul Martins disse...

É talvez boa hora para deixar as lamúrias,
acabar com os dedos em riste
e tentar realmente fazer o possível para emendar a mão.
Cada um no seu campo, com uma visão global, coerente, consistente e empenhada.

É verdade, 3za...
é isto que importa...

Teresa Martinho Marques disse...

Acredito que venha aser possível... mas ainda falta fazer algum caminho nesse sentido... :)

Existente Instante disse...

Agarradinho aos fios das tuas emoções, das tuas dúvidas e da tua Esperança, eu vou...atravessar a ponte da semana. Dá mesmo vontade de enrolar-me nas tuas palavras sedosas, firmes, por poéticas.
Raio de "Aranhiça" vim encontrar na Net!

Teresa Martinho Marques disse...

:)...

Fernando Vasconcelos disse...

Claro que somos responsáveis. Concordo consigo. Temos exactamente aquilo que merecemos nem mais nem menos. Lamentar? Não ! Tentar mudar a começar pela educação que damos aos nossos filhos em casa. Porque alguns dos que criticam e culpam a escola - como se esta fosse a única responsável da educação das crianças - esquecem-se que a educação começa em casa! Uma coisa simples que todos e cada um de nós podemos fazer é não nos demitirmos do nosso papel de educadores. Eu não me demiti e não deixo que ninguém ma minha vizinhança próxima ou familiar se demita. Não somos perfeitos, concerteza que não, mas não há demissões. Em casa, meus amigos. Em casa é que começa a nossa responsabilidade. Uma boa educação em casa é muito mais do que meio caminho para resolver o problema. Sim porque mais do que as escolas, os professores e o "eduquês" de que tanto se tem falado em primeiro lugar falha a educação EM CASA ... e desculpem o desabafo em casa alheia, mas a desculpa que é a tv, são os jogos, é a escola, ... e os pais estão onde durante esse tempo todo ????

Teresa Martinho Marques disse...

Pois...
Nesta escola onde estou há quase 4 anos... tenho uma imensa sorte com o "capital humano"... na sua esmagadora maioria (minhas turmas) os Pais são pessoas excepcionais, preocupadas, que investem tempo, presença, um enorme carinho... Claro que se o professor, no seu campo, fizer o mesmo... acontece o que me tem acontecido... é uma doçura infinita... o trabalho, mesmo com os naturais altos e baixos, compensa sempre e dá muito prazer. São estas sintonias que devíamos procurar, concordo em absoluto. E, mesmo sem apontar dedos e deixar de assumir a importância da minha parte na história, não posso deixar de concordar que a casa devia ser estruturante, que o primeiro grande trabalho é o dos Pais, claro, e depois a escola deveria ser forte, exigente, carinhosa, acolhedora e complementar esse trabalho de forma exemplar (sem leis para desajudar...
E... esta casa não é alheia... é toda vossa. Por isso largo os meus fios de seda no mundo... :)