terça-feira, março 14, 2006

Viciados no fácil...

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Ainda a propósito de algo que disse ontem

(...)Habituam-se a ver nas "notas" o reflexo do que estão dispostos a investir e a dar do seu trabalho e não o resultado de técnicas questionáveis de revisões-cópia da ficha de avaliação, feitas no dia anterior ao do teste.(...)

e do que a Tit disse aqui no seu Canto do Vento


John Holt reforça:

(...) Eu próprio já entrei neste jogo. Quando comecei a leccionar, achava, que a finalidade de um teste era testar, ou seja, descobrir o que os alunos sabiam de uma determinada matéria. Não demorei muito tempo a descobrir que se fizesse testes-surpresa aos meus alunos, cobrindo toda a matéria dada até à data, quase toda a gente reprovaria. Isto deixava-me mal visto e causava problemas à escola. Aprendi que a única maneira de obter uma percentagem respeitável de notas decentes, ou que dessem para passar, era anunciar os testes com bastante antecedência, dizer com algum pormenor qual a matéria que sairia e começar a fazer logo desde muito cedo bastantes exercícios do mesmo tipo que iriam sair no teste, a que dávamos o nome de revisões. Posteriormente, soube que os professores fazem isto em toda aparte. Sabemos que o que estamos a fazer não é realmente honesto, mas não ousamos ser os primeiros a parar e tentamos justificar-nos ou desculpar-nos quando dizemos que, afinal de contas, não é assim tão prejudicial quanto isso. Contudo, estamos errados: é bastante prejudicial." (...)

Pois é. E os efeitos estão aí à vista de quem quiser olhar. (Ler IC nas suas Memórias Soltas... ).

As drogas leves são assim... achamos sempre que nunca ficaremos viciados. Que podemos sempre voltar atrás quando quisermos.

Neste momento há gerações presas à droga dura do facilitismo, da falta de exigência. Com esse vício surge a apatia, a desresponsabilização, depois a indisciplina.

A culpa não é dos alunos. A pressão para as estatísticas do sucesso de quem tutela e a nossa cumplicidade (receosa?) deram uma boa ajuda. Partilhamos culpas, mas de nada serve agora apontar dedos. Não é essa a intenção do que digo. Agora seria tempo de pensar e encontrar a solução que nos colocasse no melhor caminho. Também eu quero que as crianças passem de ano, que o sucesso seja real e duradouro, que se movam todos os recursos da escola para as ajudar. Mas não a qualquer preço. Não sem condições para o fazer. Os alunos merecem muito mais do que só isto.

E, convenhamos, enquanto nos distraem das nossas verdadeiras obrigações e vão criando legislação que pressiona, mais uma vez, para um determinado tipo de sucesso de consumo imediato, temo que a resposta seja a mesma de sempre: desenvolver estratégias como as anteriormente descritas para que, com uma capa de seriedade e tradição, se possa continuar a fazer exactamente o mesmo que se tem feito. Não. Reformulo. Para que se faça cada vez pior. (Porque as crianças que nos chegam agora já trazem vícios de difícil desintoxicação... e o tempo que o professor tem para elas, suas crianças, é cada vez menor.)

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei! Já não me sinto tão só! Se bem que eu própria (por causa dos encarregados de educação, por causa dos exames, por causa dos rankings, por causa dos inspectores, por causa dos colegas, por causa da causa que causa que as coisas sejam assim e por tantos mais por causa de), passe também a vida colada ao que "tem que ser", "deve ser", "só pde ser", ... e quando "ponho o pé em ramo verde, caem Carmo e Trindade logo em cima da coisa, e contrariar o sistema também cansa e chateia e dói (e lá vamos esquecendo as alegrias da luta...) e o tempo não chega, e depois há mil declarações e justificações da coisa não dada a elaborar e papeletas a preencher, ...
O povo tem sido habituado a gostar de ser enganado, a apreciar sobretudo o facilitismo, ... E, mais grave ainda, parece que os decisores cultivam este "gosto". Tristes de nós, se continuarmos aconchegados no nosso preguiçoso canto, apegados à incapacidade de aceitar em vez de enveredarmos pelo desafio, de persistirmos em não nos aventurarmos pelo diferente, pelo criativo, pelo inesperado, pelo progresso real da Humanidade. Quantos séculos de Hitória humana desperdiçados.

Teresa Martinho Marques disse...

Toda a razão do mundo...
Vamos fazendo o que podemos...
É pena não tirarmos o melhor partido das nossas capacidades como povo!