sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Bipolar... alegrias... verdes... cinzento... dilemas...

Não está fácil hoje encontrar as palavras certas... fui atrasando... atrasando...

Mas na altura de todas as máscaras, faz bem recordar o que se esconde atrás delas...
Que por trás de cada coisa bonita e boa que se consegue (e falo sempre tanto delas), está cada vez mais um esforço roçando o desumano.

Por um lado a sensação cada vez maior de que a escola vai morrendo aos poucos sem se dar por isso. Que a tristeza e cansaço se estão a instalar. Sinais de alarme tocam silenciosamente atrás de cada suspiro, de cada gesto sem vontade acumulando-se fingindo-se que não, lutando-se até o limite das forças para que não aconteça. Nervos à flor da pele. Lentamente os nãos ao (aparentemente) extra, que antes foi a alma e a vida das escolas. Nãos que roubam a essência do que seria preciso, agora substituído pela amálgama de coisas desconexas para ocupar tudo e todos.

Por outro lado o desejo que eles têm de nós com tempo. De nós com energia. De nós bem. Na aula mil poemas para partilhar, mil coisas para contar... Há dois dias, duas alunas de 10 anos deram a aula com os seus trabalhos sobre animais - momentos preciosos... na BE a ajuda indispensável de alguns alunos (porque o impensável de ter uma BE, da dimensão da nossa, apenas com um funcionário é o difícil real com que vivemos). Entusiasmo dos "grandes" que depois de uma das sessões de ontem com poesia e música queriam que se formasse um grupo... como? perguntei. Eu gostava imenso, mas não há tempo, não há horas... há tanta coisa obrigatória para fazer...

E depois mais umas informações/leis curiosas: CP tem de reunir e dar parecer obrigatório de cada vez que se contrata alguém... provas de aferição e mais relatórios para se fazerem, plano de acção de matemática e nem conseguimos encontrar as horas para reunir, formar, pensar, partilhar, reflectir. Projecto dos portáteis, plano nacional de leitura, semana da leitura, concursos, cartas, mais leis, mais regras... isoladamente tudo parecendo uma boa ideia, uma boa causa... deixando-nos sem hipótese de recusar: tudo tem de ser e até faz sentido. Mas tudo junto, ao mesmo tempo, um absurdo sem tamanho. E de onde sai o tempo para...? Sempre do mesmo lado: do lado que não há nem o tem. Um exemplo simples: dois CP em duas semanas... 4 horas num, 3 horas noutro... recordam-se que em teoria haveria dois tempos semanais para reuniões? Na semana em que houve CP também houve reunião de Departamento ... E reuniões intercalares... tudo consumindo muito acima das horas da componente individual... testes acumulando-se, avaliações intercalares... professores com mais de 4 e 5 turmas, turmas enormes, aplicar critérios de avaliação um a um, aulas para preparar? Alguém acredita que alguém consegue fazer isto tudo sem deixar alguma coisa pelo caminho? Ou, pior, acabar a fazer tudo pela rama porque não lhe é concedido sequer o direito a aprofundar coisa alguma...

E eles a querer, a nossa vontade de responder, ainda, em gestos de super-mulher ou super-homem, até muito depois da meia-noite, a pé antes das 6 para esticar os dias e corresponder aos seus desejos, provocar sorrisos, motivar, envolver, seduzir... Divulgar os seus trabalhos, acarinhá-los, ver o entusiasmo deles a crescer enquanto o nosso cansaço se acumula e o nosso entusiasmo hesita e se assusta com pensamentos cor de cinza que não queremos entretecidos com a réstia de vontade que encontramos nem sabemos onde, apenas por eles. É isto real? Possível de generalizar? Não. São circunstâncias apenas. Estilos isolados que não alimentam o sistema. Às vezes penso até que lhe fazem mal pela mensagem errada que deixam de que é possível muito mais do que é na realidade...

E o futuro escurecendo-se. Desculpem estas palavras hoje menos claras. Mas é assim como o aquecimento global: todos falam e parece que ninguém acredita. Aguardem pela subida do nível de tristeza que afogue o último entusiasmo, o último reduto de esperança e de energia. Que fraccione, divida, entupa de mais papel o já universo pouco ecológico das escolas que o acumula até à exaustão actualmente. Que embruteça uma classe que devia ser culta e criativa (brevemente teremos professores parados no tempo, gente especialista em preencher papéis e fazer relatórios sobre o insucesso, sem tempo para construir as aulas e os materiais do sucesso, gente que não lê, professores que não praticam nem a sua arte nem a sua ciência... definhando numa escola fechada sobre si... ou então profissionais esgotados, tentando responder a tudo com a exigência de sempre e acabando sem nada.)

E as carinhas deles hoje. Sempre mil dedos no ar. O esforço para esconder todo o cansaço do mundo e alimentar os seus sonhos, as suas esperanças, os seus progressos. Os professores, apesar de tudo, aderindo à ideia de chamar os pais em peso para vir ler aos filhos nas aulas durante a semana da leitura, um a um aceitando as cartas prontas, dispondo-se a tudo... outros imaginando como vão oferecer de si... eu não sei de que fibra são feitos estas mulheres e estes homens, mas admiro a sua coragem, o seu empenho, o seu profissionalismo. Embora...

...seja urgente eliminar os agentes na origem do ozono enfraquecido, do embrutecimento global. Sejam eles decretos, despachos, leis, gente que não entende a alma por detrás dos números e das estatísticas. Que não se apercebe da pessoa atrás do funcionário. Quando formos verdadeiramente funcionários, também seremos incapazes de olhar para o aluno como pessoa. Ele passará a ser o objecto do nosso funcionalismo... um número, um valor mais para a estatística pessoal e global da avaliação do funcionário e da escola desconexa que o alberga.

Pois... gostaria de acreditar que esta visão de escola é apenas um pesadelo.
Lutarei como puder para preservar a humanidade e não ceder à tentação de normalização. Serei rebelde, criança, esforçar-me-ei por ser feliz e fazer mais gente feliz na escola que imagino ser uma escola - lar de crescer por dentro e por fora para todos nós que a habitam, oferecer sorrisos em todos os sentidos, mesmo comprometendo progressão, carreira, não importa o quê. Continuo a ter um sonho. E cada gesto a menos, cada demissão, cada omissão, cada fechar de olhos, cada aceitação do ilógico sem grito de alerta, é condenar o mundo, a escola, ao afogamento global.

E, como diz um amigo meu, nenhuma ave pode voar infinitamente sem terra para pousar.
Só mar é morte.
Só céu não chega.

Pensemos como preservar ilhas, continentes de esperança, antes que...

(Hoje é o possível. Dentro de mim tenho o melhor e o pior da escola navegando, entrelaçando-se. A luta é sempre a mesma: organizar ideias. Separar o trigo do joio. Pensar primeiro neles que só têm este tempo para estar comigo e ir tentando paralelamente manter a sanidade no lugar e o juízo claro e alerta. Se é mais habitual o verde nas palavras, é porque o verde pode atrair mais verde... Mas há tempos de balanço em que o cinzento se insinua e precisa de alguma atenção... porque sem lhe prestar atenção o verde terá dificuldade em brilhar...)

9 comentários:

Anónimo disse...

Penso que deve ser dificil, mas tenta não perder o entusiasmo.

É sempre uma alegria vir visitar-te. A lucidez e a crítica são tão importantes.
Não há nenhuma maneira de fazer chegar estas chamadas de atenção à Ministra? A ela mesmo?
Beijinhos

Anónimo disse...

Não perderei... É por isso que por vezes vou fazendo pequenas paragens de reflexão, para manter a lucidez. Mas quando estou com os meninos... consigo esquecer o resto... e enquanto isso acontecer... mantenho-me de pé...

Anónimo disse...

Acrescento... obrigada pela visita e beijinhos

imaz disse...

É bem fácil perceber-te... mas não te esqueças de pensar também um pouco em ti...pois será impossível sempre esse ritmo.
Bjs

Anónimo disse...

... vou pensando. E será a pensar em mim que tomarei algumas decisões quando chegar a hora...
Beijinhos

Anónimo disse...

Pelo menos tu, não esmoreças... De há uns tempos para cá tenho vindo a entristecer um pouquinho mais a cada dia, mas tu não podes! É aqui, neste cantinho, que procuro diariamente ver que é possível fazer coisas belas, mesmo no caos em que vivemos. Vejo, através dos teus alunos, que é possível! E consigo partir para um novo dia... de novo, de sorriso nos lábios... até regressar à noite... E lá vou eu tentando realçar o bom dos meus alunos, no nosso blog, no blog da escola. Armanda

Anónimo disse...

Fica descansada! Não esmorecerei! Tenho muito mais tendência para o sorriso e não sei viver a vida sem eles. Quando as razões são poucas... invento os sorrisos de outras formas!
Vai ser possível abrir uma luz por entre o cinzento. É preciso acreditar... Beijinhos e obrigada pelas palavras que aqui deixam e ajudam a erguer o corpo e o espírito!

Anónimo disse...

o cansaço quebra o cansaço mata mesmo o espírito mais forte
tenho colegas doentes, e outras que se ainda nao o estão quando ficarem será mesmo perigoso (hipertensas)

esta ideia da ajuda por parte dos miúdos é importante e fará também com que eles participem um pouco mais (o que infelizmente lhes é vedado, muitas vezes)

abraço
Colega (uma entre milhares e milhares)

Anónimo disse...

...uma entre milhares... mas cada um é único, especial e conta. Não somos uma massa. Somos gente de carne e osso. Obrigada pela visita, pela partilha... Abraço grande.