quarta-feira, maio 28, 2008

Amor elevado à infinita potência...

Há tempos escrevi uma carta.
Chamei-lhe Carta a um menino... .
Regressei a esse menino muitas vezes. Porque os caminhos ora se faziam, ora se desfaziam. Não é fácil corrigir anos de sensação de que estamos em último lugar na vida de toda a gente, na vida da escola, na vida da vida. Mas nem desistir, nem ignorar, por mais provas que depositem no meu colo para ver, por mais que às vezes o sono e o cansaço gritem aos ouvidos coisas indecentes como abranda, pára, desliga, não podes chegar a tudo.
Depois de uma avaliação positiva (Bom) na estatística, depois de uma avaliação positiva (Suficiente +) na última ficha de Ciências (mérito próprio, sem adaptações de qualquer tipo), veio a prova difícil de uma ficha de matemática envolvendo conteúdos a que o meu menino tem tido dificuldade em chegar porque cruzaram os piores momentos do terceiro período, a sua preguiça em escutar, em registar tudo, sempre que lhe foi pedido. Mas um banho de realidade também é preciso depois das alegrias. Perceber que se consegue, mas que para se ir mais longe é preciso fazer mais ainda. E é importante ensinar-lhe a perceber que não ter atingido objectivos não significa não ser capaz de os atingir um dia, se quisermos e trabalharmos nesse sentido. Uma ficha entregue quase em branco não tem de ser um drama. Tem de ser a partida para mais um caminho.
Assim, ontem, tentámos organizar uma estratégia com o apoio das deliciosas meninas desta turma, corações doces, dispostas a acolher o amigo e a ajudá-lo sem lhe dar folga. Ele roeu a corda e escapou-lhes. Oh professora, ele fugiu e não veio trabalhar connosco ontem.

Hoje, na aula de Ciências, obriguei-o a uma promessa em que o fiz repetir (o muito que sorrimos no processo, evitando que fizesse figas com os dedos, com a língua, com os pés e ele alinhando no jogo): eu, M A, prometo (ele repetindo depois de mim, bocadinho a bocadinho) que não vou fugir às minhas amigas, e que vou deixá-las obrigarem-me a estudar e ensinarem-me o que eu ainda não entendi da Matemática... e prometo.... que... por ser um rapaz muito esperto e cheio de boas capacidades... não vou desperdiçar essas minhas capacidades... e (risos... eu nunca mais acabava de dizer coisas engraçadas para ele repetir...)...
Lá fiz finalmente um stop na lengalenga (gosto de o ver sorrir... que é que querem?).

Hoje (ainda)... aula de Estudo Acompanhado:
Lá fomos (eu e a minha parceira de aula) organizando o trabalho do dia em função das necessidades e a certa altura eu tive uma ideia.... Meninas... querem começar hoje a ajudar o M? É que ele aqui não pode fugir para lado nenhum! (ri-me... e o M tentava esconder-se na cadeira e desaparecer alinhando nas minhas palavras e simulando a fuga possível).
Boa ideia professora! (Ai estas minhas meninas!). Estás feito M! Hoje não nos escapas...
O que eu não esperava foi o que se seguiu.
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Quando cheguei ao grupo, o trabalho estava organizado muito para além da minha pobre imaginação nestes tempos em que resmas de papéis me atormentam e tentam minar a minha disponibilidade mental.
Cada amiga fazendo uma ficha sobre um tema (para ele fazer)... informação, perguntas... A Mada supervisionando a correcção do malogrado teste, obrigando-o a fazer tabuadas e depois exercícios: M, queres que eu faça primeiro para tu veres? Sim. Ele depois fazendo a seguir. Elas comentando (levantavam-se e vinham fazer-me relatório: oh professora ele diz que já gosta mais desta turma que da outra, oh professora é que ele na rua ainda às vezes vai ter com aqueles que são má influência, oh professora, ele é esperto, já viu como ele fez isto tudo do teste das potências sem ajuda? Oh professora, ele vai colar no caderno dele a minha ficha informativa que eu fiz para ele estudar as expressões numéricas!).
A F informando-me que depois fotocopiaria todas as fichas feitas por ele e me entregava uma cópia (continuarão amanhã ao almoço... a ver vamos se foge ou se agora aceita ficar com elas...). Já avisei que vou ficar com todo o trabalho dele feito "às ordens" das amigas...
Tive de registar estes momentos de ouro (fotografei ao longe o que me pareceu ser assim uma espécie de nova família do coração)... porque aprendo imenso com eles e com o exercício de reflectir sobre eles. Aprendo sobre a importância de não desistir de ensinar às crianças muito mais do que apenas contas ou estudar para si próprios na mira de melhores classificações em provas. Aprendo sobre a importância da prática da solidariedade activa, da amizade que não é pena do outro, aprendo sobre a beleza destas gerações de quem se diz tanta coisa, às vezes tão pouco verdadeira. Aprendo muito... tanto...
Este tipo de trabalho não pode ser feito por funcionários cansados, por gente sugada até ao tutano, gente maltratada. Se este tipo de gesto começar a desaparecer nas escolas... que futuro digno desse nome será possível?
E, sim, por conta do encantamento e desta partilha dele, lá farei mais umas noitadas de funcionária. Não resisto a magias e feitiços de amor.
Continuarei a lutar por melhores e mais sensatos dias... mas tentando nunca beliscar o que é verdadeiramente essencial na minha acção. Eles, eles, eles...
(Pudesse quem nos tutela ser iluminado pela inspiração e perceber finalmente a diferença entre o essencial e o acessório... perceber que o tempo numa escola não pode ser medido com olhos limitados pelo valor do dinheiro... Será esperar muito?)


6 comentários:

Raul Martins disse...

E o problema são mesmo os feitiços que eles nos lançam e que nos "atam" às crianças e ainda temos "magia" para ir sobrevivendo. E sem nada esperar porque, de lá de cima (tutela, claro!, nenhuma inspiração se avizinha.
Carpe diem!

IC disse...

Cuidado, 3za! Se isto chega aos ouvidos da ministra, nem professor generalista teremos, que os alunos ensinam-se uns aos outros e sai baratíssimo!
Estou a brincar, claro (embora o professor generalista seja espinha que não me sai da garganta)
Leio-te e tenho tantas saudades! Há imensos alunos bons que excedem todas as nossas expectativas a ajudar. Às vezes até lhes dizia a brincar que tinha que repartir com eles o meu salário. Haverá más línguas a dizerem que fazemos os melhores alunos perderem tempo com os colegas, mas eles desenvolvem-se imenso a ajudar, a terem que saber explicar-se, etc.
O trabalho cooperativo nem é nenhum altruismo pois todos beneficiam com ele. Assim os professores fossem estimulados ao trabalho colaborativo, em vez de andarem a ser empurrados para a competição!
Desculpa, desviei-me...
Beijinhos.
(E obrigada pelos parabéns que deixaste à minha Inês :) )

Avó Pirueta disse...

"Amor elevado à potência..." Que coisa linda, Teresa do Lindo nome! Que bom regressar ao meu dia-a-dia e encontrar novas deste ensinar a partilhar. Faz bem a todos e é uma ferramenta preciosa para toda a vida. Parabéns às tuas meninas que estão a aprender a Viver em pleno, com a tua ajuda. Um beijo para todos os intervenientes da Avó Pirueta

Anónimo disse...

Há uns dias atrás escreveste que precisavas de uns clones teus para poderes fazer tantas coisas que tens para fazer.
Afinal já descobri aqui três pequenas gémeas tuas. Não são todas iguais , são diferentes, mas são tuas gémeas em algumas caracteristicas.
São em motivação, em dedicação, em energia, em gosto de ensinar, em gosto de partilhar, em imaginação, e outras coisas mais.
É assim , os grandes Professores conseguem criar "clones" e outras magias , que nem os melhores cientistas do mundo conseguem.

Deixo-te uma frase engrçada que li ontem numa revista do Jardim Zoologico. "Pense em grande, adopte uma girafa"

Teresa Martinho Marques disse...

:) ... ufff.... levantei-me às 5 e parti em missão de amor lá para os lados de Ribamar... e agora ao fim da tarde vou para Setúbal fazer workshop para profs.... passei por aqui para agradecer as visitas os mimimhos as doces palavras! Abracinhos

Teresa Martinho Marques disse...

IC, uma nota curiosa. Neste conjunto , com excepção da Mada, não estão propriamente os "melhores"... Mas como para a semana têm teste com todos os conteúdos de matemática (ideia deste ano a que tive de aderir por conta de uma espécie de aferição interna relacionada com o PAM)o trabalho é simultaneamente útil ao M e a quem ajudou (que aproveitou a oportunidade para, em EA, iniciar um processo de revisões...:). É o que se chama matar dois coelhos... (pobres coelhinhos.....)