terça-feira, outubro 23, 2007

Porquê TêPêCê? (Ou: uma questão de confiança.)

Chegou finalmente a altura.

A turminha de 5º está pronta para as conversinhas metodológicas (talvez tenha sido a turma que mais rapidamente consegui preparar para o efeito... ou talvez a idade me tenha apurado a técnica... ou talvez seja apenas uma turma muito doce... vá-se lá saber!)
Verdade, verdade é que depois de mais uma sessão de invocação de sólidos invisíveis (desta vez a seu pedido: oh professora, eles devem estar lá em cima, no céu dos sólidos, tão sozinhos... pronto está bem, vamos lá a isso... e de terem aprendido como invocá-los sem a minha ajuda professora professora, tenho um na mão!!! Consegui que ele saísse lá do céu! ), depois de os ver tão amadurecidamente e rapidamente a contar sem contar os elementos dos sólidos, argumentando, de sólido invisível na mão, com uma seriedade e um empenho pouco comuns... se é um prisma hexagonal, professora, tem seis arestas em cada base e seis a toda a volta, por isso são 18... percebi que estão prontos a passar à etapa que se segue.

Vai passar TPC?
Hummmm... já sabem que os meus TPC são sempre especiais...
E a propósito, vocês sabem por que razão os professores vos mandam TPCs para casa? E por que razão os pais também inventam trabalhos para vocês estudarem e vos mandam trabalhar?

Dedinhos no ar.

É para os meninos aprenderem mais e irem para casa lembrar as coisas que fizeram nas aulas e estudar.
Outros confirmam a teoria.
Rio-me.
Não, não é essa a razão.
Não?
Não.
Os professores mandam fazer TPCs para casa porque... não confiam em vocês.
Achamos que se não vos mandarmos fazer qualquer coisa, vocês não fazem nada.
Olhos espantados e alguns sorrisos.
E porquê professora?
Porque quando nós éramos pequeninos os nossos pais e os nossos professores já nos faziam isso. Sempre se achou que menino que é menino não quer trabalhar e só trabalha se for obrigado. Só que eu não acredito e acho que se pode confiar em vocês... Por isso às vezes sugiro certas coisas que não são obrigatórias e vocês até têm feito. Verdade?
Sim.
Então hoje, como têm um teste na sexta, o TPC é à vossa escolha: seleccionam 1 ou dois problemas do caderno de actividades (podem ser mais - usem o caderno de actividades à vontade) de acordo com as dificuldades que sentem (não faz sentido estar a mandar um TPC igual para todos, pois uns sabem melhor umas coisas e outros outras, verdade? Acenam com a cabeça atentos). E depois trazem as dúvidas que sentiram.

A vida tem-me provado que este é o caminho certo.

Aprendi com John Holt a limpar da cabeça muito pó antigo que se vai acumulando sem pensarmos sequer nas razões e nas fontes dele. Os meus alunos reconhecem a verdade nos meus olhos e nas minhas palavras. Confio neles. Respeito-os. Não estou a brincar com eles nem a fazer jogos de palavras. Trato-os como gente. Até prova em contrário eles pensam sobre as coisas. Reconhecem a justiça ou necessidade delas. Só é preciso deixar de os tratar como seres incapazes e indefesos. Exigir com carinho, mas exigir. Exigir explicando.
Sempre que amoleço ou me começo a enredar, regresso ao meu livro mais especial: "Dificuldades em aprender" (Ed. Presença). Um livro que devia estar à cabeceira de todos os pais e professores. O meu está neste estado, como todos os livros que são companheiros de qualquer hora e a toda a hora.





"Este conceito de que as crianças não aprendem sem recompensas ou castigos externos ou, segundo o palavreado depreciativo dos behavioristas, sem «reforços positivos e negativos», acaba por se transformar numa realidade. Se tratarmos as crianças durante tempo suficiente como se isso fosse verdade, elas acabarão por acreditar na sua veracidade. Assim, muitas pessoas já me disseram: «Se não obrigássemos as crianças a fazerem certas coisas, elas não fariam nada.» E ainda dizem coisas piores: «Se eu não tivesse sido obrigado a fazer certas coisas, não teria feito nada.»
É a doutrina do escravo.
Quando as pessoas dizem estas coisas terríveis sobre si próprias, eu digo:«Pode acreditar nisso, mas eu não acredito. Quando era pequeno certamente não pensava dessa forma. Quem o ensinou a pensar assim?» Em grande parte, foi a escola. Será que as escolas transmitem essa mensagem por acaso, ou de propósito? Não sei e não acho que se saiba. Transmitem-na, porque, ao acreditarem nela, não conseguem deixar de agir como se isso fosse verdade."

JH- Dificuldades em aprender, p.102

12 comentários:

Miguel Krippahl disse...

É óbvio que as crianças aprendem sózinhas.

Aprendem os nomes de centenas de Digimons, as letras de músicas em línguas que não dominam, as relações complexas entre personagens de telenovelas, a passar o último nível do Heavenly Sword, a lidar com todas as emoções que os atropelam, etc.

Aprendem tudo o que lhes interessa.

E interesse é a palavra chave.

Anónimo disse...

:)muito interessante... ainda ontem estive a falar nos TPC's com a minha filhota mais velha que está no 7º ano. Todos os dias tem TPC's a todas as disciplinas... como se diz por aqui o q é demais não presta... e o que verifico é que ela apenas se limita a fazê-los e o tempo para estudar para os testes é mt reduzido... ela disse-me q qd disseram a uma professora para não lhes mandar mts tpc's porque estavam com muitos testes, ela disse-lhes que se não se calassem ainda lhes mandava mais.... boa prática pedagógica não?? enfim é assim que se motivam os alunos?? peço desculpa por este desabafo Teresa.... mas é que qd leio as suas palavras e a sua preocupação com os seus meninos e a forma como os motiva... vê-se que apesar de tudo o mais importante são as crianças e quem faz o que gosta fá-lo sempre bem independentemente de se encontrar ou não motivado.
Beijinho e continue assim porque esse é o caminho... :D

Anónimo disse...

Sapiência Teresinha...sapiência! É um orgulho perceber que uma amiga tão querida, profissional exemplar, continua a preocupar-se SEMPRE com o melhor método de aprendizagem para que os alunos sejam SEMPRE os beneficiados neste caminho tão sinuoso da Educação na Escola.
Parabéns.
DOsório

Teresa Martinho Marques disse...

Miguel, tens toda a razão! O meu aluno autista (disseram-me que não sabia cantar) aprendeu rapidamente a canção dos números... canta-a feliz. Interesse, envolvimento, desejo, necessidade, toque, motivação.
Ilda, essa tua história parece uma história de terror. Eu, por exemplo,nunca envio TPCs de um dia para o outro. Envio poucos (um destes dias uma aluna desta turma disse-me que o pai achava que nós estávamos a enviar poucos TPCs... até me ri com ela e respondi: pois, uns acham pouco outros acham que não seria preciso... confia em mim, enviarei aqueles que me parecerem adequados). Sou sensível aos argumentos, porque eles devem aprender a enunciá-los e a defender-se. Se fazem sentido, aceito. Reajusto. Respeito e carinho. Não é preciso mais nada. São PESSOAS.
Dorinha... fico sempre feliz por te saber por aqui. O caminho é sinuoso... Às vezes ainda o tornamos mais com esta mania de não pensar nas coisas e não mudar formas de olhar.
Abraço atodos.
PS Todos fizeram o TPC... na aula felizes pediram para fazer mais exercícios e poderem escolher os que queriam... assim foi. Circulei junto deles, dúvida aqui, dúvida ali, respirava-se envolvimento e motivação. No fim perguntaram se podiam fazer mais em casa até sexta... e respondi que não ia enviar TPC antes do teste e que sim, claro, fizessem os exercícios que lhes parecessem adequados para praticar aquilo que ainda não estava bem interiorizado. Sorrisos. O poder de determinaraem o seu próprio TPC faz com que trabalhem com muito mais prazer, muito melhor e muito mais. Parece tão simples... e é. Basta realmente conversar com eles e acreditar verdadeiramente (eles sabem se a crença for apenas da boca para fora).

Anónimo disse...

Eu concordo com os TPC's....claro que fazem falta... mas é isso mesmo falar com os alunos, ouvi-los não custa e chegar a um acordo não é mais satisfatorio para ambos os lados e é também uma forma de eles se sentirem respeitados e saber respeitar... é enfim crescer com os melhores valores... pk ser professor não é só ensinar, também é formar... porque a maior parte do tempo é com voces q eles estao... não estou a dizer que é só responsabilidade vossa a maior parte cabe claro aos pais :D bjs***

Madalena disse...

Olá, Teresa. Vim aqui também aprender e deliciar-me com o "naco" de diálogo delicioso.
Voltarei. Beijinhos
(Eu e outra Teresa do EcoCoisas!)

Life Is So Simple... disse...

Adorei a simplicidade e veracidade das suas palavras. É de louvar que ainda alguém sinta que as nossas crianças são pessoas que merecem muito respeito e carinho. Deveras uma inspiração... Obrigado!

Anónimo disse...

Até estou boquiaberta... É incrível o que aprendo contigo!!
Deve ser óptimo ser teu aluno :-)

Anónimo disse...
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Teresa Martinho Marques disse...
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Teresa Martinho Marques disse...
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Teresa Martinho Marques disse...

Obrigada pelas visitas e palavras doces. Eu não posso ensinar-vos nada... Só partilhar estas coisas boas que são também fruto do amadurecimento de muitos anos. Sabe bem reflectir sobre o que nos vai acontecendo e ir aprendendo com isso. Se mais alguém puder aproveitar estes pedacinhos de "pensar em voz alta"... fico feliz. Beijinhos