Já lá vão uns tempos... e hoje precisei mesmo de olhar para trás.
O silêncio é o natural resultado de alguma dispersão de gestos em diversas direcções e de muito trabalho (no terreno e
online - gestão de vários espaços de partilha) que agora vai desacelerando.
Mas é, também, fruto de alguma falta de vontade de reagir nem sei bem a quê, já que as alterações se sucedem sem intervalo entre convulsões políticas e económicas, nunca parecendo haver um rumo/horizonte qualquer mais estável sobre o qual possamos alongar o olhar, reflectir, pensar, dizer...
Então eu escuto. Leio quem consegue orientar-se na vertigem dos dias para, a tempo e horas, dizer alguma palavra sobre o assunto. Eu já não consigo. Nem me apetece. Talvez por isso a pintura digital. Outras formas de dizer.
Acho que, pensando bem, devo andar mesmo cansada de palavras... das minhas, das de muitos (mundo este que não se cala um só segundo) e a necessitar de silêncio retemperador.
Talvez por isso o facebook telegramático me sirva melhor os intentos agora, que este meu espaço de demoras e pensamentos longos.
Mas hoje, pronto. Venho borrar de tinta o branco descansado da teia e inquietá-la com alguns rabiscos.
Durante dois anos aceitei convites que me afastaram um pouco da escola (75% fora + 25% dentro). Primeiro para ajudar na formação contínua de professores (1.º e 2,º Ciclos - Matemática), depois para dar forma a um sonho que alimentei durante a tese: levar o Scratch a mais meninos, através da motivação dos seus professores, e contribuir para promover um uso construcionista das tecnologias na escola (já que cada vez mais elas são usadas autonomamente pelos jovens apenas para gestos de consumo)...
Nunca aceitei convite nenhum durante os anos que precederam a vinda de MLR. Sentia-me bem na escola. Tinha frio na Luísa Todi, as crianças eram muito complicadas, chovia em algumas salas, mas o meu trabalho era respeitado, tinha tempo para os projectos da escola e para os extras com os meus meninos e o bom tinha saldo positivo sobre o mau.
Depois dela nada voltou a ser o mesmo. Eu não voltei a ser a mesma.
Não lhe perdoo o facto de ter deixado de acreditar na autoridade, de ter sido obrigada a dispersar a minha atenção ao dever de ensinar pela burocracia e pelo muito repetido dever de gritar contra os mil absurdos que se foram sucedendo e cobriram a educação de cinza vulcânica muito cinzenta. Não quis ser titular num processo profundamente injusto, mesmo deixando de progredir na carreira, e o tempo deu-me razão. Não entreguei objectivos individuais (juntamente com apenas cerca de uma dúzia de colegas, depois de muito mais de 100 numa reunião colectiva terem afirmado que fariam o mesmo), fui intimada, avisada de que não seria avaliada... fiz a auto-avaliação nos meus termos... e o tempo deu-me razão. Nesse ano mereci excelente num mestrado que envolveu acção em sala de aula, alunos, pais e outros professores (o pior horário da minha vida leccionando todas as disciplinas do 2.º Ciclo do 4.ºG nos dois anos), e "bom" na escola que assim procedeu com os rebeldes, "de acordo com orientações superiores".
Não lhe perdoo, à MLR, o ambiente pesado, as discussões constantes, a promiscuidade de uma avaliação sem pés nem cabeça que colocou muitas vezes os menos competentes a avaliar os mais competentes. Não lhe perdoo a embrulhada nada séria de papel em que transformou as escolas sob a capa da seriedade da avaliação. Não consigo perdoar nem o desencanto nem a tristeza.
Depois dela aconteceu assim uma outra coisa. A ausência. A invisibilidade. O mesmo nada, mas agora com voz doce a comando de outras vozes. A bem dizer foi como se tivesse deixado de existir um ministério, absorvido por um qualquer conselho de gentes de intenções duvidosas...
Não lhe perdoo não ter conseguido recuperar a minha fé, a minha crença, a minha admiração pela "autoridade". Não é que precise... já que não necessito de cenoura para fazer o que é certo. Mas a verdade é que gosto de admirar quem me tutela, ou pelo menos reconhecer-lhe alguma competência específica e transversal... Não foi o caso.
Passou, como a outra.
Durante o ano ora era assim, ora era assado. Como aconteceu com a outra. Chegámos ao final do ano lectivo sem saber algumas coisas necessárias. Está bem, percebe-se a necessidade de tempo imposta pela mudança política. Mas a escola tem prazos para cumprir. Ontem o véu levantou-se um pouco.
Ainda estou sem palavras (ando lenta nos meus tempos de reacção), embora siga com atenção o que acontece e os pensamentos de outros, sob vários pontos de vista, sobre os efeitos e consequências. Darei tempo ao tempo, sim. Que eu sei que vivemos momentos excepcionais com
timings apertados. E não me apressarei na análise.
Há tempos, sim, fiz
outras análises a
outros propósitos e por conta de
certas ideias e textos partilhados como dogmas e avisei que os resultados piorariam... Os meus têm vindo a melhorar e este ano ultrapassaram todas as expectativas, enquanto a média da escola desceu abaixo da média nacional. E melhoraram, penso eu, porque a par do meu esforço e do das crianças e famílias, eu não flutuo ao sabor de modas incertas nem me distraio com o acessório dos formulários em papel: sei o que quero, defino prioridades, não cedo à chantagem da avaliação para não prejudicar os alunos com a minha falta de tempo, embora prejudicando-me a mim, e procuro adaptar-me ao mundo e às crianças que vou recebendo, ajustando as estratégias e procurando crescer enquanto professora... (gestos que nunca me permitirão obter boas avaliações neste sistema burocrático... :). Começarei no próximo ano lectivo por desobedecer a uma directiva aprovada pelo Conselho Pedagógico no final deste ano: todas as disciplinas têm de fazer um teste igual pelo menos uma vez por período. Ora como eu não ando a reboque do manual... e as minhas crianças são reais... o mais certo é já ter trabalhado umas coisas e não ter trabalhado outras. Os alunos não são carneiros, nem eu sou pastora. Já percebemos bem o valor dos (treinos para os) testes intermédios nos resultados... Nunca fui rebelde por natureza... Chamam-me madre Teresa... da bicharada e do resto... Mas a paciência anda esgotada para o que não faz sentido.
Acabei de escutar que a mobilidade será reduzida. Nesta altura era suposto as escolas saberem com que professores contam. Nós sabermos em que projectos estaremos envolvidos. Não havendo tempo para avaliar correctamente todos os projectos que mantêm professores em mobilidade fora das escolas em regime total ou parcial, corre-se o natural risco de acabar com tudo, tenha ou não impacto nas escolas. Tenha ou não tenha valor. Nada de novo.
Acabo o ano já a preparar o próximo, que não sei como será.
Mas sei que, no ano que passou, tocámos muitos professores e através deles muitos meninos... Construímos a semente de uma comunidade de educadores, fizemos formação pelo país fora.
Se voltaremos a ter oportunidade de aprofundar um projecto que ainda agora nasceu?
Não sabemos... Aguardaremos serenamente as decisões, como sempre.
Sabendo, como sempre, que neste país tudo é asssim mesmo. Hoje uma coisa, amanhã outra. Hoje Área de Projecto, amanhã já não. Hoje isto, amanhã aquilo.
Entrego-me sempre como se fosse verdade e perene tudo aquilo a que me entrego... Combato a descrença com gestos precisos e locais (pensando globalmente) como se não houvesse amanhã. Sei que o
hoje, neste país, é a única coisa que vale. Os amanhãs são sempre incertos. A minha
indignação, a minha
revolução, a minha
democracia já é executada (agora e não depois) sob a forma de acção ao serviço dos mais pequenos, para que um dia o mundo possa mudar e ser bem melhor.
Mas, mesmo sabendo que o mundo é composto de mudança, o que não perdoo é este pedacinho de mim que me roubam em cada ano, a incerteza, a nenhuma prospectiva estratégica, esta falta de horizonte que nos faz caminhar como a Alice caminha no dizer do gato: se não sabemos para onde queremos ir não faz muita diferença o caminho que tomamos.
Vamos andando...
E eu gostava de pelo menos poder dizer, rodeada de mais gente: é para ali que vamos.
Assim, sobra-me apenas a consciência solitária, a convicção, os valores, a credibilidade junto de alunos, pais e (alguns) pares, para dizer: eu quero chegar ali e levar comigo os meus alunos (suprema razão para nunca baixar os braços).